Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.
Imagine, leitor, uma fuga em massa onde criminosos presos conseguissem dominar o presídio em que estavam e depois libertar todos os 800 presos que lá cumpriam pena. Essa fuga em massa com certeza causaria pânico na população e desencadearia uma megaoperação das polícias.
Quando isso ocorre, os atendimentos de emergência da PM e as investigações da Polícia Civil são praticamente paralisados, e todos passam a tentar recapturar pelo menos parte dos criminosos, evitar que façam famílias reféns ou algo pior, como assassinar ou estuprar uma das mulheres da família.
Situações como essa são literalmente o pior dos cenários para a sociedade e para as polícias.
Há vários desdobramentos: diretores e policiais seriam afastados da unidade prisional, inquéritos seriam abertos, o secretário de estado e até o governador seriam fortemente questionados pela população, mídia, parlamento e judiciário.
Basta ver a mobilização que ocorreu em razão das duas fugas na Penitenciária Federal de Natal, meses atrás.
Vamos piorar um pouco esse quadro. Imagine agora que tudo isso aconteceu não em um, mas simultaneamente em cinco presídios espalhados pelo país, onde os presos os dominaram e fugiram.
Multiplica-se então esse caos e esses desdobramentos por cinco. Ficou ruim? Sim, mas não o suficiente.
Imagine agora que a fuga simultânea em cinco presídios ocorreu não uma, mas "quatro vezes no ano", a primeira em março, depois em junho, setembro e a última em dezembro.
Com a única diferença que, em uma delas, foram quatro e não cinco presídios esvaziados. Somados, foram 15.249 presos em fuga, o que corresponde a 19 presídios (800 presos/presídio).
Agora imagine a seguinte situação: dois criminosos fugitivos, "curtindo a noite", atropelam um motociclista e a polícia inicia uma perseguição.
Um deles sai do carro e foge a pé, um dos policiais o aborda e, para garantir a fuga, o criminoso atira na cabeça e nas pernas do policial. O policial, de 29 anos, morre e deixa esposa e uma filha de 5 meses. Não imagine mais, pois quase tudo é verdade.
Com exceção da rebelião para tomar o presídio e dos desdobramentos políticos, todo o resto aconteceu em 2023 no Brasil: 15.249 presos utilizaram a saída temporária para fugir, andando tranquilamente pela porta da frente. Se estivessem presos, lotariam 19 presídios.
Um deles possuía 18 passagens criminais e, mesmo assim, foi agraciado com a saída temporária em MG.
Foi ele quem matou o Sargento Dias, da PM de Minas Gerais, e o fez porque podia, estava nas ruas, e assim decidiu fazer. Também é verdade que a filha do Sargento Dias tinha apenas 5 meses de idade quando perdeu o pai para a impunidade.
Se 1% dos presos que fugiram através da saída temporária tomassem a mesma decisão do criminoso que assassinou o Sargento Dias, teríamos mais 152 mortes e famílias enlutadas em 2023.
O sacrifício do Sargento Dias tem nome, sobrenome e contexto; outras milhares de vítimas da saída temporária e outros recursos de impunidade da lei de execução penal não tiveram (ainda) sua história contada.
Para se ter uma ideia da dimensão da vitimização, desde 2003, quando o fim do exame criminológico expandiu a saída temporária, algo em torno de 200.000 criminosos a utilizaram para fugir. Uma catástrofe de dimensões nacionais.
Novamente, se apenas 1% deles, incentivados pela impunidade, cometerem um crime hediondo, então a saída temporária viabilizou mais de 2.000 assassinatos.
São vítimas sacrificadas no "altar do mito da ressocialização", único argumento utilizado por corporações como a OAB para justificar a permanência da injustificável e letal saída temporária.
Inconformados com a derrota que sofreram no Congresso Nacional, o lobby de parte dos criminalistas usa a OAB para reverter a decisão no STF.
O movimento, apesar de legal, é claramente elitista: um pequeno "grupo de esclarecidos" quer impor sua visão de execução penal à maioria da população, que decidiu por meio de seus representantes no Congresso pelo fim da saída temporária em ampla maioria nas duas casas, em três votações.
Novamente, não sabemos o resultado deste 4º turno; eles podem até "temporariamente" reverter o fim da saída temporária.
Mas não conseguirão esconder o fato de que a legislação de execução penal é uma máquina de matar e causar sofrimento a inocentes, e o principal: agora sabemos que é possível, sim, mudar isso no Congresso Nacional. O gênio não voltará mais para a lâmpada.
Se o STF decidir que o fim da saída temporária é inconstitucional, então estará confirmado que o atual sistema de justiça criminal não prioriza a proteção da sociedade e a justiça às vítimas.
Logo, não cabem mais "ajustes" para corrigir isso, como aprovar alterações isoladas no Congresso. Seria remendo novo em roupa velha, que não protege mais do "frio criminal".
A nova roupa é iniciarmos a construção de uma ampla reforma do sistema de justiça criminal, com alteração da Constituição, do Código de Processo Penal, do Código Penal e principalmente uma nova Lei de Execuções Penais.
Inclusive, com mecanismos de democracia direta (como plebiscito ou referendo) para garantir legitimidade na aprovação e posterior alteração da legislação, como ocorre em democracias consolidadas, como EUA, Suíça e França.
Em suma, se o STF aprovar o fim da saída temporária, aprovará também o início do projeto de reforma do sistema de justiça criminal brasileiro, o principal desafio da nossa geração.
Como disse Edmund Burke: "A sociedade é um contrato entre os mortos, os vivos e os que estão para nascer", portanto, devemos isso a todas as vítimas inocentes, a todos os heróis que tombaram para nos defender, como o Sargento Dias, a todos os órfãos que as vítimas e heróis deixaram e, principalmente, às próximas gerações.