Dr. Marcello Danucalov

Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.

OPINIÂO

Temos regras escritas para tudo, menos para a nossa família

Se existe alguma coisa que toda pessoa de bem concorda é o fato de que, se a vida e a convivência já são ruins e desafiadoras com a ajuda das leis, sem elas voltaríamos rapidamente à barbárie.

Dr. Marcello Danucalov

Pelo que sabemos até agora, o Código de Hamurabi foi a primeira tentativa humana de se colocar um pouco de ordem na baderna que se instala quando não há um mísero sistema comum que nos ajude a ordenar as nossas condutas e refrear os nossos desejos insaciáveis. 

Ele vigorou durante o primeiro império babilônico, entre os anos de 1792 e 1750 a.C., e se baseava na Lei do Talião, que pregava que um criminoso deveria ser punido de maneira semelhante ao crime que cometeu, ou seja, o famoso “olho por olho, dente por dente”. 

Outro célebre sistema apaziguador de confusões é aquele relacionado às Tábuas da Lei, ou os Dez Mandamentos, que foram recebidos por Moisés diretamente de Deus no cume do Monte Sinai por volta do ano 1279 a.C. 

Podemos discordar quanto às questões de ordem doutrinária nas diversas religiões existentes; podemos divergir quanto ao valor da taxa Selic; podemos não nos entender quanto aos nossos posicionamentos ideológicos e/ou políticos. 

Contudo, se existe alguma coisa que toda pessoa de bem concorda é o fato de que, se a vida e a convivência já são ruins e desafiadoras com a ajuda das leis, sem elas voltaríamos rapidamente à barbárie.

Agora eu convido você a refletir um pouco sobre os seus pequenos conflitos familiares; seus desafios na educação dos filhos ou na convivência com o cônjuge. 

A família é a menor unidade funcional daquilo que chamamos de sociedade. É nela que aprendemos nossas primeiras lições de convivência em grupo. 

É nela que recebemos nossas primeiras lições de conduta, de respeito, de temperança, de confiança etc. Mas, chega uma hora na vida de todos nós que precisamos sair desta pequena célula para sermos apresentados ao segundo agrupamento de pessoas:  o condomínio. 

Sim, é no condomínio que entramos em contato com mais regras de convivência, mas, desta vez, fora do círculo familiar, e pela primeira vez elas nos são apresentadas ESCRITAS em um pequeno quadro que geralmente fica fixado ou no elevador ou nos corredores do edifício. 

As regras condominiais não impedem a totalidade das tretas entre os vizinhos, mas é inegável que elas tem o poder de reduzi-las consideravelmente. 

Mas, como todos nós sabemos, as regras não findam no condomínio. Ao sairmos de carro do referido agrupamento de múltiplas famílias somos orientados pelas regras de trânsito que também nos são apresentadas ESCRITAS no código de trânsito brasileiro. 

  • Isso sem falar no:
  • código de defesa do consumidor; 
  • estatuto de criança e do adolescente; 
  • estatuto do idoso; 
  • estatuto da pessoa com deficiência; 
  • código civil; 
  • código penal; 
  • código comercial; 
  • código brasileiro de telecomunicações; 
  • código florestal; 
  • conselhos estaduais e conselhos federais que organizam a atuação profissional. 
  • Temos ainda as leis ordinárias; 
  • leis delegadas; 
  • leis complementares; 
  • os decretos e outros tantos sistemas organizadores da vida. 

E todos eles, sem exceção nos são apresentados na forma ESCRITA. Até mesmo o crime é organizado e tem o seu código de conduta ESCRITO

Isso mesmo meu amigo, o crime é organizado, muito bem-organizado, provavelmente muito mais organizado que a sua família. Não em termos éticos, mas em questões regulamentares e procedimentais. 

“Nossa Danuca, olha o que você acabou de falar! Não concordo com você”.

Ok meu amigo, então me diga: Se a família é a menor unidade funcional da sociedade e é nela que as primeiras tretas são experienciadas, onde estão as regras ESCRITAS que orientam a conduta de seus membros? 

“Minha família não precisa disso, pois a força da palavra já é suficiente!”. 

Ah, tá! Confia. 

Existem inúmeros benefícios que são colhidos por todas aquelas famílias que se dão ao trabalho de refletir sobre este tema e que, após isso, permitem-se passar pela experiência de co-criar um sistema de regras, uma “miniconstituição familiar”. Vejamos alguns desses benefícios

Iniciar uma miniconstituição familiar fará você se deparar com a necessidade de definir os termos

  • Princípio, 
  • valor e 
  • virtude. 

E acredite caro amigo leitor, a maioria esmagadora das pessoas desconhece o verdadeiro significado dessas palavras. Comecemos pelo primeiro.

Um princípio é uma base, um alicerce, um apoio no qual podemos construir nosso projeto de vida e convivência. 

O princípio do matrimônio é a unidade, e este pode ser estendido à família como um todo. Não há nada pior para uma criança do que presenciar seus pais discutindo

Isso mostra a ela que os seus cuidadores não tem certeza de como conduzir a sua educação, e o resultado disso é o aparecimento da descrença, da insegurança e da desordem na vida do filho

Um filho pequeno que percebe que a sua mãe defende o ponto de vista “A”, e que seu pai defende o ponto de vista “B” terá sérias dificuldades para acreditar na existência de verdades superiores e universais, e será presa fácil do vício da relativização compulsiva da vida. 

Ser educado em meio a tantas contradições e incertezas fará dele um adulto que sempre escolherá o que lhe for mais conveniente, e não o que é o certo, o indubitável, o verdadeiro. 

Uma miniconstituição da família fará com que seus membros tenham mais clareza dos valores que orientam sua conduta, e um valor é algo que se quer preservar ou algo que se quer obter. 

Temos valores objetivos e subjetivos, mas, quase nunca conseguimos versar com segurança a respeito deles pois, na maioria das vezes vivemos a vida pautados em um automatismo que tolhe reflexões mais consistentes. 

Sócrates costumava falar que “o início da sabedoria começa com a definição dos termos”, e isso é algo que pouquíssimas pessoas conseguem realizar com segurança

Nos últimos vinte anos atendi clinicamente centenas de famílias que buscaram orientação filosófica para melhorar sua convivência; quando arguidas durante o processo terapêutico, invariavelmente se mostravam totalmente confusas quanto aos seus próprios valores

As dificuldades eram de dois tipos: Explicitar com clareza o que se quer e o que se busca e, após isso, definir esses objetivos por meio da utilização de signos claros e compreensíveis.  

Essa confusão também é encontrada quando o assunto são as virtudes. Se os valores relacionam-se às nossas metas, às nossas buscas e aos nossos desejos, as virtudes estão relacionadas às nossas ações diárias que facilitam a concretização de tais ideais

É triste constatar como as famílias contemporâneas se desconectaram deste importante tema

Na maioria das vezes desconhecem completamente as virtudes cardeais prudência; justiça; fortaleza/coragem e; temperança - e teologais – fé; esperança e; caridade -, e desta forma, são incapazes de desenvolver métodos educacionais adequados à gradativa conquista da excelência humana

Processos de orientações filosóficas familiares podem fazer com que seu filho de apenas nove anos tenha facilidade para versar sobre os princípios, os valores e as virtudes que subjazem ao sistema de regras escrito da sua família. 

Este é, sem dúvidas, um passo importante para o estabelecimento de relações familiares mais harmoniosas e livres de conflitos diários advindos da previsível confusão que emerge quando não prestamos atenção em algo tão básico, como o estabelecimento de um simples estatuto familiar.

Em meu próximo artigo vou dividir com você algumas orientações de como aplicar parte deste conhecimento teórico advindo da filosofia em um método prático e claro com vistas a transformar positivamente o seu ambiente familiar . 

Dr. Marcello Danucalov

Doutor em Ciências (psicobiologia);

Mestre em Farmacologia;

Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.