João Henrique

Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.

O papel fundamental dos municípios na segurança pública.

Prefeituras fazem a diferença quando atuam na dissuasão à desordem, violência doméstica e varejo de produtos ilícitos. Para tanto, políticas públicas precisam ser habilmente formuladas.

João Henrique

Nos dois últimos artigos, analisei o papel dos estados e do governo federal no fornecimento de segurança pública à população. Agora, tratarei do papel dos municípios na proteção da sociedade

O papel dos municípios na segurança pública é fundamental, especialmente em contextos onde a dissuasão e a incapacitação são os pilares das políticas públicas. 

Gary S. Becker define a dissuasão como o controle do comportamento criminoso através de incentivos, destacando a certeza, severidade e rapidez das punições

A incapacitação, por sua vez, consiste em retirar da sociedade aqueles predispostos a cometer delitos, mantendo-os presos ou em outras instituições, interrompendo suas atividades criminosas.

Para que uma política pública seja eficaz, ela deve, portanto, produzir dissuasão ou incapacitação

Nesse contexto, os municípios podem implementar diversas políticas que se destacam no controle de desordem, violência doméstica e controle do varejo de produtos ilícitos. 

Isso pode ser feito utilizando dois tipos principais de recursos: posturas municipais e tecnologia da informação.

Posturas Municipais

Os municípios têm ampla competência em poder de polícia administrativa, conhecida como "posturas municipais". 

Este poder inclui autorizar ou cassar licenças para diversas atividades, gerando uma capacidade legal de "dissuasão administrativa". 

Exemplos incluem: 

  • Ocupação do solo: Como alvarás para funcionamento de um negócio.
  • Uso do espaço público: Para realização de eventos ou controle de barulho.
  • Gestão do trânsito: E outras atribuições fiscalizatórias em vigilância sanitária, saúde pública e meio ambiente.

O uso combinado dessas posturas municipais pode anteceder de forma mais eficiente a aplicação do direito penal (mais drástico, burocrático e demorado) como recurso de dissuasão na contenção dos três grupos de problemas criminais importantes.

Tecnologia de Monitoramento

Os municípios têm liderado o uso de tecnologia de monitoramento e proteção, conhecida como "cercas digitais", nos Centros de Operações Integradas de diversas cidades e regiões.

Inicialmente utilizadas para aplicar multas, as câmeras com capacidade de leitura de placas agora são usadas para identificar e reprimir rapidamente criminosos que utilizam motos para roubar celulares e veículos, ou ainda, ameaçar estudantes e causar degradação a escolas e postos de saúde. 

Além disso, são eficientes na repressão ao roubo de cargas, especialmente em municípios que são rotas de centros de distribuição ou possuem rodovias.

Essas tecnologias se desenvolveram muito na última década e hoje podem ser usadas para identificar e registrar comportamentos criminais e fazer reconhecimento facial de criminosos procurados. 

O que os municípios fizeram de melhor nesse campo foi o desenvolvimento de modelos de governança em que alertas e relatórios digitais são submetidos à curadoria e análise humana, evitando vieses e ampliando a efetividade.

Esses dois tipos de recursos são fundamentais para a implementação de políticas públicas nas áreas de:

1. Controle de Desordem: 

Os municípios são fundamentais na dissuasão e controle da desordem física e social, como barulho excessivo, bares irregulares, terrenos baldios, uso público de drogas, falta de iluminação pública e pichações. 

Esses tipos de desordem são preditores de atividades criminosas mais complexas. Pelo menos 20% dos chamados de emergência (190) estão relacionados à desordem.

A desordem cria ainda o ambiente de baixo custo necessário para a eclosão de atividades criminais mais complexas, como o tráfico de drogas, roubo, formação de gangues e homicídios. 

O controle da desordem foi um dos fatores preponderantes nas políticas de queda dos homicídios em Nova York nos anos 80/90 e em São Paulo nos anos 2000.

Nas "cenas abertas de uso de drogas", popularmente conhecidas como cracolândias, além da tarefa de evitar a ocupação e assistir social e clinicamente os adictos, é fundamental a dissuasão administrativa das prefeituras contra o "ecossistema econômico" que sustenta as cracolândias

Isso inclui a dissuasão administrativa a:

  • Ferros-velhos que compram metais furtados por adictos para manter o vício (há casos de pagamento com drogas).
  • Hotéis, restaurantes e outros comércios que transformam a renda social dos adictos em fonte de receita, facilitando/incentivando o vício.
  • Corrupção de agentes municipais nesses locais.

2. Enfrentamento à Violência Doméstica e Contra a Criança

Diversos municípios implementaram programas de monitoramento de medidas restritivas contra agressões a mulheres, operados por guardas municipais. 

As equipes de saúde familiar municipais também podem ser envolvidas na prevenção e rápida detecção de dinâmicas criminais intrafamiliares, como crianças que sofrem abusos e agressores sexuais. 

Evidentemente, são ações que exigem alto nível de qualificação e bloqueio de ativismo ideológico, na implementação das políticas. 

3. Controle do Varejo de Mercados Ilícitos

Locais e pontos de venda de produtos contrabandeados e falsificados são preditores da ação de máfias e outros tipos de crimes organizados que dominam o território, "alugando espaço e vendendo proteção". 

Além do contrabando e falsificação, esses locais vendem também produtos roubados e drogas

O uso de mecanismos da vigilância sanitária, controle de trânsito e concessões de alvará são fundamentais no controle desse tipo de problema.

Por fim, fica evidente que o exercício do poder de polícia municipal, se bem aplicado, pode ser o melhor "recurso de dissuasão" para resolver e evitar o avanço de problemas criminais como barulho, cracolândias e a expansão do varejo de mercados ilícitos. 

Isso pode ser feito através da aplicação progressiva de sanções (notificação, multa, multa x10, apreensão, emparedamento, suspensão do direito de atuar, etc). Essa atuação é potencializada e escalável quando associada à tecnologia.

A lógica é simples: por atuar apenas em um município, a prefeitura consegue designar e manter recursos para atuar de forma focalizada contra problemas criminais recorrentes. 

Por exemplo, depois de recuperar uma área utilizada para pancadões ou cracolândias, é preciso manter a ocupação e vigilância do local, criando uma rede de apoio com os moradores, através de estratégias de policiamento comunitário.

Quando essa estratégia é realizada em conjunto com a secretaria estadual de segurança pública, desonera a Polícia Militar, que pode focar-se em problemas criminais mais graves, como o crime violento e organizado.

Há uma forte tendência de utilizar as Guardas Municipais no policiamento ostensivo, o que tem suscitado debate sobre esse emprego. 

Vejo isso como positivo e com demanda social, no entanto, para que ocorra de forma segura e escalável, é preciso discutir com as polícias estaduais modelos táticos e técnicos de atuação, o recebimento de demandas do sistema de emergência (190) e a modificação do marco legal de atuação das guardas. Ou seja, trata-se de um debate longo e técnico, mas necessário

Para hoje, além dos tipos de problemas criminais tratados, uma necessidade crescente, decorrente do protagonismo dos municípios na segurança pública, é a constituição de uma controladoria de segurança pública municipal, pois o exercício de poder requer uma estrutura de controle interno e externo equivalente. 

Mesmo porque, a expansão do crime organizado sempre requer aliciamento de agentes públicos.

Encerro o artigo afirmando que a dissuasão administrativa municipal é um dos mais importantes recursos de proteção da sociedade, ainda que pouco compreendido e utilizado.