Dom Pedro II, o último imperador do Brasil, deixou um registro extraordinário de sua vida em diários que cobrem décadas, desde a adolescência no trono até os últimos dias no exílio.
Trechos de 1840-1841, 1859 e 1891, preservados e publicados pelo Museu Imperial em Petrópolis, mostram um governante pressionado pelo dever e preocupado com o intelecto.
Desde cedo, os diários de Dom Pedro II destacam as obrigações constantes de seu papel. Em 2 de dezembro de 1840, seu 15º aniversário e o início de seu governo pessoal, ele escreve:
“Às cinco da manhã, os tiros já ribombavam pelos montes de São Cristóvão, e as bandeiras hasteadas tremulavam no céu azul; eram estes os indícios do dia do meu nascimento, um dia memorável na história do Brasil.”
O relato descreve uma agenda cheia — missa, cortejo, cerimônia de beija-mão —, interrompida por uma queixa sincera:
“Coitados de meus ombros gemiam com o peso, tem 8 libras, afora as ordens, a espada e a banda.”
Essa visão de um jovem rei, sobrecarregado mas cumpridor do dever, define o tom de uma vida guiada por estrutura.
Essa disciplina reaparece em 1859, durante uma viagem à Bahia, onde ele anota suas atividades mesmo enfrentando enjoos:
“Felizmente só enjoei depois de ficar o meu vapor sozinho, pois o resto da esquadrilha não aparecia.”
Em 1891, já no exílio em Paris, o hábito persiste:
“7h30. Perto da janela. 9h30. Recebo enfim o Journal des Savants de outubro.”
A regularidade sugere que, para Dom Pedro II, a rotina era um suporte, tanto no comando de um império quanto na vida como cidadão comum.
A curiosidade intelectual é um traço marcante nessas páginas. Em 1840, ele registra: “Levantei-me às seis horas. Estudei e li,”.
Em 1859, a bordo de um vapor, ele faz anotações precisas:
“O ponto astronômico é do meio-dia... Tem-se parado diversas vezes para sondar por causa dos Abrolhos, com profundidades de 34, 28 e 31 braças.”
Seu interesse por ciência e geografia reflete um governante atento ao seu território.
No exílio, essa busca se intensifica. Em 12 de novembro de 1891, ele escreve:
“10h30. Sânscrito. Recomecei o meu trabalho dos Lusíadas, comparando traduções; breve acabarei a última francesa e começarei as italianas.”
Aos 65 anos, sem poder, ele se dedicava a línguas — hebraico, árabe, sânscrito — e revistas acadêmicas..
Os diários também funcionam como um relato de viagem, especialmente em 1859, durante uma visita ao nordeste brasileiro. Em Morro de São Paulo, ele observa:
“A ilha tem 300 e tantas famílias... nenhuma cultura a não serem poucos pés de laranjeira e bananeira e muitos coqueiros, abundando em formigas e cupim, e jararacas e jararacuçu.”
Ele critica as condições locais, como no Arsenal da Marinha:
“O inspetor queixou-se muito da falta de madeiras e da destruição das matas.”
Essas notas mostram um imperador prático, ciente das possibilidades e limitações de seu país.
Seu interesse pelas pessoas também é evidente. Em 1840, ele recompensa a lealdade:
“Pela fidelidade e amor com que me têm servido, nomeei Vahia conde com grandeza de Sarapuy e Brant de Iguaçu.”
Em 1891, já exilado, ele encontra Gama Costa, “que se distinguiu na Guerra do Paraguai, onde foi ferido,” mantendo um elo com o passado do Brasil.
As anotações de 1891, escritas em Paris dois anos após o golpe de 1889 que encerrou a monarquia, têm um tom mais contido.
A notícia de uma revolta no Rio, em 4 de novembro, gera uma reação moderada:
“9h30. Lia quando Mota Maia trouxe um telegrama sobre uma revolução no Rio e uma ditadura... Deus queira que não haja desordens.”
A demissão de Deodoro da Fonseca, em 24 de novembro — “10h15. O Deodoro demitia-se” —, reforça seu interesse pelos rumos da República que o depôs. Não há rancor explícito; ele se volta aos estudos e às conversas com amigos.
A saúde, cada vez mais frágil, também marca essas páginas:
“5h30. Não dormi muito. Tossi bastante e ainda tusso.” A presença de familiares, como a filha Isabel, e de visitantes brasileiros indica um esforço para manter laços com o passado. Aqui, o diário reflete sua resistência tranquila diante das adversidades.
Os diários de Dom Pedro II não são manifestos políticos nem crônicas dramáticas. São anotações pessoais que capturam um governante em ação e um homem em reflexão.
Do jovem rei de 15 anos, carregando o peso da coroa, ao exilado de 65 anos, mergulhado em traduções entre crises de saúde, ele se revela uma figura única: um monarca que equilibrava o poder com a busca por sentido.
Esse documento é precioso para interessados em estudar a História do Brasil. O século XIX foi o momento em que boa parte das instituições que hoje compõem o Estado Brasileiro surgiram.
Biblioteca Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Banco do Brasil e várias outras.
Para investigar a História do Brasil, a BP entrevistou grandes professores e especialistas no assunto. Essa investigação deu origem à série Brasil: a Última Cruzada.
Você pode assistir ao episódio 1 logo abaixo:
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