Em escolas públicas, o desempenho dos alunos brasileiros regride entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental (EF). A análise é baseada nos dados das provas de português e matemática do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
O cenário é alarmante:
Os dados são similares aos cenários de 2019 e 2017, antes da pandemia.
A queda de desempenho ao passar do 5º para o 6º ano, com uma curva descendente até o 9º ano, desmotiva os alunos e acaba se transformando em uma das principais causas para a evasão escolar e o alto índice de reprovação no ensino médio.
O censo escolar de 2022 apontou que o primeiro ano do ensino médio é a série que possui a maior taxa de:
O QEdu fez um levantamento dos resultados do Saeb a partir de critérios disponibilizados pelo Inep (órgão do Ministério da Educação) e chegou às seguintes conclusões:
No básico, os estudantes precisam de atividades de reforço, no insuficiente necessitam ser expostos novamente aos conteúdos ensinados.
Estando abaixo do mínimo exigido em português, os alunos não conseguiam realizar uma série de operações simples de interpretação e redação de textos, como localizar informações explícitas em artigos de opinião ou identificar finalidade de contos e fábulas.
Em matemática, os estudantes não eram capazes de converter unidades de medidas de comprimento de metros para centímetros ou reconhecer que os ângulos não se alteram em figuras obtidas por ampliação ou redução.
As escolas particulares, em nível menor, também registram essa queda de desempenho ao final do 9º ano.
Em 2019, enquanto 74% dos alunos do 5º ano apresentavam aprendizado adequado em matemática, só 56% dos seus colegas do 9º ano atingiram o mesmo nível. Em português, esses números corresponderam a 82% e 70%, respectivamente.
Em 2021, os resultados foram piores:
A prova do Saeb de 2021 foi realizada após a pandemia, período em que as escolas públicas permaneceram fechadas ou com ensino a distância.
Essas circunstâncias influenciaram os resultados que apresentaram números mais baixos que os dos anos anteriores.
Não foi a pandemia que criou a discrepância entre a aprendizagem adequada no 5º e no 9º ano, ela apenas acentuou uma tendência de queda da aprendizagem entre esses períodos. É o que aponta o gráfico abaixo com os resultados da Saeb de 2017, 2019 e 2021:
O QEdu é um projeto da Meritt, empresa que oferece serviços de plataformas educacionais, e da Fundação Lemann. Os critérios estabelecidos pela plataforma foram criados pelo professor José Francisco Soares, e adotados pelo Inep na época em que ele presidiu o instituto.
“A conclusão dos dados é que o ensino fundamental 2 é um buraco negro que ninguém está cuidando muito bem”, pontua João Batista Oliveira, PhD em educação pela Florida State University. O especialista acredita que o baixo desempenho no ensino médio e a evasão escolar são frutos dos problemas do 6º ao 9º ano.
O doutor em educação pela USP Ocimar Alavarse afirma que, apesar de todas as etapas da educação básica demandarem melhorias, o ensino fundamental 2 é a fase que necessita de atenção prioritária.
Os dados atuais apresentados explicam a visão de Alavarse, além do fato de ser uma fase estratégica para a trajetória acadêmica do aluno.
Para ele, apesar de ser possível verificar um crescimento nas notas dos alunos de escolas públicas no 9º ano nos últimos anos, esse avanço é lento e longe de ser o ideal.
Alavarse explica que um dos principais motivos pelos quais os alunos têm dificuldades para aprender nos anos finais no ensino fundamental é o conjunto de deficiências acumuladas na capacidade de ler e interpretar textos.
Alguns obstáculos para aprender química, física e matemática, muitas vezes são apenas reflexos de deficiências na habilidade de leitura.
“Os alunos acabam sendo expostos a textos, então eles têm que desenvolver essa capacidade, se há deficiências”, diz. Para o professor, se fossem realizadas atividades específicas para melhorar a capacidade de leitura, os resultados seriam melhores.
Segundo o professor Alavarse, os docentes não são preparados na graduação para lidar com as lacunas dos alunos.
O especialista acredita que um primeiro caminho para melhorar o ensino nos anos finais seria apostar na formação dos professores de todas as disciplinas do fundamental 2 para que sejam capazes de ir ao encontro dessas deficiências, com estratégias eficazes.
“É outro desvio achar que o problema de leitura dos anos finais resolve-se com o professor de língua portuguesa. É uma tarefa para todos os professores dessa etapa”, reitera.
João Batista Oliveira explica que, no ensino fundamental 2, a escola é capaz de recuperar o desempenho perdido nos primeiros anos. “As melhoras havidas nas séries finais, que são poucas, não têm correlação com o nível que os alunos chegam ao 6º ano. O que significa isto? Que não é caso perdido. Ou seja, independentemente de como os alunos chegam, há lugares que conseguem melhorar o nível [de aprendizado]”, explica.
A responsabilidade pelo ensino fundamental 2 é compartilhada por estados e municípios e, para João Batista, nenhuma das esferas tem procurado soluções para a etapa.
Ou seja, se há uma comprovada capacidade da gestão educacional para melhorar os resultados de aprendizagem, por outro lado há uma negligência neste cuidado.
O especialista reforça que, como consequência, os alunos terão uma tendência maior à evasão escolar ou chegarão mais despreparados para o ensino médio.
Alavarse segue na mesma linha. “Quando os alunos terminam os anos finais e vão para o ensino médio, se estabelece, então, um verdadeiro desastre. Porque estão em uma capacidade muito abaixo daquilo que é necessário para aprofundar alguns estudos no ensino médio”, comenta.
Dados divulgados pelo MEC em 2019 apontam que:
Depois do primeiro ano do ensino médio, as séries que mais possuem evasão escolar são o 2º ano do ensino médio e o 9º ano do ensino fundamental.
Para entendermos o motivo de chegarmos às últimas posições em todos os rankings educacionais internacionais e termos desempenhos tão negativos nas avaliações nacionais, é necessário darmos um passo para trás.
Nesta jornada pela educação, trazemos conceitos, análises e denúncias sobre as diferentes ideologias e personagens que pensaram o sistema de ensino brasileiro.
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