“Quem elege os padres? Quem elege os bispos? Quem elege o papa? Quem é que vota? Mas, se é para serem democráticos, que comecem por serem eleitos. (...) Tudo se impõe na Igreja Católica, é uma ditadura perfeita, é uma tirania, uma tirania perfeita.”
Na noite do dia 28 de setembro de 2022, Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, criticou a Igreja Católica em cerimônia pública. Além de questionar o processo de eleição de padres, bispos e até do Papa, o governante proferiu outras acusações contra os religiosos.
Contra as interferências de uma ala da Igreja Católica na Nicarágua, já houve prisões, fechamento de canais de televisão, expulsão de missionários e perseguição a padres e bispos. Em março de 2022, a Nicarágua expulsou o embaixador do Vaticano.
No discurso, Ortega voltou a chamar alguns bispos e padres nicaraguenses de assassinos e golpistas por supostamente apoiarem uma tentativa de golpe de Estado.
Em 2018, grupos de religiosos apoiaram os protestos contra o governo de Ortega.
À época, o presidente nicaraguense disse que os manifestantes "saíram das igrejas, não de todas, armados para lançar os ataques contra as delegacias de polícia (...) e alguns padres convocando o povo (para) atirar em mim".
Ele também censurou os religiosos que apoiaram a proposta da oposição de reduzir seu mandato, quando atuaram como mediadores de um diálogo que buscava uma solução para a crise.
No discurso de setembro de 2022, Ortega voltou a criticar a postura da Igreja Católica:
“Um golpe de Estado! Uma instituição como a Igreja Católica utilizando dos seus bispos aqui na Nicarágua para encenar um golpe de Estado. Desde quando bispos e padres têm poder para impulsionar um golpe de Estado?”
A tensão entre a Igreja Católica e Daniel Ortega se agravou em agosto de 2022. No dia 04 de agosto, a polícia cercou a casa episcopal e deixou incomunicáveis os bispos, padres e seminaristas que residiam no local.
Na madrugada do dia 19, às 3 horas da manhã, a polícia invadiu a residência de dom Rolando Álvarez e o prendeu junto dos demais presentes.
A Polícia Nacional da Nicarágua disse que a prisão do bispo de Matagalpa foi feita para "recuperar a normalidade da Cidadania e Famílias de Matagalpa".
Em comunicado, a força de segurança justificou a invasão porque o bispo teria continuado com "atividades desestabilizadoras e provocativas".
Segundo o comunicado, os prisioneiros "foram transferidos, com respeito e observância de seus direitos, para a cidade de Manágua para investigações legais”.
"O Senhor Bispo se mantém em proteção domiciliar nesta capital e pôde se encontrar com seus familiares esta manhã"
A advogada nicaraguense Martha Patricia Molina Montenegro, membro do Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção, disse à “ACI Prensa" que o governo de Daniel Ortega e Rosario Murillo "é capaz de tudo" e "sempre gerará o máximo de dano possível”.
Montenegro destacou a arbitrariedade da invasão da Polícia Nacional à casa episcopal de Matagalpa, que viola a Constituição e o Código Processual Penal, que estabelecem limitações à prisão domiciliar e à invasão domiciliar, que só pode ser feita “entre as seis da manhã e às seis da tarde”.
Montenegro disse que Álvarez e os padres, seminaristas e leigos que estavam cercados pela polícia desde 4 de agosto “passaram 15 dias sequestrados, não detidos”.
"A polícia está agindo como um grupo criminoso que não se submete ao estado de direito e mais uma vez deixa claro que a Nicarágua é uma ditadura onde eles agem de acordo com o capricho e o estado de espírito do presidente Daniel Ortega e sua consorte", disse Montenegro.
Montenegro disse à ACI Prensa que "a ditadura de Ortega-Murillo procede de forma arbitrária porque sabe que se usar os canais legais não teria qualquer base legal, porque todos os crimes que são atribuídos a cidadãos inocentes são falsos".
"O 'sistema de justiça' na Nicarágua é uma fábrica de invenções e falsidades para causar o maior dano possível", disse, acrescentando que "Ortega e Murillo estão no poder não pelo apoio do povo, mas porque têm à sua mercê a Polícia Nacional e o Exército Nacional, que já demonstraram que estão dispostos a matar em nome do casal presidencial”.
Montenegro é autora de um relatório que informa sobre os mais de 190 ataques que a Igreja Católica sofreu desde 2018 sob o comando do presidente. Ela também destacou que "Ortega não teme ninguém".
A relação entre o governo e a hierarquia católica no país encontra-se em um ponto difícil. "Ortega atingiu a Conferência Episcopal da Nicarágua em seus dois principais nomes: o bispo estrategista, Dom Báez, foi exilado. E o bispo que organiza, Álvarez, está na prisão", disse o sociólogo e analista político nicaraguense Oscar René Vargas à BBC.
Até o final de 2022, a Igreja Católica já recebeu quase 200 ataques da ditadura de Daniel Ortega, segundo um relatório da ONG Observatorio Pro Transparencia y Anticorrupción.
O cientista político Manuel Orozco, diretor do programa Migração, Remessas e Desenvolvimento do Diálogo Interamericano, acredita que Ortega "sempre foi um indivíduo anticlerical, como ficou demonstrado em sua perseguição à Igreja Católica nos anos 1980 durante a revolução sandinista".
"Como qualquer líder autocrático, tudo que vai contra o culto de sua pessoa é uma ameaça. E a fé religiosa na Nicarágua prevalece sobre qualquer outro tipo de culto."
Forte repressão militar, violação de direitos básicos, perseguição e censura de opositores, relativização dos direitos e da liberdade dos cidadãos, estas são algumas das acusações que o governo da Nicarágua enfrenta.
O atual líder do país assumiu o comando do governo pela primeira vez em julho de 1979, mandato que durou até 1985. Ortega foi reeleito em 2007 e desde então está à frente do país. O ex-líder guerrilheiro já soma 29 anos no poder na Nicarágua.
Com cada vez mais poder em mãos, prendeu e exilou jornalistas, políticos, estudantes e muitas pessoas que se opuseram ao seu regime.
Grandes empresas de comunicação estão sendo fechadas, prejudicadas economicamente ou estão fugindo do país temendo a repressão do governo.
Só em 2022, mais de 50 meios de comunicação foram fechados, como o La Prensa, o jornal mais antigo e influente do país e diversas rádios católicas, incluindo o sinal cortado do canal da CNN em Espanhol.
Outro exemplo são as 18 missionárias da caridade da ordem religiosa de Madre Teresa de Calcutá que foram expulsas do país, sendo escoltadas pela polícia e tendo de deixar o país a pé.
Em 2021, ano de eleição, candidatos com potencial de enfrentar Ortega foram presos ou forçados a sair do país.
Dia 08 de fevereiro, às 20h, estreia NICARÁGUA: Liberdade Exilada. Uma investigação inédita que explica como foi o processo de tomada do poder na Nicarágua. Toque no link e saiba como garantir seu acesso.
Cupom aplicado 37% OFF
Cupom aplicado 62% OFF
MAIOR DESCONTO
Cupom aplicado 54% OFF
Assine e tenha 12 meses de acesso a todo o catálogo e aos próximos lançamentos da BP