A Idade Média é um dos períodos mais longos da história e, também, um dos mais interpretados a partir de estereótipos modernos.
Marcada por eventos como a Magna Carta, a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos, essa era histórica também foi cenário para o surgimento de universidades, sistemas legais e invenções como os primeiros óculos.
O termo “idade das trevas” foi cunhado por humanistas do século XVII, refletindo uma visão crítica que perdura até hoje. Segundo o professor Rafael Nogueira, essa leitura nasce de uma perspectiva limitada:
“Os modernos tinham uma visão preconceituosa do período. Quando você interpreta o seu tempo como o centro de todos os tempos, cria-se a percepção de que tudo de importante está acontecendo naquele momento”.
Para ampliar o entendimento sobre esse período, o historiador John H. Arnold, professor de história medieval em Birkbeck, Universidade de Londres, reuniu 10 fatos sobre a Idade Média que ajudam a revisar concepções comuns e a observar o período sob uma nova perspectiva histórica.
De acordo com o Professor Arnold, A tradicional divisão entre "os que oram, os que lutam e os que trabalham", clero, nobreza e camponeses se tornou insuficiente para descrever a realidade a partir do século XII.
Com o crescimento das cidades europeias, como Paris e Londres, que multiplicaram suas populações por dez, surgiu uma vida urbana pulsante com ocupações diversas: artesãos, comerciantes, pintores, açougueiros, arquitetos e até artistas de rua.
O autor ainda afirma que, no campo, a ideia de que todos eram servos presos à terra também não condiz com a realidade. Muitos camponeses eram livres, possuíam terras e negociavam como qualquer outro cidadão.
Mesmo entre os considerados "não livres", era comum o comércio de propriedades e bens. A estrutura social, portanto, era mais dinâmica e variada do que geralmente se supõe.
Embora não existisse um sistema de voto nacional, como os modernos, eleições locais ocorriam com frequência em diversas cidades medievais.
Na França e no norte da Itália dos séculos XII e XIII, muitos homens livres tinham o direito de votar em representantes municipais como cônsules e conselheiros.
As comunas, formas autônomas de governo urbano, refletiam um espírito de participação cívica raro para a época.
Mulheres geralmente eram excluídas desses processos, mas não eram totalmente invisíveis: algumas cidades mencionavam mulheres em suas cartas de liberdades.
Essas estruturas políticas locais mostram que o envolvimento popular na administração pública tem raízes mais antigas do que se imagina.
Na série Brasil – Última Cruzada, o professor Rafael Nogueira afirmou que as primeiras eleições nas Américas ocorreram na vila de São Vicente. Essa prática refletia o modo português de administrar suas colônias.
"O modo de organização medieval de Portugal é diferente do modelo feudal que geralmente aprendemos na escola, mais característico da França. Em Portugal, predominava uma estrutura baseada em vilas, muitas vezes com eleições locais. O poder central interferia muito pouco — as decisões importantes eram tomadas localmente pelas próprias comunidades."
Segundo o Professor John Arnold, ao contrário do que muitos pensam, as grandes perseguições às bruxas ocorreram na modernidade, não na Idade Média.
Os séculos XVI e XVII foram o auge desses julgamentos, motivados por autoridades civis. No período medieval, a maioria dos teólogos via a bruxaria como superstição inofensiva.
Quando o inquisidor Heinrich Kramer publicou o Malleus Maleficarum no final do século XV, a obra foi inicialmente rejeitada pela Igreja.
Mesmo nos primeiros anos do século XVI, inquisidores eram aconselhados a não dar crédito às teses do livro. A imagem da Inquisição como responsável direta pela caça às bruxas é, portanto, uma generalização incorreta.
Muito antes de Leonardo da Vinci e Michelangelo, intelectuais medievais já haviam redescoberto os clássicos. O chamado Renascimento do século XII foi impulsionado pela tradução de textos gregos e árabes, especialmente os de Aristóteles.
John afirma que ssa redescoberta gerou um novo impulso ao pensamento filosófico e científico. Roger Bacon, por exemplo, defendia que se devia observar e experimentar o mundo físico para compreendê-lo, antecipando métodos da ciência moderna.
A Idade Média, longe de ser um tempo de ignorância, preparou o terreno para as grandes revoluções intelectuais posteriores.
De acordo com o professor Arnold, apesar da imagem de isolamento, muitos medievais viajavam. Peregrinações a lugares sagrados, como Jerusalém ou Santiago de Compostela, envolviam longas jornadas.
Comerciantes cruzavam fronteiras e mares, levando seda da China, especiarias da Ásia e âmbar do Báltico até os centros urbanos da Europa.
O frade Guilherme de Rubruck, por exemplo, registrou uma viagem de três anos pelas estepes da Ásia, alcançando regiões hoje pertencentes à Rússia e à Ucrânia.
A movimentação de pessoas e bens mostra que a Idade Média foi mais interconectada do que sugerem os estereótipos.
O estudioso também afirma que muitos costumes populares de origem pagã coexistiam com o cristianismo medieval. Em diversas regiões da Europa, festivais locais celebravam o solstício de verão com barris em chamas rolando morro abaixo.
Casamentos eram marcados por tradições como jogar trigo sobre os noivos, símbolo de fertilidade e prosperidade.
Eventos conhecidos como help ale combinavam festa e caridade: cerveja era preparada coletivamente e os lucros iam para ajudar alguém da comunidade.
Essas práticas mostram que a religiosidade medieval era vivida junto a elementos culturais e festivos profundamente enraizados.
Um dos pontos tratado por John Arnold é que na maior parte da Idade Média, casar na igreja não era um costume obrigatório. Casamentos podiam ocorrer em locais públicos, como os portões do cemitério, e bastava que os noivos declarassem livremente seu consentimento, preferencialmente diante de testemunhas.
Embora a Igreja promovesse o matrimônio na igreja, a legalidade do casamento residia no consentimento mútuo dos cônjuges.
Era uma união reconhecida socialmente, mesmo sem a presença de um padre ou liturgia formal.
Escrever era uma tarefa especializada. Muitos intelectuais, como teólogos e filósofos, ditavam seus textos a escribas.
De acordo com o professor, o ato físico de escrever era considerado trabalho técnico, muitas vezes atribuído a monges copistas ou profissionais contratados.
Esse sistema não impediu a produção intelectual.
Pelo contrário: isso permitia que grandes pensadores se concentrassem no conteúdo, delegando a transcrição aos especialistas.
A tradição cristã relata que São Tomás de Aquino ditava mais de uma obra ao mesmo tempo para que seus companheiros as transcrevessem.
Embora a fé permeasse a cultura medieval, o professor afirma que nem todos os indivíduos eram devotos fervorosos.
Registros indicam que muitos não frequentavam missas dominicais e preferiam dedicar o tempo livre a jogos e festas nas ruas.
Algumas crenças céticas também circularam entre o povo, como a ideia de que a alma morria junto com o corpo ou de que milagres dos santos não passavam de invenções.
De acordo com John Arnold, o mito de que os medievais acreditavam numa Terra plana é uma invenção posterior.
Desde a Antiguidade, a esfericidade da Terra era ensinada nas escolas e universidades medievais, com base em autores como Aristóteles e Ptolomeu.
A cosmologia medieval reconhecia a Terra como esférica e, em muitos casos, calculava sua circunferência com notável precisão.
O tema seria amplamente discutido mais tarde por Galileu Galilei. Leia este artigo e conheça sua vida e obra.
Esses pontos mostram como a Idade Média foi um período complexo, cheio de nuances e avanços inesperados
Ao investigar esse tempo, abandonamos clichês e descobrimos uma era rica em dinamismo social, intelectual e cultural.
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