A Polícia Federal enviou ao STF, ontem (05/07), os documentos do inquérito das joias sauditas. A investigação inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 11 acusados pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa e peculato. A acusação se refere à suposta venda ilegal das joias enviadas à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, como um presente do governo da Arábia Saudita em outubro de 2021.
O inquérito foi iniciado em março de 2023 a partir de uma denúncia realizada pelo jornal O Estado de São Paulo, que revelou que uma comitiva presidencial tinha se esforçado para trazer joias ao Brasil sem declarar à Receita Federal.
O kit de joias era um um presente do ditador da Arábia Saudita à então primeira-dama,e foi avaliado em R$5,1 milhões. O anel, colar e relógio estavam com um assessor do ministro de Minas e Energia da época, Bento Albuquerque, e foram retidos pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos (S.P).
Joias enviadas à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, como presente do ditador saudita Mohammed Bin Salman. Imagem: Reprodução Redes Sociais/O Estado de Minas.
O motivo da apreensão do pacote foi que no Brasil é obrigatório que ítens de valor superior a US$1 mil sejam declarados.
A Operação Lucas 12:2, conduzida pela PF, apurou que os assessores do ministro Albuquerque teriam tentado também transportar as joias para o Brasil sem declarar que se tratava de um presente para Michelle Bolsonaro.
A legislação determina que tais objetos não podem ser incorporados ao patrimônio pessoal do Presidente da República, pois são pertencentes ao acervo da União. A exceção são ítens considerados “personalíssimos”, como perfumes, canetas e roupas.
O ministro também teria retornado à alfândega e tentado utilizar sua influência política para liberar as peças. Diante do insucesso de Bento Albuquerque, o próprio Bolsonaro teria realizado oito tentativas de liberar os pacotes, utilizando sua influência como presidente da República.
Quatro dias depois, no dia 07/03, foi divulgado o recebimento ilegal de outro pacote de joias. Um kit contendo um par de abotoaduras, uma canela rosa gold, um anel e um masbaha (espécie de rosário islâmico rose gold), também teria sido entregue a Bolsonaro. Todos os objetos eram da marca Chopard, entre as mais caras do mundo.
Kit de joias oferecido a Bolsonaro. Imagem: Reprodução do Instagram
As investigações da PF focaram nos dois relógios (o rolex de ouro branco, cravejado de diamantes que constava no estojo saudita e um Patek Phlippe), em duas esculturas folheadas a ouro e no próprio kit de joias enviadas à primeira-dama). O inquérito questiona se essas peças também teriam sido incorporadas ao patrimônio pessoal de Bolsonaro.
De acordo com os relatórios da “Lucas 12:2” as joias Chopard (anel, abotoaduras e rosário islâmico) teriam vendidas em Miami junto com um relógio Rolex. Também teriam sido negociadas duas esculturas douradas e o relógio Patek Philippe. Em um segundo momento, esses objetos teriam sido comprados novamente por Frederik Wassef, advogado de Bolsonaro, e Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens do ex-mandatário brasileiro.
Os investigadores estariam analisando outras possíveis tentativas de negociação de outros objetos.
O relatório aponta ainda que o ex-presidente teria levado as esculturas folheadas a ouro para os Estados Unidos quando viajou, em 30 de dezembro de 2022. Os objetos teriam sido enviados a lojas especializadas no estado da Flórida para avaliação “alienção, por meio de leilões ou vendas diretas”.
A PF teria indícios de que os montantes obtidos com as vendas foram convertidos em dinheiro e acrescentados ao patrimônio pessoal do ex-presidente.
Esses valores não teriam passado pelo sistema bancário formal, com o objetivo de esconder propriedade e origem dos valores.
Os investigadores teriam interceptado mensagens de áudio trocadas entre o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, e o tenente-coronel Mauro Cid, em que o último revela que estava com uma grande quantia pertencente ao ex-mandatário:
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente. (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”,
As investigações se dedicaram a desvendar um suposto esquema de desvio que não inclui apenas o kit de joias Chopard, dos relógios e das esculturas, mas também outros presentes de alto valor enviado para os Estados Unidos, onde teriam sido avaliados e vendidos em lojas especializadas na Flórida, Nova Iorque e Pensilvânia.
Nos documentos da PF, também consta que o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência teria sido utilizado para desviar presentes de alto valor para o acervo privado de Bolsonaro. Tal prática seria ilegal, por contrariar os princípios da admininstração pública.
Os relatórios também revelam que o ex-presidente se negou a se apropriar de duas esculturas porque não tinham alto valor de mercado:
“Não. Ele [Bolsonaro] não pegou porque não valia nada. Então tem aqueles dois maiores: não valem nada. É, é... não é nem banhado, é latão. Então meu pai vai levar pro Brasil na mudança”, teria afirmado Mauro Cid.
Também existiriam indícios de que Mauro Cid e Frederick Wassef tinham ido aos Estados Unidos, em março de 2023, tentar recomprar o Rolex e o kit Chopard. Cid teria readquirido o anel, as abotoaduras e o rosário islâmico em uma loja localizada em Miami, no estado da Flórida.
Frederick Wassef teria retornado para o Brasil com o Rolex no dia 29/032023. O advogado teria comprado o bojeto da empresa americana Precision Watches no dia 14 de março de 2023.”
Outras 11 pessoas foram indiciadas além do ex-presidente, incluindo o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten.
Michelle Bolsonaro não foi alvo de acusação formal. A PF considerou que não conseguiu comprovar que ela tinha conhecimento sobre o envio das joias, avaliadas em cerca de R$560 mil.
Os três crimes pelos quais o ex-presidente é acusado constam no Código Penal e podem tonrá-lo réu por:
É o mais grave dos crimes pelos quais Bolsonaro é acusado. Ocorre quando três ou mais pessoas se reúnem com a finalidade de cometer um ou alguns atos ilícitos.
Está previsto no artigo 288 A do Código Penal.
A pena para quem for condenado por associação criminosa é de 5 (cinco) a 10 (dez) anos de reclusão e também ser obrigado a pagar multa.
Essa estratégia é usada para aparentar que dinheiro de origem ilícita é “transformado em dinheiro de origem lícita”. Por exemplo, quando uma obra de arte é vendida por um valor X, mas declarada por um valor Y, bem diferente, para transmitir a impressão de que um montante muito maior foi envolvido na transação. Se esse valor foi obtido a partir de atividade ilegal, o que se configura é lavagem de dinheiro.
O crime pode resultar em prisão pelo período entre três e 10 anos e pagamento de multa.
O peculato ocorre quando um funcionário público utiliza seu cargo para se apropriar ou desviar determinado bem em benefício próprio ou de alguma outra pessoa. Por exemplo, um senador da República que se apossa de um carro que pertecente ao governo para uso pessoal.
O crime consta no artigo 312 do Código Penal e estabelece reclusão entre dois e 12 anos para quem o cometer.
O relatório do inquérito foi encaminhado ontem (sexta-feira, dia 05/07) para o Supremo Tribnal Federal. Lá, o ministro relator, Alexandre de Moraes, irá encaminhá-lo à Procuradoria-Geral da República. Se o PGR, Paulo Gonet aceitar a denúncia, Bolsonaro passará à condição de réu. Isso significa que deve ser condenado a uma pena mais branda.
Os crimes de associação criminosa, lavagem e formação de quadrilha teriam agravante pelo fato de se tratar de funcionário público.
Caso seja condenado no caso das joias, o ex-presidente pode tornará inelegível por um período ainda maior do que o estabelecido pelo TSE no primeiro julgamento. A “Lei das Inelegibilidades, Lei Complementar 64/1990, determina que candidatos com decisão transitada em julgado fica inelegível. Entre os crimes previstos constam os três pelos quais o atual presidente foi indiciado.
A Lei estabelece que a regra vale “desde a condenação até o transcurso de prazo de oito anos após o cumprimento da pena”.
O presidente já está inelegível pelo período de oito anos. Em julho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral o condenou por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante sua campanha de 2022.
Este indiciamento pode resultar em uma nova ação e, se for condenado, Bolsonaro poderá ficar inelegível por um tempo ainda maior. Todas as sanções penais que constam na Lei, poderão ser aplicadas.
Ao longo de todo o período de investigação, Bolsonaro e seus assessores têm negado qualquer ilicitude em relação ao recebimento das jóias.
A defesa do ex-presidente enfatizou, em 2023, após a operação da PF, que “ele nunca se apropriou ou desviou bens públicos.” Ressaltaram também que ele voluntariamente ofereceu os dados de suas movimentações bancárias à investigação. O ex-presidente também solicitou ao TCU, de forma também voluntária, que depositasse os presentes recebidos.
O advogado e professor de direito, Tiago Pavinato publicou um vídeo em seu canal do Youtube no qual aponta que o inquérito é inconstitucional:
“Não pode haver inquérito, se não existe indício de crime”, afirma em vídeo o Youtube.
O professor de Direito explica que existem quatro tipos de pessoas que são remuneradas com recurso público: o primeiro grupo é dos agentes políticos, o segundo dos agentes públicos, o terceiro é o dos servidores públicos e o quarto dos empregados públicos. Presidentes, deputados, senadores, prefeitos e vereadores fazem parte do grupo dos agentes políticos e não são servidores públicos com definição legal:
“O servidor público não pode receber presente algum. Viagem, agradinho, nada. A Lei proíbe, é um ilícito administrativo e ele pode perder o cargo”. Só que o presidente da República não é servidor público, é agente político, afirma.
Pavinato explica que os detentores de cargos eletivos polícos, eleitos por mandatos transitórios, como deputados, senadores e o próprio presidente se enquadram nessa categoria. Os servidores públicos, por sua vez, são os concursados com estabilidade ou os indicados, com estabilidade ou não.
O professor esclarece que a primeira Lei que versa sobre o assunto é 8.394/1991, que afirma que os presentes eventualmente recebidos por um presidente são privados, não públicos. E que um decreto emitido em 2002 define que alguns presentes são de interesse público, e não se tornam bem públicos O decreto n. 4.444/2002 estabelece que são de interesse público bens de natureza arquivística, bibliográfica e museológica. Os supostos presentes enviados por Bolsonaro não se enquadram nessa categoria.
“O Decreto fala de interesse público, não de bens públicos, ou seja a União tem preferência na compra. Portanto, não existe Lei no Brasil que proíba um presidente de receber presentes. E como não há Lei, não há crime”, afirma.
O decreto 4.344/2002, mencionado pelo professor Pavinato, fundamentou a norma do Tribunal de Contas da União, pela qual presidentes só podem manter presentes personalíssimos.
O presidente do TCU Bruno Dantas afirmou em um programa de televisão em abril de 2023 que: "o presente tem de ser personalíssimo e de baixo valor, aí ele pode ir para o acervo pessoal do presidente".
A criminalista Mariana Cuzzuol Ribeiro concorda com Pavinato:
“Não existe qualquer legislação que regulamente o recebimento de presentes por presidentes da República. O que existe é uma portaria do Tribunal de Contas da União, só que o TCU não tem competência para legislar”, afirma a advogada.
O presidente do TCU afirmou na mesma ocasião que o TCU não julga crimes, mas estabelece uma relação com peculato:
"O TCU não julga crimes, mas, como estudioso do direito, sei o que está previsto no Código Penal sobre peculato. Isso vai depender do curso das investigações. Tem um inquérito na Polícia Federal, o Ministério Público está acompanhando também, e a depender do que for encontrado nessas investigações, em tese, poderia ser falado da prática de crime de peculato", afirmou.
Cuzzuol Ribeiro enfatiza que não há embasamento legal para que o inquérito seja levado adiante.
“A Lei 8.394/1991 não veda o recebimento de presentes e o decreto 4.344/2002 também é omisso em relação à questão. Acredito que a PGR irá arquivar o inquérito”, ressalta.
Em entrevista concedida na Câmara dos Deputados, em 24 de abril de 2023, a primeira-dama afirmou que não tinha conhecimento sobre as joias a ela endereçadas.
Em seu perfil do Instagram, a primeira-dama declarou:
“Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo! Estou rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória”, afirmou.
Em entrevista realizada na Câmara dos Deputados em 2023, a ex-primeira-dama declarou ainda que algumas foram recebidas no palácio do Alvorada, mas que não as joias sauditas que ele recebeu:
“Essas joias recebidas no Alvorada eram masculinas. Estão associando ao primeiro caso, quando eu falei que não sabia e não sei mesmo. Tanto que as primeiras caixas estão apreendidas na Receita Federal e essas do Alvorada estão na Caixa Econômica Federal”.
A defesa de Mauro Cid afirma que o ex-ajudante de ordens não se beneficiou pessoalmente do esquema.
“A única confissão que ele faz é que não se beneficiou pessoalmente do esquema”, afirmou Cezar Roberto Bittencourt, responsável pela defesa do tenente Coronel.
A defesa de Frederik Wassef enfatiza que ele realizou compras com recursos particulares e com o objetivo de devolvê-los à União. “O governo brasileiro me deve R$300 mil”, afirma o advogado, mostrando um recibo de compra de US$49 mil. Wassef diz que não recebeu nenhum pedido do ex-presidente nem de Mauro Cid para recomprar as joias.
O deputado Flávio Bolsonaro afirmou que seu pai está sendo vítima de uma campanha de perseguição. Eduardo Bolsonaro já afirmou que se seu pai for preso, será considerado um “mártir da direita brasileira”.
Nesta quinta-feira (05/07), o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro criticou o indiciamento:
“Lula não foi indiciado por peculato por se apropriar de presentes que recebeu na Presidência. Mesmo durante a Lava Jato tudo foi tratado como uma infração administrativa dada a ambiguidade da lei. Os crimes foram outros. Há uma notável diferença de tratamento entre situações similares”, afirmou o senador no X (ex-Twitter).
O relatório da Polícia Federal será enviado ao ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, que supervisiona a investigação. Ele irá encaminhar o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR), que pode propor mais apurações, apresentar uma denúncia formal à Justiça ou optar por arquivá-lo. Se apresentada uma denúncia, Bolsonaro se tornará réu e passará a responder a ações penais na Corte.
Os processos seguem para a instrução, onde serão colhidas provas, como depoimentos e interrogatórios.
Depois disso, o caso será julgado, e os ministros definirão se os envolvidos devem ser condenados ou absolvidos. Se condenado, os ministros decidirão a pena a ser aplicada ao presidente.
Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro segue sem ser réu em relação às apurações feitas pela PF.
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