Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.
Se coube aos poetas cantarem as virtudes, foi trabalho dos filósofos tentar explicá-las racionalmente, e Sócrates tem sido lembrado como um pioneiro neste tema.
Segundo contam seus alunos, Sócrates buscava transformar meras opiniões não abalizadas em conhecimento verdadeiro, por isso costumava afirmar que o início da sabedoria começava com a definição correta dos termos.
Infelizmente, em tempos de politicamente correto, onde o significado das palavras é rotineiramente subvertido por militantes sinalizadores de virtudes inexistentes, lembrar do velho Sócrates e de seus pupilos é sempre um chamado à sensatez.
Sócrates nada escreveu; coube a Platão resgatar a memória de seus ensinamentos em uma vasta obra preferencialmente escrita na forma de diálogos.
Nos diálogos platônicos, Sócrates é comumente colocado como enunciador de teses filosóficas corretas, sobrando aos sofistas - que eram exímios oradores e professores de retórica, a enunciação das teses que Platão desejava atacar com sua filosofia.
Foi em sua obra A República, que Platão nos apresentou um grupo de quatro virtudes que passaram a ser conhecidas como virtudes cardeais ou cardinais, e é consenso entre os seus seguidores - incluindo aqui boa parte dos filósofos cristãos medievais -, que as virtudes cardeais são a base para o desenvolvimento integral do homem.
Prudência, justiça, coragem/fortaleza e temperança são virtudes basilares, sem as quais nenhuma outra virtude é passível de ser desenvolvida, e a prudência é considerada a mãe de todas as outras condutas virtuosas.
Se, como pais, desejamos entregar ao mundo filhos fortes e dignos, é importante que investiguemos as características da progenitora de todos os outros bons hábitos.
A prudência é o hábito do bom juízo, da reta intenção de fazer o bem. É uma virtude estritamente dependente dos processos de amadurecimento humano, uma vez que é impossível a um ser imaturo agir prudentemente.
Crianças e adolescentes são, por natureza, seres imprudentes, e como nos tempos atuais a "adolescência" tem se estendido até idades avançadas, não é demasiado afirmar que a nossa civilização é composta por uma significativa parcela de adultos imprudentes.
Um ato prudente precisa ser bom no início, nos meios e nos fins. Isso concede idoneidade durante todo o trajeto da ação, transformando-a em uma ação virtuosa.
Por este motivo, a virtude da prudência pode ser representada por um tripé composto das seguintes partes: deliberação, decisão e ação.
Por meio da deliberação, deve-se elencar todas as alternativas possíveis que possam ser úteis na solução de algum problema.
Isso pressupõe um senso imaginário dilatado, o que só pode ser conseguido por meio da instrução abalizada e da leitura rotineira de obras literárias de grande valor, preferencialmente clássicas.
Como a maioria dos brasileiros não lê absolutamente nada, isso já reduz sensivelmente o número de pessoas potencialmente prudentes em nosso país.
Contudo, não basta somente pensar bem, é preciso decidir bem, escolhendo a melhor das alternativas, e para isso é necessário imaginar todas as possíveis consequências futuras de cada uma delas.
Tomada a decisão, é necessário agir. Logo, se você pensa bem, mas não consegue decidir, prudente você não é. Se pensa mal, pior ainda.
Se pensa bem, decide bem, mas não age, prudente você não é. Se decide de maneira apressada, prudente você não é.
E se age automaticamente, sem antes pensar e nem ao menos decidir, você é um inconsequente alucinado, comumente movido pelas paixões.
A prudência necessita de tempo, e isso é tudo que não temos em uma era onde o imediatismo impera soberano e é estimulado em todas as instâncias.
Queremos comida, o Ifood entrega imediatamente; ansiamos por entretenimento, ele está a um click; aspiramos a um título qualquer, o mercado oferece cursos relâmpago com baixíssima qualidade para satisfazer o nosso fetiche por diplomas e o nosso desprezo pelo conhecimento; desejamos um encontro sensual, há catálogos adultos disponíveis para todos, até mesmo para os não adultos, o que é uma das maiores tristezas contemporâneas, a sexualização precoce de crianças e adolescentes.
Será possível ser prudente em um mundo como o nosso?
Aqueles que, como eu, já contam mais de cinquenta anos devem se lembrar de como eram os comerciais de televisão nas décadas de 1970/1980.
Comprava-se uma Brastemp porque ela era a melhor, a mais durável, a mais útil.
Atualmente, quase todas as propagandas apelam não para a qualidade do produto, mas sim para a pressa: "É só até amanhã! Não fique fora desta!" Vivemos no império do imediato, e neste reino a prudência não tem vez!
O grande escritor J.R.R. Tolkien foi um renomado autor que nos legou obras como Silmarillion, O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
Nesta última, Tolkien personifica a virtude da prudência na figura de Samwise Gamgee ou somente Sam. Ele é o fiel escudeiro de Frodo.
Ele é a voz que ecoa em todos os momentos em que Frodo fraqueja e cede ao mal. Ele é a deliberação, a decisão e a ação.
O oposto de Sam é Sméagol, um personagem que é gradativamente corrompido pelo vício e que se transforma em uma criatura rastejante chamada Gollum.
O simbolismo entre o bem e mal, entre a virtude e o vício, entre a prudência e a imprudência não poderia ser mais perfeito, e nos faz, desde que estejamos aptos e desejosos disso, analisar a nossa vida e a educação que concedemos aos nossos filhos.
Qual porcentagem de Gollum habita nossa alma? Qual parcela de Sam a compõe? Como deve ser a educação de um filho para que ele não seja corrompido como o Sméagol?
São perguntas que deveriam orbitar todas as famílias que vivem no reino do imediato. Elas orbitam a sua?
Para finalizar, que tal elencarmos algumas ações imprudentes que podem ser encontradas em muitas famílias pós-modernas?
O desconhecimento das consequências de cada item abaixo muito provavelmente produzirá consequências amargas para a família como um todo.
Não estudar para sermos melhores pais;
Esforce-se para ser mais prudente. Até semana que vem!
Doutor em Ciências (psicobiologia);
Mestre em Farmacologia;
Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar