Dr. Marcello Danucalov

Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.

OPINIÂO

Um encontro que mudou a minha vida

Minha admiração pelo professor Olavo não aconteceu de maneira imediata. No interior da minha pouco dilatada consciência, eu o chamava de reacionário; de louco; de esquisito, para logo em seguida, exausto e envergonhado, gritar alto para todo mundo ouvir: Olavo tem razão!

Dr. Marcello Danucalov

Recordo-me com muita clareza do primeiro dia que entrei em contato com os escritos do professor Olavo de Carvalho

O ano era 2008 e eu estava iniciando meu doutoramento no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, antiga Escola Paulista de Medicina. 

Nesta época eu estava com trinta e nove anos, acumulava uma graduação universitária, três pós-graduações lato sensu, um mestrado em farmacologia e, juntamente com o doutorado, cursava uma outra faculdade. 

Contabilizava também mais de dezoito anos de prática docente no campo acadêmico e já atuava há algum tempo como psicoterapeuta. 

Além disso, com o passar do tempo minha biblioteca particular adquirira um tamanho considerável e meu autodidatismo alimentava diariamente a crença que agora ouso confessar publicamente: Eu acreditava fazer parte de uma elite intelectual. 

Isso não significa que eu fosse um tipo soberbo, arrogante e altamente orgulhoso dos meus títulos, mas, admito que nunca tinha passado pela minha cabeça que com toda essa coleção de livros, de certificados e, como dizia Pierre Bourdieu, de troféus simbólicos, eu ainda não soubesse pensar. 

Foi este primeiro contato com o professor Olavo de Carvalho que me fez perceber, com um misto de perplexidade e pânico, algo para lá de óbvio: Eu era um completo abestalhado! Eu ainda não sabia o mínimo que eu precisava saber para não ser um idiota!

Também confesso que minha admiração pelo professor Olavo não aconteceu de maneira imediata. 

Como todo idiota que se preze, mesmo desprovido de instrumental intelectivo adequado, em várias ocasiões eu tentei debater sigilosamente com ele, pois algumas de suas ideias não eram tão facilmente digeridas por mim, e recorrentemente eu as ruminava por algum tempo, para depois, exausto, ter que absorvê-las com resignação e uma certa dose de embaraço. 

No interior da minha pouco dilatada consciência, eu o chamava de reacionário; de grosso; de louco; de esquisito, para logo em seguida, como um lutador de MMA sucumbindo à uma incessante saraivada de golpes e sendo vergonhosamente imobilizado, bater no chão em desespero para logo em seguida gritar alto para todo mundo ouvir: Olavo tem razão!

De lá para cá foram muitas lições aprendidas com este grande homem. Apesar de não ter tido o prazer de conhecê-lo pessoalmente, meu amor e minha admiração por ele são incomensuráveis. 

Sem cuspir nos pratos que outrora me alimentei, é necessário ser honesto: Quando contabilizo o que aprendi em toda a minha vida acadêmica; quando coloco lado a lado todos os meus certificados que outrora decoravam meu escritório; quando lembro de todos os pouquíssimos bons professores que passaram pela minha vida e colaboraram com a minha formação, percebo que a somatória de todas essas instruções não atinge os calcanhares daquelas que obtive tentando absorver algumas poucas gotas de sabedoria que pingavam em mim toda vez que eu me aproximava do oceano de conhecimento que jorrava do velho Olavo. 

Para se ter uma ideia da dimensão deste saber, creio que seriam necessárias aproximadamente umas quinhentas páginas para que eu pudesse versar sobre todos os assuntos apresentados pelo professor e que impactaram minha vida e minha carreira profissional. 

Porém, neste momento limitar-me-ei a somente um deles, a sua elegante proposta relacionada aos processos de amadurecimento da condição humana, mais conhecida como a teoria das doze camadas da personalidade.

Esta teoria é uma detalhada análise das motivações e dos sofrimentos pelos quais um ser humano pode passar durante a sua trajetória existencial. 

Por este motivo, o próprio Olavo muitas vezes se referia à teoria das doze camadas da personalidade, não como uma teoria propriamente dita, mas como uma descrição da realidade. 

Pense bem, aquilo que o motivava a agir há dez anos pode não lhe ser mais atrativo atualmente, e se o seu processo de amadurecimento continuar, provavelmente o que lhe motiva hoje não lhe será fonte de interesse no futuro. 

Junto com cada motivação é possível esperar um sofrimento específico que se manifestará cada vez que fracassarmos ao tentar atingir a nossa meta. 

Ou seja, mudar de camada é motivar-se por coisas cada vez mais elaboradas; mudar de camada é ampliar o horizonte de consciência e passar a enxergar alguns elementos da realidade que as pessoas que habitam camadas inferiores não conseguem discernir, pois tais informações estão fora do seu campo de visão; mudar de camada é sofisticar suas metas e preparar-se para sofrer com dores mais requintadas; mudar de camada é seguir a vida alegrando-se e entristecendo-se como de costume, porém, no andar de cima.

Há exatos trinta e quatro anos eu terminava a leitura do livro Passagens, crises previsíveis da vida adulta de Gail Sheehy. 

Este foi meu primeiro contato com os supostos processos de amadurecimento da condição humana, tema que nutro grande interesse devido ao fato de trabalhar diretamente com a temática do comportamento, tanto em clínica psicoterápica como na docência e em consultorias. 

Na referida obra a autora sobrevoa uma historicidade genérica de nossa espécie e identifica os potenciais desafios existenciais que estarão à espreita quando chegarmos aos vinte, aos trinta, aos quarenta anos etc. 

Contudo, Sheehy não se propõe a discursar sobre as supostas camadas de maturação da nossa personalidade, nem como esses novos padrões motivacionais impactariam a avaliação e o enfrentamento dessas crises. 

Na realidade, ela não poderia fazer isso pois a teoria das doze camadas da personalidade ainda nem tinha sido imaginada pelo professor Olavo. 

É fácil perceber que a passagem do tempo deixa marcas evidentes em nosso corpo. A inserção na temporalidade mancha de maneira indelével o veículo físico que conduz nossa alma

Porém, é relativamente simples acertar ou ter um bom palpite a respeito da idade de uma pessoa qualquer. 

Por exemplo, ninguém vai falar que eu tenho oitenta anos, e nem tampouco afirmar que tenho dezoito. 

Mas, muitas pessoas tem dificuldades para compreender que o amadurecimento da nossa personalidade possa passar por momentos totalmente previsíveis, ainda que sejam apenas potenciais e, como dito acima, muitos deles corram o risco de nunca se atualizarem no decurso de uma vida. 

É-nos também muito mais desafiador atribuir uma “idade” à personalidade de uma pessoa qualquer, ainda que nos seja fácil perceber que estamos na frente de um jovem portador de uma personalidade madura ou de um velho patético que insiste em viver na adolescência.

As camadas correspondem a uma divisão cronológica ou, segundo o próprio Olavo, a uma escala de evolução ideal. A cada nova etapa concretizada o indivíduo expande substancialmente seu horizonte de consciência, passando a perceber a complexidade do tecido da realidade com mais clareza e, consequentemente, motivando-se a agir no mundo levando em consideração alguns aspectos que não estão ao alcance daqueles que ainda não dilataram suficientemente o seu olhar. 

Todavia, as camadas podem não florescer, vindo a óbito na forma de sementes. Quando isso ocorre, ficamos aprisionados em estágios inferiores, onde a leitura da realidade sistêmica é seriamente prejudicada. Isso nos tolhe o desenvolvimento da virtude da prudência e contamina qualquer intenção de atuar com a mínima retidão dentro da trama social.

Críticos do professor Olavo de Carvalho asseveram que a teoria das doze camadas da personalidade humana não se ancora em nenhuma base científica sólida. 

Todavia, o próprio professor Olavo nos estimulava a exercitar a prática meditativa para investigar a realidade que nos envolve, assim como nossa própria inserção nas referidas camadas. 

Mas, atenção! A meditação proposta aqui não tem base budista ou yoguica. Não prega, como o texto indiano conhecido como os yoga sutras, “a desidentificação voluntária das modificações da mente” ou “a inibição das modificações da mente”. 

Seu objetivo é nos estimular a proceder no sentido contrário da lógica. Olavo afirma que a meditação é para as humanidades o que o teste de laboratório é para as ciências objetivas. 

Se quisermos averiguar os diferentes níveis maturacionais que nos definem, precisamos aprender a nos movimentar do raciocínio lógico para o pensamento imaginativo e, posteriormente, das abstrações fantasiosas para a concretude do real. 

Falando de maneira simplificada, teremos que reaprender a contemplar o óbvio. Como diriam os antigos gregos, a verdadeira teoria tem relação com a visão. 

Em resumo, para aquele que sabe ver, as camadas são evidentes, basta observar com atenção as pessoas, seus discursos e suas ações no mundo. 

Um vivente que proporcionasse o pleno florescimento de suas doze sementes motivacionais seguiria o seguinte roteiro: 

Fugiria da dor e buscaria o bem-estar físico (camada um); 

Procuraria satisfazer instintos, pulsões e inclinações naturais de base hereditária/genética (camada dois); 

  • Assimilaria, por meio da mais fundamental razão, signos e símbolos básicos que lhe permitissem efetuar sua primeira inserção no mundo que o cerca, incluindo o mundo social. Porém, os indivíduos que compõe esta trama social ainda não são percebidos integralmente, ocasionalmente sendo até mesmo vistos como adversários ou meios para atingir seu objetivo de conhecer o mundo (camada três);
  • Buscaria ser amado e sentir-se seguro.  Caso a inserção na camada quatro permaneça na vida adulta, almejaria de maneira compulsiva o reconhecimento e o amor por parte de terceiros - pessoas, instituições, Estado etc., (camada quatro);
  • Buscaria identificar em si suas habilidades e competências, colocando-se à prova em situações desafiadoras (camada cinco); 
  • Almejaria obter resultados concretos em sua vida, adaptando pela primeira vez os seus quereres aos quereres de um outro alguém, agora percebido como um outro legítimo e não como uma mera extensão de seus desejos (camada seis); 
  • Identificaria em si um papel social e intencionaria ser útil em seu campo de atuação, honrando acordos de ordem jurídica ou tácita (camada sete); 
  • Realizaria uma síntese de toda sua vida, assumindo plena responsabilidade pelas deliberações efetuadas durante sua trajetória existencial (camada oito); 
  • Se esforçaria para absorver conhecimentos advindos da alta cultura, se possível, deixando legados que pudessem impactar positivamente a sociedade (camada nove);
  • Agiria por meio de uma moral passível de ser universalizada (camada dez); 
  • Teria pretensões de deixar uma marca inapagável na história (camada onze); 
  • E por fim, seria conduzido pelo ideal da eternidade (camada doze).

O conhecimento da teoria das doze camadas da personalidade humana tem me auxiliado a identificar algumas particularidades relacionadas às manifestações dos processos de amadurecimento da personalidade humana em três segmentos distintos: 

  1. Na compreensão das características da minha própria personalidade, uma vez que o autoconhecimento passa pela identificação da camada em que se está; 
  2. No cuidado que tenho com meus alunos, clientes e pacientes, quando atuo como professor, consultor em comportamento humano na área corporativa ou como psicoterapeuta; 
  3. E na compreensão do contexto social e político do Brasil e do ocidente

Infelizmente, setenta porcento da população brasileira morrerá na quarta camada. E você, tem algum palpite a respeito da camada em que está? Como chegou a esta conclusão? O que você leva em consideração para realizar este diagnóstico?

Dr. Marcello Danucalov 

Doutor em Ciências (psicobiologia); 

Mestre em Farmacologia; 

Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.