Ponha-se na Rua: a forma inusitada com a qual a Família Real conseguiu casas para a Corte em 1808

A chegada da família real ao Brasil

Depois de uma longa viagem, Dom João finalmente chegou ao Brasil. O dia era 22 de janeiro de 1808. Três séculos após Pedro Álvares Cabral, lá estava o príncipe regente chegando à Bahia.

A chegada do príncipe regente a Salvador mobilizou a cidade. O povo festejava e cortejava Dom João. Os políticos da cidade insistiam para que ele ficasse e, quem sabe, devolvesse à cidade o status de capital do Brasil. 

Mesmo com a falta de estrutura da colônia, o príncipe regente se alegrou com o acolhimento. Já neste momento, assinou as suas primeiras decisões, sendo a principal delas a abertura dos portos, que permitia ao Brasil negociar diretamente com outros países sem precisar da autorização de Portugal em cada transação. Além disso, estabelecia uma nova tarifa sobre produtos estrangeiros, privilegiando a aliada Inglaterra.

Dom João saiu de Salvador e foi se reunir com o resto da esquadra no destino final daquela viagem: o Rio de Janeiro. 

Rio de Janeiro: o novo centro do Império Português

No dia 07 de março de 1808, a Família Real desembarcou no porto da Guanabara, no Rio de Janeiro. Salvas de canhões, tiros e badaladas dos sinos das igrejas anunciavam a chegada. A elite política da cidade, com nomes como do Conde de Arcos, recepcionaram Dona Maria, Dom João e Carlota Joaquina. Como testemunha ocular do evento, estava o padre Perereca, que registrou a emoção do dia:

“Rio de Janeiro, Cidade a mais ditosa do Novo Mundo! Rio de Janeiro, ai tens a tua Augusta Rainha e o teu excelso Príncipe com a sua Real Família, as Primeiras Majestades que o Hemisfério Austral viu e conheceu. Estes são os teus soberanos e senhores, Descendentes e Herdeiros daqueles Grandes Reis que te descobriram, te povoaram, te engrandeceram ao ponto de serem de hoje em diante Princesa de América e Corte dos Senhores Reis de Portugal; enche-te de júbilo, salta de prazer, orna-te dos teus mais ricos vestidos. Sai ao encontro dos teus Soberanos e recolhe com todo o respeito, veneração e amor o Príncipe ditoso, que vem em nome do Senhor visitar o seu Povo.” (SANTOS, Luiz Gonçalves dos Santos, Memórias para servir à história do Brasil. Lisboa. Impressão Régia. T.1. 1825).

Onde vai morar tanta gente?

Junto à Família Real, estima-se que vieram cerca de dez mil pessoas. O Rio de Janeiro daquele tempo, que contava com cerca de 60 mil habitantes, não tinha estrutura para absorver um aumento populacional tão rápido, além do mais, as pessoas próximas à Corte portuguesa não aceitariam morar longe da região central. 

A historiadora Leila Mezan Algranti descreve, em seu livro “O feitor ausente: Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1821)”:

“Numa pequena área espremida entre a praia e a montanha, formada por escassas ruas paralelas e mais algumas transversais, rodeadas por matas e logradouros desertos, mais de dez mil pessoas foram alojadas às pressas, com a chegada da Família Real, transformando a pequena cidade dos vice-reis em capital do império português na América”. 

Para que todas essas pessoas tivessem onde morar, o Conde de Arcos instituiu uma política de aposentadorias, que consistia em requisitar casas de moradores locais para transferi-las à nobreza. 

Nas casas escolhidas, era pregada duas letras “PR”, sigla que significava Príncipe Regente. No entanto, a população logo interpretou como “Ponha-se na Rua” e criticou a decisão. Essa solução gerou problemas de todos os lados. A nobreza achava as casas ruins e sem estrutura, a população ficava indignada porque acabara de perder a sua moradia. 

Com o tempo, essas dificuldades impulsionaram reformas urbanas no Rio de Janeiro. A criação de novas freguesias, pavimentação de ruas e melhoramentos nos serviços essenciais como saneamento e iluminação transformaram a cidade. Entre 1808 e 1822, a área urbana se expandiu e o Rio se reinventou como capital do império português. 

No entanto, como destaca a antropóloga Lilia Schwarcz, apesar das transformações, muitos aspectos tradicionais se mantiveram, criando um ambiente onde coexistiam influências coloniais, africanas e orientais, refletindo a pluralidade cultural da região.

O crescimento populacional foi notável, passando de 60.000 habitantes em 1808 para cerca de 79.321 em 1821. A presença da Família Real teve um papel crucial nas mudanças socioeconômicas, com o Rio de Janeiro afirmando-se como principal centro econômico do país.

Essas transformações não trouxeram apenas benefícios. O aumento do preço para habitar o centro mais urbanizado, deslocou parte da população para a periferia da cidade, lugares em que os serviços do Estado mal chegavam. 

A urbanização trouxe as consequências sociais características dela. Reflexo que é sentido até os dias de hoje e agravados por outros acontecimentos históricos. 

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