Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.
Na semana passada, estreei com o artigo "A segurança pública pode unir o país", dada a previsão de votação no Congresso Nacional do veto do Presidente da República à lei sobre saída temporária. Agora, quero "reestrear" com uma breve apresentação da proposta desta coluna.
A proposta da coluna é contribuir, de forma técnica e pragmática, para a solução do maior problema da nossa geração: a insegurança pública.
Para resolvê-lo, entendo que precisamos antes superar uma grave deficiência: o atraso conceitual e técnico do debate público sobre segurança pública no Brasil, que é de pelo menos 50 anos, isso mesmo... meio século.
Aquilo que é consenso técnico-científico há duas ou três gerações na maioria dos países, aqui é motivo de disputa ideológica, à esquerda e à direita. E não é só.
Além do atraso conceitual, a necessidade de “parecer moderno” tem construído políticas ineficientes a um custo absurdo. É a tempestade perfeita.
Assim, as polícias, mesmo com processos cartoriais e sobrecarregadas, têm que ser “tecnológicas”; a lei, mesmo que inócua para proteger a sociedade, tem que ser “inclusiva”; e a justiça, mesmo que inexistente para a vítima, precisa ser “restaurativa”.
Os conceitos modernos não são ruins, mas aplicá-los sem corrigir ou considerar os problemas estruturais do nosso sistema de justiça criminal é como construir prédios com areia da praia, ignorando a lei da gravidade, mas com uma imponente “fachada inteligente”, com jardim vertical e grafite da moda.
Como fazer para sair deste ciclo de ineficiência e recuperar o atraso?
Não tem segredo. É conhecer esses consensos e pautar o debate neles. Pois, eles já foram testados pelo melhor dos avaliadores: o tempo. Esta é a proposta da coluna.
Apresentarei alguns pressupostos da criminologia moderna operacionalizados nas principais políticas públicas que obtiveram sucesso no controle do crime.
Sobre organização e funcionamento da polícia e sistema prisional, sobre estrutura legal e formas de ampliação da eficiência e legitimidade da lei penal, entre outros temas.
O primeiro consenso é sobre o sistema de justiça criminal. Composto pela legislação penal, a polícia, o ministério público, o juiz criminal e o sistema prisional, ele tem por finalidade assegurar os seguintes direitos:
A contemplação dos três grupos de direitos, na ordem de prioridade descrita, é consensual em todo o mundo democrático. Menos no Brasil.
Por aqui, as ações da esquerda tendem a ignorar ou negligenciar o primeiro e o segundo direito, inclusive colocando o criminoso no lugar da vítima. Está deturpada visão domina a nossa legislação penal, em especial a lei de execução penal.
Seu efeito mais nocivo é a explosão criminal, dado o baixo custo do crime, e a crescente crise de legitimidade do sistema de justiça criminal, levando a sociedade à anomia e as pessoas a apoiarem soluções de violência privada (como o linchamento).
A maioria das propostas à direita tende a ignorar ou negligenciar o terceiro conjunto de direitos, dos criminosos presos e condenados. Neste tipo de deturpação, o problema é a promoção de crimes contra criminosos tutelados pelo Estado, a título de justiça.
Sem o necessário controle e accountability, abusos ocorrem e "microestados" se formam. A aplicação da força legal, através da polícia ou da prisão, deve sempre ser controlada pela sociedade. O efeito político desse tipo de erro é também a perda da legitimidade social.
Não há espaço para erros, seja à esquerda ou à direita. Precisamos parar de discordar sobre o estrutural, copiar os modelos de sucesso no mundo e concentrar o debate público no "como" prover polícia, justiça e prisão de forma legal, efetiva e financeiramente sustentável.
Discordar sobre isso é o mesmo que discordar que a função da saúde é prover tratamento e cura. Podemos discordar sobre "modelos de como tratar e curar", por exemplo, se com ou sem SUS, mas não faz sentido discordar que tratamento e cura requerem médico e hospital.
Para finalizar, se o debate público da saúde estivesse no mesmo estágio que o da segurança pública, seriam exemplo de debate público: