Cenas de hostilidade em universidades se tornaram comuns nas páginas dos jornais. Em um caso recente, um professor alega ter sido afastado por não se alinhar às ideias progressistas.
A situação chegou a tal ponto que a Comissão de Educação da Câmara convocou uma audiência pública para tratar da violência por diversidade de pensamento nessas instituições.
O encontro aconteceu a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). A parlamentar é professora universitária de gestão e empreendedorismo. Na abertura dos trabalhos, ela expressou indignação com a situação:
“Parece que ninguém pode pensar diferente. Nosso país, que é tão grande, tem uma diversidade cultural e intelectual enorme. Ele não pode se sujeitar a uma ditadura, seja de esquerda, de direita ou de qualquer tipo de ditadura de pensamento”.
Para tentar entender melhor o que está acontecendo, a Brasil Paralelo coletou relatos de pessoas que vivenciam o cotidiano acadêmico superior do Brasil. Também analisou pesquisas relacionadas ao tema.
Sob condição de anonimato, um professor universitário aceitou conversar sobre o que vive em seu dia a dia. Ele teme represálias caso revele sua identidade.
Em entrevista ao documentário Unitopia, produzido pela Brasil Paralelo, afirma que as melhores universidades do mundo ruíram porque os seus acadêmicos abraçaram ideologias. Explica ainda que as instituições brasileiras se afastaram do propósito de resolver os problemas da população:
“As pessoas hoje preferem ler o que saiu no The Economist do que estudar, por exemplo, como resolver o problema dos engarrafamentos na cidade de São Paulo”.
Já Luana Maroja, professora de biologia no Williams College de Massachusetts, explica que a situação não acontece só no Brasil. No documentário, ela relata que onde leciona os problemas se iniciaram em 2016.
“Os alunos começaram a resistir a conceitos como a existência de sexo binário e heritabilidade, isto é, caracteristcas que passam de geração em geração”.
Tempos depois, a própria universidade propôs limitar o que poderia ser dito. Seus colegas de docência que se opuseram, foram hostilizados e sofreram represálias por parte da instituição.
Outra a citar as pressões que sofreu foi a Chefe do Departamento de Ciências Naturais da Universidade do Sul da Califórnia, Anna Krylov. Ela nasceu na Ucrânia durante a antiga União Soviética e estudou na Universidade de Moscou. Graduou-se em 1991, no mesmo ano em que ocorreu o antigo bloco comunista.
Cinco anos depois, migrou para os EUA, para cursar doutorado e se impressionou com a liberdade de expressão na universidade, algo que até então desconhecia:
“A universidade não tinha posições sobre questões políticas. Essa foi uma das diferenças que me marcou, comparado com a Rússia”.
Ela conta que em 2020 tudo mudou. Um dia ela abriu seu e-mail e viu uma correspondência da universidade. O texto dizia que a instituição era sistemicamente racista e que, a partir dali, o antirracismo seria a principal missão dos professores. Os docentes teriam que começar a ensinar química através do olhar da descolonização:
“Foi como um dèja vu para mim. De alguma forma, a ideologia ganhou controle sobre áreas técnicas de pesquisa científica de forma nunca vista antes nos EUA”.
Steven Pinker, psicólogo e professor de Harvard, é um reconhecido defensor da liberdade de expressão dentro do ambiente acadêmico. Em entrevista ao The Economist, sustenta que as ideologias progressistas estão sim influenciando as políticas da universidade:
“Os departamentos de iniciativas de inclusão, diversidade e equidade* ajudaram a encharcar os campi com ideologias ‘woke’, as quais retratam problemas complexos como coisas simplistas”.
Pinker contou que, entre 2014 e meados de 2023, pelo menos 1.000 professores sofreram retaliações por suas declarações. 20% deles acabaram desligados. Ele não especificou se essas falas foram proferidas dentro de sala de aula.
A preocupação vai além do tratamento dado aos professores. A predominância de uma visão de mundo entre os educadores também está chamando a atenção. Steven Pinker teme que isso influencie a dinâmica nas salas de aula. O alerta tem fundamento.
Uma pesquisa realizada pelo jornal estudantil de Harvard, uma das universidades mais prestigiadas do mundo, revela que entre os docentes:
Pinker acredita que, se a situação persistir, o pensamento conservador poderá ficar sub-representado na instituição. A longo prazo, essa falta de diversidade ideológica pode comprometer a qualidade dos profissionais que saem dessas escolas.
A predominância de ideias progressistas nas universidades também está sendo associada a casos de perseguição racial. No final de 2023, durante o recesso de fim de ano, a página Sidechat divulgou mensagens antissemitas enviadas aos estudantes, incluindo alegações de que judeus controlam a universidade.
Os autores seriam outros alunos e até mesmo funcionários das faculdades. A situação gerou temor entre os estudantes. O jornal estudantil da instituição relatou que alguns alunos estão evitando usar kipás* para não se tornarem alvos de agressões. A publicação cobra atitudes da instituição acerca do tema.
Em resposta, a administração anuniciou uma força-tarefa para combater o antissemitismo nos campi.
A situação em instituições brasileiras
O debate sobre a pluralidade de ideias no ambiente universitário não se limita aos Estados Unidos. Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) em 2021 investigou se a instituição estaria sendo dominada por ideias de esquerda.
O relatório confirma a predominância de estudantes desse viés ideológico na instituição. Contudo, os pesquisadores acreditam que isso não representaria uma hegemonia.
Argumentam que a tendência de estudantes mais progressistas se confirma quando se trata das áreas de Ciências Humanas e Artes, ao passo que nas engenharias as ideias moderadas ou de direita predominam. Isso equilibraria o ambiente.
No entanto, ao analisar a amostragem da pesquisa, constatamos que a maioria dos entrevistados eram alunos de faculdades de Ciências Humanas. Esse desequilíbrio pode afetar a validade do relatório.
Além disso, situações reais contradizem a conclusão dos pesquisadores de que não existe domínio de um pensamento nas instituições de ensino superior.
No início de 2024, estudantes da Universidade de São Paulo organizaram um acampamento para protestar contra o Estado de Israel. O objetivo era pressionar a universidade a cortar todas as suas relações com o país.
A manifestação foi liderada pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino e reuniu 40 barracas no campus. Durante um dos protestos, ouviram-se gritos de "Estado assassino".
Na ocasião, um estudante de origem judaica foi hostilizado por alunos.
Veja o vídeo:
Já entre professores, a intolerância a ideias fora do espectro progressista ganhou um novo capítulo essa semana. De acordo com uma reportagem da Folha, na última segunda-feira, 26 de agosto, um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi expulso de sala por alunos.
Eles alegavam que o docente emitia falas consideradas transfóbicas e capacitistas. Ricardo Cabral dá aulas no instituto de Filosofia e Ciências Sociais há mais de 20 anos. Ele foi afastado temporariamente.
Em nota enviada ao jornal, a UFRJ alegou que irá apurar a situação para entender o ocorrido e tomar as devidas providências. O comunicado reforça que o professor terá amplo direito de se defender das acusações.
Para o doutor em Antropologia, Flávio Gordon, não há como reverter a situação. Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, disse:
“O radicalismo político tomou conta das faculdades, e os raros estudos que ainda apresentam alguma consistência científica pecam pela hiper-especialização, o que, se é necessário e inevitável no terreno das ciências exatas e biomédicas, é fatal para as humanas”.
No dia 09 de maio de 2024, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados ouviu depoimentos de estudantes que foram agredidos por expressar seus pensamentos. Letícia Perfeito, ex-diretora nacional da União Juventude Liberdade, contou que sofreu agressão física por ser de direita. Durante o 59º Congresso da União Nacional de Estudantes, teria apanhado por manifestar posição política:
“Eles eram 10.000 esquerdistas, nós éramos 80. Nos dois primeiros dias, ocorreram debates ideológicos sobre diversos temas, como educação, saúde e diversidade. Isso aconteceu na Universidade de Brasília (UnB). Nós tentamos participar. Estávamos num corredor e nos encurralaram. Pensei: ‘Eles não vão bater em mulheres, né?’. Fui a primeira a apanhar”.
Letícia descreve a situação como “bizarra”. Conta que seu agressor tinha três vezes o seu tamanho.
“Apanhamos simplesmente porque pensávamos diferente e queríamos participar”
Assista ao debate completo:
Depois de analisar depoimentos e pesquisas, é possível concluir que a discussão plural de ideias nas universidades pode ser questionada. No entanto, as próprias instituições garantem estar tomando medidas para assegurar que continuem sendo espaços de discussão em benefício da sociedade.
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