Dr. Marcello Danucalov

Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.

Mini dossiê 12 de outubro: O que fizemos com as nossas crianças

Um mundo que confia seu futuro ao discernimento dos jovens é um mundo velho e cansado, que já não tem futuro algum - Olavo de Carvalho

Dr. Marcello Danucalov

Recentemente, quando eu estava organizando alguns textos antigos escritos por mim, encontrei um que me chamou atenção. Ao relê-lo, entristeci-me com a percepção de que, de lá para cá, muita coisa mudou, e infelizmente para pior. O assunto é tão pertinente e necessário que resolvi alterar alguns detalhes, incluir outros, atualizá-lo um pouco mais e ofertá-lo novamente neste 12 de outubro, dia que pouco ou quase nada temos para comemorar.

Cada vez mais a educação dos filhos - quer sejam crianças ou adolescentes - vem se tornando um desafio para os pais. Os genitores que parecem sofrer um pouco menos são aqueles que pertencem à categoria dos pais plenamente despertos e altamente conscientes. Para este grupo, o globalismo; a idiotização das massas; o pós-modernismo; o progressismo; a agenda 2030 da ONU; a guerra cultural idealizada pelo comunista italiano Antonio Gramsci; a agenda woke; o feminismo; a corrupção do jornalismo; a inversão dos valores; o enaltecimento do crime; a corrosão interna ocorrida nas igrejas; a corrupção da beleza; a prostituição da ciência; o ecoterrorismo; a ideologia de gênero e todas as demais misérias contemporâneas, são temas concretos e não teorias da conspiração. Graças a este despertar, o presente grupo tem um pouco mais de chance de evitar que seus filhos sejam imbecilizados e que suas almas sejam entregues para vampiros travestidos de justiceiros sociais e não se deixa sucumbir à alienação a ponto de encarar as aberrações contemporâneas com naturalidade.

O restante dos pais se divide em dois outros grupos: O dos recém despertos que assumem que algo deu errado na educação de seus filhos e agora procuram ajuda e tentam reorientar-se na função de pais; e o grupo composto por genitores que acreditam que está tudo bem e não há motivos para preocupação. Este último grupo crê que todas as aflições demonstradas pelos dois primeiros grupos são delírios de pais bitolados e esquisitões que aderem às já citadas teorias da conspiração. 

O nível de cegueira é tão grave que seus integrantes não acreditam que seus próprios filhos são doutrinados diariamente por professores hipnotizados por seus próprios delírios ideológicos, tanto nas universidades como nas mais supostamente inofensivas escolas - continuaria sendo ruim se a doutrinação fosse oriunda do outro extremo político

Esses pais afirmam que o socioconstrutivismo é uma benção, mesmo que desconheçam por completo as estapafúrdias metodologias aplicadas pelos “especialistas” da educação contemporânea, francos defensores de ideias há muito refutadas;  acham natural e merecido Paulo Freire ser o patrono da educação brasileira; pensam que as universidades são locais seguros para enviar os seus filhos; desdenham da erotização precoce das crianças;  e acham normal postar vídeos no TikTok sensualizando e dançando funk com suas as filhas de cinco anos de idade.

Logo, não é demasiado afirmar que muitos pais e mães advindos da geração X, - que hoje contabilizam entre 45 e 60 anos -, tenham “perdido a mão” da educação de seus filhos.  Deixaram-se seduzir por discursos politicamente enviesados e ideologizados advindos da psicopedagogia experimental, da superficialidade das crenças da Nova Era e de alguns aspectos - não todos - mais radicais da chamada parentalidade positiva, para quem quase tudo tem potencial para traumatizar as crianças. A somatória de todas essas ideias produziu jovens fracos e despreparados para enfrentar a vida. Tudo isso e muito mais é desenvolvido com extrema competência pelo querido professor Jean-Marie Lambert em seu maravilhoso livro Educação UNESCO: A clonagem das mentes

Morreu há muito a figura carinhosa da professora amiga que morava no coração dos pais e das crianças. A tia a ensinar vírgulas e tabuadas com amor de sobra e castigo na dose certa já faz parte da história. Professor é hoje doutrinador a apropriar-se do aparato educacional para promover uma agenda política e substituir a família no papel do educar.

O fenômeno remota à queda do regime militar e representa, sem dúvida, o maior sucesso de estratégia gramsciana da história. Nasce da aliança das associações docentes com sindicatos e partidos de esquerda para confiscar a Constituinte no fim da década de 1980. Um momento de suma importância para entender os rumos do ensino, porque, entre barganhas e negociatas, a Carta Magna assentou os fundamentos de uma ditadura cultural que as vertentes de inspiração marxista chamam de “gestão democrática”.

Como já tratei em artigos anteriores, alguns pais também esqueceram preceitos básicos que nunca deveriam ter sido menosprezados, como por exemplo: Jamais abdicar das regras claras e bem definidas dentro de uma casa; de esforçar-se diariamente para esclarecer aos filhos que para cada direito conquistado existe uma infinidade de deveres que devem ser honrados; da coragem necessária para sustentar os “nãos” proferidos durante o longo processo educacional; da busca constante do equilíbrio entre elogiar e criticar construtivamente as ações dos filhos; e do total abandono da educação religiosa, afinal, para a mídia progressista tornou-se demode ser cristão. A moda agora é jogar as coisas para o universo, cruzar os braços e torcer para que pedras, meteoritos e rochas operem um milagre celeste e patrocinem nossos desejos mais comezinhos.

A falta de interesse nos textos religiosos, em especial na Bíblia, também tem colaborado para a degeneração progressiva de valores basilares da nossa civilização, o que repercute na formação psíquica de nossas crianças. Calma leitor! Não pare de ler! Não tenho a pretensão e evangelizar você! Almejo somente investigar esta questão com um pouco mais de prudência, uma vez que belíssimos ensinamentos bíblicos têm sido descartados antes de serem minimamente compreendidos, como aqueles que versam sobre a necessidade do sacrifício. 

Aqueles entre nós que não perderam totalmente o contato com a realidade compreendem que os seres humanos só atingem sua excelência, - ou como diriam os gregos antigos, sua aretê - por intermédio do sacrifício. Narrativas mitológicas, textos sagrados e uma boa parte da tradição filosófica estão alinhados quanto a isso. Para nós ocidentais, as lições já estão presentes no antigo testamento, que deixa claro que o logos divino constantemente solicita alguma coisa de valor dos seres humanos em troca de algo melhor que virá no futuro. Muitas passagens do antigo testamento demonstram este fato inexorável da vida. Não há vitória sem luta; não há mérito sem esforço; não há conquista sem suor. Não há representação mais fidedigna da vida! Lição de sabedoria. Lição de comprometimento. Lição de fé, persistência e esperança.

Para qualquer leitor atento é fácil perceber que o texto bíblico é repleto do simbolismo do holocausto, onde animais são queimados em sacrifício a Deus. A fumaça, uma vez subida aos céus, informa Deus sobre a qualidade do ato sacrificial, assim como sobre a fé e a esperança de seus filhos na providência divina de um futuro melhor. As histórias bíblicas também são repletas de exemplos que atestam a importância dos nossos antepassados. Sem o sacrifício deles provavelmente estaríamos vivendo dias mais difíceis e penosos. Honrar antepassados, honrar pai e mãe e sacrificar-se por um futuro melhor para nós e para nossos entes queridos são valores constantemente esquecidos pelas gerações atuais.

A geração dos millennials, composta dos nascidos entre os anos 1981 e 1995, e a geração que a sucedeu, são adeptas da cultura hedonista, imediatista e superficialista, que propaga a ideia de que a história avança rumo à perfeição e que os tempos atuais são decididamente melhores do que aqueles vividos no passado. Assim, aprisionados no cronocentrismo, desdenham de toda tradição e de todo esforço feito pelos seus antepassados com vistas a garantir-lhes um lugar mais confortável no teatro da vida. Desmerecem as crenças pretéritas julgando-as anacronicamente e não compreendem que as circunstâncias vividas por seus ancestrais eram muito distintas das atuais e, na maioria das vezes, muito mais difíceis e desafiadoras. 

Cabe a cada um de nós compreender o significado dos ritos sacrificiais e adaptá-los às nossas atuais circunstâncias de vida e à educação de nossos filhos. Se holocaustos não são mais necessários nos dias de hoje, seu simbolismo continua sendo útil. 

O que temos sacrificado em nome de um futuro um pouco mais digno e tranquilo? Como temos abordado a questão do simbolismo sacrificial com nossos filhos? Como a sabedoria do provérbio abaixo tem impactado a sua família?

Homens fortes criam tempos fáceis
E tempos fáceis geram homens fracos
Mas, homens fracos criam tempos difíceis
E tempos difíceis geram homens fortes
(Provérbio oriental)

É possível perceber que muitas das dificuldades que as futuras gerações sofrerão, advirá da falta de sacrifício das gerações atuais, que desfrutam das benesses herdadas daqueles que sobreviveram aos tempos difíceis do passado, sem importar-se com as gerações que lhe sucederão. A falta de preocupação com a qualidade do futuro impede o empenho sacrificial, uma vez que somente quando estamos aptos a pensar no futuro, somos apresentados à noção de sacrifício. 

O sacrifício também é uma característica eminentemente humana. Só os seres humanos o fazem, quer sejam ritualísticos, quer sejam pessoais. Os sacrifícios são o alimento da esperança, e sem esperança, o homem se torna presa do niilismo; da falta de sentido; da melancolia; da depressão; e, talvez, do suicídio que é o resultado da ausência total da esperança.

Mais uma vez posso citar o professor Jean-Marie Lambert, que em seu outro livro O Mundo entre cristianismo e globalismo nos faz pensar nas seguintes questões:

O Brasil vive tempos de colonização religiosa. Importa uma espiritualidade incubada na ONU para destruir os fundamentos do cristianismo. Não apenas sob a roupagem óbvia do budismo Nova Era ou de outras formas de contracultura. Porque a subversão da civilização bíblica passa antes pela infiltração e corrosão interna das igrejas.

O inimigo entra em campo com camisa protestante ou católica para confundir a torcida. Usa a mesma fraseologia. Faz mímicas idênticas. Apela para uma simbologia parecida. E, no final, engana.

A Teologia da Libertação ou da Missão Integral e construções análogas vêm de longe. Inspiram-se no corpo conceptual marxista, com certeza. Mas plantam raízes mais profundas no ecumenismo teosófico, na gnose antiga, nos mistérios egípcio-babilônicos e – dirão muitos – na rebeldia original condenada na Gênese sem reserva.

O fenômeno não é espontâneo. Resulta de planejamento metódico e de assídua promoção pelo aparato onusiano. Alicerça-se, outrossim, numa hercúlea engenharia antropológica que conquistou mentes e corações para ora travar uma impiedosa guerra pelas almas...

Muitos dos equívocos cometidos acima estão implicitamente inseridos em frases tolas que tem sido proferidas ad nauseam por um séquito de pais vitimados e idiotizados pelo progressivo apodrecimento que a cultura brasileira sofreu nos últimos anos. Hipnotizados por gurus da autoajuda não compreendem o quão verdadeiramente enfraquecedores são esses risíveis mantras pós-modernos que, por serem tão devastadores, recorrentemente são lembrados por mim em textos, posts ou cursos que costumo ministrar:

Frase que enfraquece: Filho, você é especial.
Frase que fortalece: Filho, você é especial para mim. Mas, para o mundo lá fora precisará se esforçar mais, ser respeitoso e virtuoso.

Frase que enfraquece: Filho, nada é impossível. Basta você querer. 
Frase que fortalece: Filho, investigue bem os seus talentos, pois –
como toda humanidade – você nasceu com poucos e precisará testá-los e praticá-los (muito)

Frase que enfraquece: Filho, ninguém é melhor que ninguém.
Frase que fortalece: Filho, a humanidade é composta por 99% de pessoas medíocres e 1% de gênios. Se quiser tomar parte do último grupo, prepare-se para suar litros, trabalhar com empenho e dedicação e dormir pouco, bem pouco.

Frase que enfraquece: Filho, você pode ser o que você quiser.
Frase que fortalece: Filho, o mundo tem limites intransponíveis. Reconcilie-se com a realidade e deixe de se comportar como um mimadinho. Trabalhe, sirva e ame.

Frase que enfraquece: Filho, jogue seus problemas para o universo que ele conspirará a seu favor.
Frase que fortalece: Filho, responsabilize-se pelos seus problemas. Ore, trabalhe, sirva os outros e ame verdadeiramente.

Se compreendermos que a linguagem não é somente descritiva dos fenômenos do mundo, mas também gerativa de percepções, crenças, imaginações e desejos, poderemos ter um vislumbre do quão nocivas podem ser as primeiras frases, caso nossos filhos as levem seriamente em consideração.

Quanto mais lisonjeada por pais e educadores, mais a juventude se torna estúpida e incapaz, anunciando uma maturidade de ressentidos, invejosos e fracassados.
- Olavo de Carvalho

Voltando à geração X é bom recordar que esta é a única que vivenciou a transição entre dois mundos bem distintos e seus membros tiveram sua historicidade dividida em duas fases. A primeira delas foi vivida sem a presença da internet, das mídias sociais e da explosão tecnológica, e consequentemente, sem a sobrecarga de informações advinda da revolução digital ocorrida na segunda fase de suas vidas.  Sem dúvidas, muitos pais sequer imaginaram as possíveis consequências negativas oriundas da intensa exposição aos recursos tecnológicos, e concederam aos seus filhos uma liberdade excessiva no interior da matrix. Muitas crianças foram e continuam sendo abandonadas aos jogos de videogame, aos tablets, aos celulares e aos youtubers que invadem suas mentes com uma estarrecedora naturalidade que faria estremecer de indignação nossos bisavós. Sim, diariamente nossos filhos podem ter acesso irrestrito à estranhos, que ajudam a moldar seus cérebros; suas consciências; seus gostos; e suas certezas, degenerando homeopaticamente qualquer resíduo de esperança na construção de filhos fortes, virtuosos e não contaminados com ideias perigosas. 

Além da citada deterioração do caráter e da personalidade de nossos jovens, outra consequência nefasta deste comportamento é o desenvolvimento do vício. Dados empíricos advindos de muitas pesquisas sérias afirmam que, pelo menos 25% dos nossos jovens estão seriamente viciados em tecnologia, e as consequências desse fato são desastrosas. Isso sem falar na devastação cognitiva que vitimiza a todos que se viciam diariamente ao mergulharem compulsivamente nas telas.

O neurocientista francês Michel Desmurget realizou um vastíssimo trabalho de compilação dos mais impactantes artigos científicos publicados nas últimas duas décadas e que versam sobre o impacto da tecnologia em nossos filhos. Na orelha de seu livro A fábrica de cretinos digitais: Os perigos das telas para as nossas crianças, já somos apresentados ao que encontraremos no decorrer de suas trezentas e cinquenta páginas:

Os jovens de hoje são a primeira geração da história com o QI mais baixo do que a anterior. E isso está diretamente relacionado ao tempo de exposição às telas: estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.

Em média, crianças de 2 anos passam quase três horas por dia em frente às telas; crianças de 8, cerca de cinco horas; e adolescentes, mais de sete horas.

Isso significa que antes de completar 18 anos, nossos filhos terão passado o equivalente a 30 anos letivos em frente às telas, ou, se preferir, 16 anos de trabalho em tempo integral!

Este livro faz um alerta ao demonstrar, por meio de estudos conduzidos em todo mundo, como estamos colocando em risco o futuro e o desenvolvimento de nossos filhos.

Eu acrescentaria: Como estamos destruindo as bases da civilização ocidental e levando-a a passos largos para a sua total aniquilação!

Num passado não muito distante as famílias eram bem mais numerosas. Irmãos mais velhos ajudavam a cuidar dos irmãos mais novos. A mãe geralmente ensinava a filha a cuidar de seu primeiro rebento e era prática rotineira o primogênito ser educado por sua avó. Tios, tias, primos, sobrinhos e agregados eram mais próximos, e a educação se concretizava na presença contínua dos familiares. Já a família contemporânea sofreu uma significativa redução e muitas de suas bases foram solapadas pelo marxismo cultural, mas isso é assunto para um outro artigo. 

Sabemos que muitos casais pós-modernos optaram por não ter filhos, afinal, essas criaturinhas atrapalham o bom andamento da vida. São muito dependentes, birrentos e barulhentos! Mas, como a vida a dois pode cair em uma rotina perversa, alguns pares românticos, desejosos de constituir uma sólida família, optaram por adotar um cãozinho labrador. Aqueles poucos que não tiveram o seu conceito de família tão perversamente degenerado, decidiram ter um ou no máximo dois filhos. Some-se a isso a “emancipação” da mulher e sua tão sonhada ascensão ao mercado de trabalho e o cenário estava montado para o drama vivido por muitas crianças oriundas desses novos tempos. Famílias pequenas; falta de tempo com o pai - e agora também com a mãe -; profundas influências negativas externas; excesso de tecnologia e educação escolar de qualidade duvidosa definitivamente não é uma mistura saudável para nenhuma criança. Como visto acima, a consequência disso foi a produção em grande escala de seres adictos e despreparados para o convívio social. 

A geração X também alimentou a crença de que a ausência de tempo para os filhos poderia ser suprida por uma boa escola, e gradativamente terceirizou a educação das crianças aos professores que, na maioria das vezes, eram e continuam sendo quase que totalmente desconhecidos dos pais. Essa terceirização não atentou para um outro problema que começava a ser gestado durante a década de 1990. Este foi o período de disseminação da praga da pedagogia socioconstrutivista, que associada às ideias estapafúrdias de nosso tão badalado patrono da educação Paulo Freire, começou a se alastrar e vitimou milhões de almas, patrocinando a gradativa imbecilização de duas gerações de jovens brasileiros: a geração Y (millenialls), composta dos nascidos entre 1985 e 1999; e a geração Z, que veio ao mundo a partir dos anos 2000. 

Digno de nota é o trabalho corajoso da professora Kátia Simone Benedetti, compilado no seu excelente livro A falácia socioconstrutivista: Por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e escrever? Como de costume, a professora já mostra ao que veio na orelha e na contracapa de seu livro:

O relativismo pedagógico e a tendência de se problematizar quaisquer aspectos do processo ensino-aprendizagem levaram à completa permissividade pedagógica. A necessidade pós-modernista de discutir e tecer ‘reflexões’ sobre qualquer aspecto da realidade social serviu apenas para dificultar e obscurecer os objetivos e metas da ação pedagógica, retirando-lhe seus principais instrumentos de intervenção: transmissão de conteúdos, correção e avaliação. Não apenas não se ensina mais, esperando que as próprias crianças “elaborem suas hipóteses” e “construam seu conhecimento”, como também não se corrige mais, esperando que as crianças o façam por si mesmas. 

Os dois grandes flagelos da educação brasileira, seja pública ou privada, são a indisciplina e a incapacidade de leitura e escrita dos alunos, que chegam aos anos finais do ensino fundamental sem as noções mais básicas do processo de alfabetização. Isso é resultado da maneira como foram alfabetizados, e de como o ensino da língua foi abordado pelos currículos do ensino fundamental. São sequelas decorrentes da metodologia global socioconstrutivista e da abordagem sociointeracionista do ensino de língua portuguesa, ambas inteiramente contrárias à natureza neurobiológica do aprendizado da escrita e da compreensão leitora.

Para aqueles que ainda creem que tudo isso não passa de alarmismo, convido a investigar com um pouco mais de atenção os resultados da última década do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Lá será possível constatar a desgraça ocorrida no Brasil desde a disseminação da referida praga e o ônus que está sendo pago por gerações de jovens que foram usados como ratos de laboratório nessa irresponsável engenharia social patrocinada por progressistas bisonhos. 

Para os mais desejosos de informação consistente e honesta indico também a maravilhosa trilogia Pátria Educadora assim como a não menos incrível e assustadora série Unitopia, ambas produzidas pela Brasil Paralelo. Na primeira série, entre as inúmeras barbaridades retratadas, desnuda-se a irresponsável atuação de “especialistas” em educação que insistiram que nossas crianças tinham o direito de “ter voz e criticar”, antes que estivessem biologicamente e psiquicamente aptas a manifestar o mínimo arremedo de compreensão da enorme complexidade do tecido social em que estão inseridas. Para esses especialistas as crianças deveriam ser educadas com conteúdos “que fizessem sentido para elas” - herança maligna de Paulo Freire -, e que o pensamento crítico deveria ser estimulado desde a mais tenra idade. Além disso, nossos filhos deveriam ser protegidos dos malvados professores conteudistas, que as obrigavam a decorar a tabuada, assim como a conjugação dos verbos de sua língua mãe. Onde já se viu tamanha petulância!

Hoje, de fato, raramente se encontra um jovem que não queira, antes de tudo, “transformar o mundo”, e que, em função desse parti pris, não adie para as calendas gregas o dever de perguntar o que é o mundo.
- Olavo de Carvalho

Quanto à série Unitopia, prepare-se para conhecer à antessala do inferno. Você fará uma viagem a um submundo assustador chamado universidade, e que muitos ainda insistem em chamar de reino do conhecimento e da verdade, quando, de fato, é um império de imbecilização progressiva, desinformação criminosa e lavagem cerebral programada, ainda que possa haver honrosas exceções. 

Mas, um segredo deve ser revelado. É fato inconteste que todos nós cometemos equívocos em nossas vidas, mesmo não tendo a intenção de errar. Confesso com muito pesar que outrora já fui admirador de Freire, Vygotsky, Emília Ferreiro, Piaget e os demais membros da patotinha socioconstrutivista. Não ria caro leitor! Atire a primeira pedra se nunca pecastes!  Contudo, é esperado de pessoas maduras que, uma vez percebido o erro, tenham a coragem e a dignidade de reajustar as velas e corrigir os rumos da jornada. Não existe demérito algum nisso. Pecado maior é ter acesso às mais recentes pesquisas científicas advindas do campo das neurociências e da psicologia cognitiva e desprezar os dados empíricos que atestam a confusão dos infernos que essa sequência assustadora de equívocos metodológicos produziu no cérebro de nossas crianças. 

Como estamos vendo, há hoje disponível no mercado editorial brasileiro muitos títulos relevantes que tratam deste assunto com a honestidade intelectual que se faz necessária. Os neurônios da leitura: Como a ciência explica nossa capacidade de ler, do neurocientista francês Stanislas Dehaene, é outra obra que não deveria faltar na estante de todos aqueles que se preocupam com os rumos da educação e da cultura brasileira e, consequentemente, com o futuro de nossas crianças. Fica aí mais uma dica.

Sempre digno de menção são as certeiras “profecias” do Olavo, que muito antes do alerta dos psicólogos cognitivos, neurocientistas e professores despertos já nos alertava sobre os perigos que pairavam no horizonte:

A importância da humildade no aprendizado já era enfatizada, na Idade Média, por Hugo de São Vítor, um dos maiores educadores de todos os tempos. Humildade significa, no fundo, apenas senso do real. O culto universal da juventude obscureceu essa verdade óbvia a ponto de que todo mundo já acha natural esperar que, aos 15 ou 18 anos, um sujeito tenha opiniões sobre todas as coisas e, miraculosamente, elas estejam mais certas que a de seus pais e avós. O resultado dessa crença generalizada é desastroso: todos os movimentos totalitários e genocidas dos últimos séculos – comunismo, nazismo, radicalismo islâmico etc. – foram criações de jovens, e sua militância foi colhida maciçamente nas universidades.

O culto da juventude traz, como um de seus componentes essenciais, o desprezo pelo conhecimento: se ao sair da adolescência o sujeito já traz na cabeça todas as ideias certas, para que continuar estudando?
- Olavo de Carvalho

A belíssima ciência da psicologia também tem sofrido com a propagação de teorias moderninhas que apregoam “verdades” que fariam Platão, Aristóteles, Freud, Jung, Dostoievski, Dante, Shakespeare e cia duvidarem, da até então, badalada inteligência do Homo sapiens. As certezas com que alguns profissionais destilam suas lições aos pais tem colaborado para a amplificação da inércia, do medo e da irresponsabilidade de todos aqueles genitores que concedem atenção a esses argumentos falaciosos, infantilizados, românticos e totalmente desprovidos de fundamentação empírica. Há alguns anos, navegando pelo Instagram, encontrei mais um daqueles perfis repletos de “sábias orientações” para pais de crianças. Na época a influenciadora contava com 400 mil seguidores, atualmente quase quatro milhões de pessoas a seguem. Entre as pérolas encontradas no perfil é possível encontrar ideias como esta abaixo, que inclusive já foi utilizada em um outro artigo meu intitulado A subversão da obediência:

Obediência ensina a dependência
a não se impor nem opinar,
a ser uma pessoa passiva
a não ter responsabilidade por suas ações,
porque alguém mandou
Além disso, a criança não se torna proativa,
já que precisa esperar ordens
Tem medo de errar quando está por conta própria

Essas “teorias psicológicas moderninhas” têm apregoado benefícios que não gozam de nenhuma fundamentação prática, nem tampouco científica, e desde o advento desses modismos ideologizados só temos observado retrocessos. Os níveis de desobediência escolar são altíssimos; nossa cultura sucumbe agonizante atolada até o pescoço no lodo da mediocridade; e a saúde mental de nossos filhos vai de mal a pior uma vez que a incidência de depressão e suicídio entre os jovens atinge níveis alarmantes. Sorte nossa ainda poder contar com algumas poucas mentes lúcidas que se opõe corajosamente a todo tipo de loucura pós-moderna, como Jordan Peterson:

Regras claras produzem crianças seguras e pais calmos e racionais. Princípios claros, disciplina e punição equilibram a compaixão e a justiça para que o desenvolvimento social e a maturidade psicológica possam ser promovidos da melhor forma possível. Regras claras e disciplina apropriada ajudam a criança, a família e a sociedade a estabelecerem, manterem e expandirem a ordem, que é tudo aquilo que nos protege do caos e terror do submundo, em que tudo é incerto, desesperançoso, deprimente e provoca ansiedade. Não há presente melhor que pais comprometidos e corajosos possam oferecer.
- Jordan B. Peterson

Como dito anteriormente, a primeira geração vitimada pela somatória de fatores até aqui discutidos foi a dos millennials ou geração Y. Esses jovens já se encontram no mercado de trabalho há muitos anos, mas, diferente das previsões dos adeptos da Nova Era, que na década de 1990 os colocavam no patamar de crianças especiais que salvariam a humanidade - crianças índigo - possuem características que destoam muito das profecias da turminha da gratiluz. A maioria dos empresários oriundos da geração X, ou da que a antecedeu, os Baby Boomers, são quase unânimes em afirmar que os millennials foram jovens mimados, difíceis de gerenciar, apresentaram e ainda demonstram comportamentos narcisistas e egoístas, são fechados em si mesmos, sem foco e preguiçosos e não aparentam estar felizes. Apesar disso, alguns continuam afirmando querer “impactar o mundo” e ainda desejam “trabalhar em um lugar com propósito”. Todavia, eles não foram educados para pensar profundamente sobre essas questões e, provavelmente não estão aptos a definir termos como: princípios, valores, virtude e propósito. Com relação à geração Z as apreciações são ainda mais desanimadoras. A maioria nem sequer sabe ler corretamente. Contudo, vamos focar somente nos millennials, a prova viva do fracasso de uma promessa.

Concordo com a análise que Simon Oliver Sinek faz da geração millennials. Para ele, as crianças millennials foram vítimas da somatória de múltiplos fatores. Nasceram no seio de um mundo novo onde o virtual se mistura ao real. Por não terem sido responsavelmente orientados, aprenderam a colocar filtros nas fotos e estenderam essa habilidade para a vida. Desenvolveram uma baixa tolerância ao fracasso e com isso se enfurecem quando não conseguem mostrar ao mundo como suas vidas são fantásticas, ainda que estejam tristes, deprimidos e ansiosos. 

Muitos membros da geração Y fazem questão de se mostrarem fortes, ainda que sejam francamente dependentes da estima e da aprovação de terceiros. Viciados em tecnologia tornaram-se dependentes químicos da dopamina liberada a cada like recebido, ainda que a maioria das suas postagens seja fútil e banal. Muitos estenderam sua dependência aos psicofármacos, ao álcool e às drogas ilícitas, cada vez mais presentes, inclusive nas salas de aulas das faculdades. Por conta disso, não aprenderam a formar relacionamentos sociais verdadeiros e consistentes e muitos admitem que suas relações intersubjetivas são superficiais.

Uma vez que foram criados dentro do ambiente virtual, acostumaram-se ao imediatismo e tornaram-se francamente impacientes com tudo que não os presenteie com gratificações instantâneas. Súditos do império do imediato não toleram nada que não esteja a um click de distância. Miram o pico da montanha, mas entediam-se facilmente com os primeiros passos da escalada. Logo, não veem sentido na jornada da vida. Não compreendem o simbolismo do sacrifício. Negam verdades há muito compreendidas pelos nossos antepassados, como a assimetria entre dor e prazer, afinal, uma enxaqueca pode durar dias, enquanto um orgasmo não passará de alguns míseros segundos. 

A não compreensão dessa obviedade da existência tem aumentado muito os índices de depressão e suicídio entre os jovens que não conseguem enxergar sentido em suas existências. Some-se a isso as bobagens que os pais lhe falaram durante suas infâncias e adolescências e a tragédia está quase totalmente configurada. 

Seus pais lhe disseram que eram especiais e que poderiam fazer qualquer coisa na vida. Muitos millennials frequentaram classes especiais, nem sempre por mérito, mas porque seus pais reclamaram, e a escola submissa e dependente da mensalidade paga pelo pai barraqueiro, acatou seus chiliques e “promoveu” o pobre guri a uma categoria que não lhe pertencia. Outros obtiveram muitas notas dez, não por merecimento, mas porque os professores ficaram com medo dos pais. Outros tantos colecionaram dezenas de medalhas de participação, mesmo chegando em último lugar, pois evitou-se ao máximo traumatizá-los com a experiência da perda. 

O último capítulo da referida tragédia se concretizou com a chegada dos millennials ao mercado de trabalho. Neste derradeiro momento perceberam que não eram especiais e que seus pais não iam ajudá-los a conseguir uma promoção. Foram demitidos quando chegaram em último e não bateram a meta, e constataram com perplexidade a inexistência das famigeradas medalhinhas de participação. Conscientizaram-se também, de que não poderiam conquistar nada só pelo fato de desejar conseguir, e a falta do conhecimento das sábias histórias bíblicas começou a se fazer sentir. Tudo isso feriu profundamente a autoimagem do jovem Y e provocou, em muitos deles, o aparecimento de psicopatologias. 

Como se não fosse o suficiente, o cáustico ambiente corporativo reforçou e continua a reforçar seus vícios quando defende loucamente a inovação e a criatividade em detrimento da tradição e dos bons costumes. Estimula o uso de tecnologias e alimenta a necessidade das vídeo conferências, mesmo quando todos os integrantes da equipe encontram-se no mesmo edifício, e não se importa com o uso dos celulares durante as poucas reuniões presenciais. Isso sem falar que as gerações Y e Z, juntamente com grande parte das empresas, sucumbiram ao politicamente correto e às tentativas de subversão da linguagem, fenômeno perigosíssimo - que passa despercebido no inconsciente das massas – considerando que toda a intenção totalitarista tem início pela gradativa mudança da linguagem e pelo cerceamento da liberdade de expressão que já é um fato consumado em nosso país.

O que fizemos com nossas crianças? Os transformamos em protagonistas do vazio, do imenso nada. Por que desandamos assim na criação de nossos filhos? Talvez porque quisemos nos rebelar contra nossos pais, avós e toda a nossa ancestralidade de maneira bem imatura, ressentida e infantilmente revoltada. Talvez porque nos tornamos seres anódinos, preguiçosos, medrosos, intelectualmente deficitários e altamente manipuláveis. Talvez porque não refletimos sobre isso e nos deixamos assoberbar pela louca rotina da contemporaneidade. Ou talvez por termos sucumbido a todos estes fenômenos juntos. 

A verdade é que nunca se deu tanta importância às crianças e aos jovens e, ao mesmo tempo, nunca vivenciamos tempos de tão intenso sofrimento psíquico que acomete as novas gerações. Criamos crianças que se tornaram adultos mimados, ressentidos, com baixa resistência à frustração e, por consequência de tudo isso, adultos fracos.

Se no passado nossos familiares eram nossos mestres e com sua presença e experiência nos ensinavam a ser pais corajosos, atualmente tudo ficou mais obscuro, confuso e desafiador. Pais corajosos precisam assumir suas dificuldades e investir tempo e dinheiro para estudar e se preparar para o gigantesco desafio que é educar filhos na pós-modernidade.  Se no passado era mais difícil manter os filhos vivos, no presente é mais desafiador mantê-los sãos mentalmente e virtuosos moralmente.

Sim, no Brasil, cultura e inteligência são coisas para depois da aposentadoria. Quando todas as decisões estiverem tomadas, quando a massa de seus efeitos tiver se adensado numa torrente irresistível e a existência entrar decisivamente na sua etapa final de declínio, aí o cidadão pensará em adquirir conhecimento – um conhecimento que, a essa altura, só poderá servir para lhe informar o que deveria ter feito e não fez. Antevendo as dores inúteis do arrependimento tardio, ele então fugirá instintivamente do confronto, abstendo-se de julgar sua vida à luz do que agora sabe.
- Olavo de Carvalho

Neste mês de outubro, onde comemoramos o Dia das Crianças, que possamos repensar nossas condutas, nossos vícios, nossos medos e nossas potenciais virtudes. Que sejamos os pais que nossos filhos merecem. Que possamos assumir nossos equívocos e, com coragem, reassumir o papel de pais que nunca deveríamos ter abandonado.