O momento em que um ser humano passa a existir e a garantia do direito à vida são temas que vêm sendo debatidos nas casas legislativas federais brasileiras nos últimos dias.
O projeto de lei 1.904/24 busca equiparar o aborto a partir da 22ª semana de gestação à homicídio. A urgência na votação do projeto foi votada ontem (12/6).
A mobilização tem engajado especialistas, ativistas, artistas influenciadores e sociedade em geral.
Chama atenção a campanha realizada por grupos favoráveis aos denominados “direitos reprodutivos”. O objetivo é associar o PL 1.904/24 à eventual desasistência a crianças vítimas de violência sexual.
Chamada de modo depreciativo de “PL da gravidez infantil”, a campanha divulga objetivos equivocados em relação ao que está no texto apresentado na Câmara dos Deputados.
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que o PL agrava os dados de gravidez infantil e cria barreiras ao aborto legal.
“Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres vítimas de um dos crimes mais cruéis contra as mulheres, que é o estupro, impondo ainda mais barreiras ao acesso ao aborto legal, como propõe o PL 1.904/2024. Criança não é para ser mãe, é para ter infância, é para ser criança, estar na escola", afirmou a nota do ministério das Mulheres.
A nota do ministério revela uma interpretação equivocada de um projeto pensado para preservar mais vidas, tanto das gestantes quanto dos bebês.
O que é a PL 1.904/24A PL 1.904/24 é uma proposta legislativa que tem como objetivo equiparar a prática do aborto acima da 22ª semana de gestação ao crime de homicídio.
O Código Penal brasileiro considera o aborto um crime em quase todos os casos. No entanto, no artigo 128, estabelece dois excludentes de punibilidade, ou seja, duas situações em que a aplicação da pena não ocorre. Essas situações incluem casos de estupro e risco de vida para a mãe. Há também uma terceira: a anencefalia fetal, uma condição caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana. Esta última hipótese foi definida pela Suprema Corte em 2012, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 54. A questão é que a legislação não especifica a idade gestacional limite para a realização do procedimento. Essa razão faz a questão voltar ao debate de tempo em tempo.
O texto proposto trata de alterações em artigos do Código Penal que se referem apenas à prática de aborto, ou seja os 124, 125, 126 e 128. Nenhum outro crime terá definição ou penas alteradas.
O estupro de vulneráveis, previsto no artigo 217 do Código Penal, continuará caracterizado e prevendo penas idênticas.
A advogada Andréa Hoffmann, presidente do Instituto Isabel, afirma que existe uma falácia quando se acredita que a proposta legislativa flexibilize a proteção à criança e ao adolescente, prevista pelo ECA:
“O projeto endereça um crime praticado [o aborto]. Não tem nada a ver com flexibilização de nenhuma lei de proteção à criança. Nada equipara uma coisa à outra”, aponta.
Ela afirma também que o estupro de vulnerável não justifica um aborto e que, a opção pelo interrupção da gestação pode favorecer o abusador de menor:
“…uma vez que a gestação for interrompida, ninguém saberá sobre o crime. O abusador estará livre para continuar a agir impunemente”, afirma.
O Instituto discorda que a interrupção da gravidez seja a forma de resolver a alta incidência de estupros de vulneráveis no Brasil. A representante da entidade enfatiza que este debate tira o foco do que realmente importa para que o país avance na resolução do problema:
“Toda essa narrativa realizada pelos grupos pró-aborto o apresentam como solução para um problema que não é o aborto que resolve”, afirma.
A advogada também destaca que políticas públicas eficientes de segurança pública e proteção às crianças e adolescentes são fundamentais no Brasil.
“Só que o combate à violência sexual não passa pelo aborto”, afirma.
Outro argumento contrário ao projeto é a possibilidade de que ele puna uma criança vítima de abuso.
Uma das principais articulistas pró-legalização do aborto no Brasil, a deputada Sâmia Bonfim, afirmou em seu discurso realizado na Câmara dos Deputados:
“Sobre o PL 1.904/24, quem vai comemorar a aprovação são os pedófilos brasileiros, porque ao invés de a Câmara estar voltada para coibir a atuação deles contra nossas crianças e adolescentes, está se voltando para retirar essa menina do papel de vítima e colocá-la no banco dos réus. Ao invés de a Câmara estar debruçada para combater essa violência tão brutal que qualquer criança, adolescente e mulher brasileira está suscetível a sofrer, está se voltando para punir ainda mais a vítima.
Vocês ainda querem que ela vá para a prisão por 20 anos, quando ela disser: "Não serei mãe do filho de um estuprador! Um estuprador não pode ser pai."”
A aprovação do PL não exime os parlamentares de zelar por crianças e adolescentes brasileiros. O artigo 227 do Código Penal determina que o Estado brasileiro “proteja o jovem de toda forma de violência e crueldade”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 18, também assegura a dignidade dos menores de 18 anos e os protege contra tratamentos violentos. Integridade física, psíquica e moral também estão entre as garantias previstas pelo Estatuto.
O PL 1.904/24 apresenta instrumentos que possibilitam que a aplicação da Lei seja feita contemplando os detalhes de cada caso.
Há um artigo que habilita que “o juiz mitigue a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou “poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.”
O juiz pode mitigar ou não aplicar penalidades a crianças vitimizadas. Tanto o Código Civil quanto o Código Penal estabelecem que menores de 18 anos são penalmente inimputáveis. Adolescentes entre 12 e 18 anos podem receber medidas socioeducativas, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Crianças até os 12 anos de idade não estão sujeitas a punições diretas, e somente podem ser submetidas a medidas de proteção.
Revitimização de mulheres?
A campanha de desinformação sobre a proposta afirma que mulheres e meninas seriam obrigadas a prosseguir com a gestação. Por essa razão, a aprovação do projeto revitimiza as vítimas.
O Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) publicou um artigo em seu site no qual defende que o projeto é uma reedição do “Estatuto do do Estuprador”, por obrigar mulheres a gestarem o resultado de uma estupro, sob pena de prisão”.
O Cebes ainda ressalta que “o acesso tardio ao aborto legal reflete a desigualdade e a iniquidade na assistência à saúde, impactando sobretudo crianças (10-14 anos), mulheres pobres, pretas e moradoras da zona rural.”
De acordo com a BBC Brasil, um grupo de 18 entidades da área de saúde se uniu para criar a campanha “Criança não é mãe”, que tem Sâmia Bomfim e Cida Gonçalves como participantes.
O que nem o Cebes nem quaisquer outras entidades apresentam são pesquisas que comprovem que a legalização da prática do aborto resultou na redução dos casos de violência sexual.
Uma das principais organizações internacionais que trabalham para erradicar a violência sexual internacional, a Childhood Brasil afirma que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno social completo “ atribuído a uma série de fatores sociais, culturais e econômicos. Não existe uma causa singular e nem uma relação de causa e efeito.”
Isso reforça a ideia de que associar o alto número de casos de violência sexual à descriminalização do aborto é falacitoso.
No que se refere a crianças e adolescentes, a interrupção da gestação não costuma ser realizada por elas. Diante disso, Hoffmann afirma que submeter uma criança vítima de violência a um procedimento traumático como o aborto é puni-la mais uma vez.
Mesmo quando a escolha é feita por mulheres adultas, há consequências.
Um artigo publicado pelo British Journal of Psychiatry em 2011 constatou que o risco do desenvolvimento de doenças mentais em mulheres que realizavam aborto era 81% maior. A pesquisa também ressaltou que gestantes que abortaram tinham 34% mais chance de sofrerem ansiedade, 37% mais de depressão, 110% de risco de se tornarem alcoólatras e 115% mais risco de tentarem suicídio.
A psicologia reconhece as consequências de submeter uma mulher ao aborto. Em entrevista concedida ao jornal Gazeta do Povo, a psicologa Ana Claudia Brandão afirmou que os sintomas incluem “alteração de sono e do apetite, pesadelos, desequilíbrio familiar, perda de sentido da vida e até tentativas de suicídio”.
“A verdade é que constatamos que a mulher é a segunda vítima do aborto. Elas sofrem os efeitos nocivos dessa prática tanto na sua saúde mental quanto no seu relacionamento com o meio”, enfatiza a especialista.
O PL 1.904/24 apresenta uma situação específica, por contemplar o direito do feto à vida.
Exames, como o próprio ultrassom, comprovam que um feto com 22 semanas já possui coração que bate, sistema límbico formado, mãos com formas definidas. Até fios de cabelo são possíveis de serem vistos.
A viabilidade da vida extrauterina do feto com mais de 5 meses é real.
Na resolução 2.378/202, o Conselho Federal de Medicina ressalta que a embriologia já estabeleceu que “a partir da 22ª semana gestacional há a viabilidade da vida extrauterina do nascituro”.
Esta foi a razão alegada para editarem a medida que punia médicos de realizarem assistolia fetal, procedimento proibido em animais, mas recomendado pela Organização Mundial de Saúde para interromper vidas de fetos.
Por essa razão, consideram que o aborto a partir da 5 meses de idade gestacional “não tem previsão legal, é antiético e um direito vedado ao médico”.
Um dos maiores juristas em atividade no Brasil, o Dr. Ives Gandra Martins esclarece que o procedimento é inconstitucional por ferir o principal direito resguardado pela Constituição Federal:
“Reza o artigo 5º, “caput” da Lei Suprema, que é inviolável o direito à vida”, afirmou o jurista.
Por essa razão, grupos pró-vida afirmam que o projeto lei 1.904/24 busca impedir o feticídio, corrigindo uma ilegalidade e garantinido o mais fundamental dos direitos.
Feticídio é a interrupção de uma gestação quando o feto pode ser viável, mas ainda se encontra no útero da mãe.
Os movimentos pró-vida comunicam sua luta para garantir a manutenção da vida que já existe.
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