Em um dia que foi decisivo para o futuro das relações entre os Poderes da República, líderes do Executivo, Legislativo e Judiciário se reuniram no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (20/8) para discutir o futuro das emendas parlamentares. O encontro, que se estendeu por mais de três horas e foi seguido de um almoço, marcou o início de um novo capítulo nas negociações que têm gerado tensões nos bastidores de Brasília.
O ponto central da reunião era a busca por um consenso sobre as chamadas emendas Pix, um modelo de repasse direto de recursos aos estados e municípios, sem a necessidade de convênios.
A crise teve início na semana passada, quando o ministro Flávio Dino, do STF, determinou a suspensão das emendas impositivas, sob o argumento de falta de transparência. A decisão, referendada pelo plenário da Corte, ecoou como um balde de água fria no Congresso, que viu sua influência sobre o orçamento ameaçada. Em resposta, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), preparou uma ofensiva legislativa, evidenciando a delicadeza das relações entre os poderes.
O almoço desta terça-feira, organizado na sede do Supremo, reuniu figuras-chave: além de Lira, estavam presentes o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, representando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e todos os onze ministros do STF, sob a liderança do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Também participaram o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
No encontro, os ministros do STF deixaram claro que a manutenção das emendas estava condicionada ao estabelecimento de critérios rigorosos de transparência, rastreabilidade e prestação de contas.
O acordo firmado estabelece que as emendas continuarão a existir, mas com mudanças significativas. Agora, será obrigatória a identificação antecipada do objeto dos recursos e será dada prioridade às obras inacabadas, com a exigência de prestação de contas ao Tribunal de Contas da União (TCU). As demais emendas individuais também foram mantidas, mas seguirão regras que serão definidas em até dez dias, em um diálogo entre Executivo e Legislativo.
Mesmo com o acordo, a execução das emendas Pix permanece suspensa até que os novos critérios sejam estabelecidos e validados pelo STF. Luís Roberto Barroso, em um pronunciamento após a reunião, ressaltou que o consenso alcançado era "o possível" neste momento, indicando que o tema ainda passará por mais discussões antes de se chegar a uma resolução definitiva.
O desfecho da reunião entre os chefes dos Três Poderes sobre as emendas parlamentares trouxe à tona um debate acirrado sobre a transparência e a execução dos recursos públicos. Para Hugo Zampieri, especialista em Orçamento Público, a decisão do STF de vetar a execução das emendas foi “desproporcional”.
Ele vê a suspensão das emendas impositivas como uma tentativa do Judiciário de pressionar o Congresso a abrir um diálogo sobre o tema, algo que considera sem fundamento técnico:
“Toda a execução do recurso é transparente e acessível a todos que conhecem minimamente o tema”.
De acordo o especialista, essa interferência do Judiciário é questionável, considerando que as emendas seguem processos que já garantem o controle dos gastos.
Ao explicar o funcionamento das emendas, o especialista destacou as duas opções de destinação dos recursos: via ministério e via Transferência Especial (TE). A primeira, segundo ele, é marcada por uma burocracia que, embora assegure que o dinheiro seja bem gasto, torna o processo lento e muitas vezes inviável para a execução de obras. “Eu mesmo já presenciei vários prefeitos recusando o recurso pois seria obra via Caixa”, exemplificou, referindo-se ao fato de que as obras dos ministérios são, em grande parte, geridas pela Caixa Econômica Federal.
Por outro lado, o orçamentista elogiou o modelo de Transferência Especial, criado pela Emenda Constitucional 105/2019, que permite que o recurso vá diretamente para o caixa das prefeituras, facilitando a execução de obras e projetos estruturantes:
“Como qualquer inovação, o mecanismo seria melhorado com o passar dos anos, e hoje o controle desse recurso é bem maior do que na primeira vez que foi utilizado”, observou
Destacou ainda que os gestores já são obrigados a indicar antecipadamente a área onde o recurso será aplicado.
No entanto, Zampeiri reconheceu um ponto positivo na atuação do Supremo, que foi a exigência de cumprimento da Resolução n° 01/2006 do Congresso Nacional, especialmente no que se refere às emendas de bancada. Ele ressaltou que, em muitos casos, essas emendas, que deveriam ser destinadas a projetos estruturantes, acabavam sendo divididas entre os parlamentares, perdendo seu caráter original.
Para o especialista em finanças públicas, o futuro das emendas parlamentares dependerá da capacidade de adaptação às novas regras impostas:
“Esperamos que mantenha-se a regra anterior nas emendas de bancada e individuais via ministério, e talvez um rigor maior com as TEs já empenhadas, mas ainda não pagas”, comentou.
O especialista também alertou para possíveis alterações nas emendas de comissão, cuja transparência é menor, com novas resoluções prometidas para os próximos dez dias.
“O STF criou um rebuliço todo para melhorar um pouco a execução orçamentária das emendas parlamentares”, concluiu o analista, destacando que, embora a situação tenha gerado controvérsia, ela poderá resultar em maior rigor e eficiência na aplicação dos recursos públicos.
Além de técnicos, políticos também se manifestaram sobre o tema. Para o deputado federal Bohn Gass (PT-RS), a medida que aumenta a transparência das emendas é bem-vinda. "Todo mecanismo que der maior transparência às emendas parlamentares terá meu apoio. Como deputado, procuro atender demandas coletivas. Quem deve executar o Orçamento é o Executivo. Sou contra as emendas, ainda mais na atual proporção, absolutamente exagerada", afirmou o gaúcho.
Outro parlamentar que também se pronunciou foi o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP). O congressista enalteceu o entendimento que a decisão do ministro Flávio Dino vale até a regulamentação dos mecanismos de transparência e afirmou que “é preciso acabar com a farra do Centrão”.
A reunião no STF foi apenas o primeiro passo em uma longa jornada de ajustes e negociações. A expectativa é que, nos próximos dias, Executivo e Legislativo apresentem suas propostas de regulamentação das emendas, enquanto o STF se prepara para reavaliar a suspensão das emendas.
Para muitos, o encontro desta terça-feira representa um esforço conjunto para preservar o equilíbrio entre os Poderes, num momento em que as finanças públicas e a governabilidade estão sob intenso questionamento social. Se as promessas de maior transparência e controle forem cumpridas, só o tempo dirá. Por ora, Brasília segue em compasso de espera, aguardando os próximos movimentos deste complexo xadrez político.
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