Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.
O avanço das tecnologias de informação trouxe inovações importantes para a segurança pública que se tornaram cada vez mais presentes nas cidades e nas estratégias de combate ao crime, como:
No entanto, a aquisição de tecnologia não deve ser confundida com a implementação de políticas públicas.
A tecnologia é uma poderosa ferramenta e parte integrante de diversas políticas de segurança, mas nunca sua substituta.
Ela não substitui duas figuras determinantes: a liderança política e o formulador de políticas públicas (policymaker). Este é um erro que muitos políticos e governos vêm cometendo no Brasil.
Ao colocar a tecnologia como "sinônimo" de política pública de segurança, governos caem na armadilha de acreditar que a aquisição de câmeras ou softwares sofisticados é suficiente para resolver problemas criminais complexos.
As evidências demonstram que as soluções exigem muito mais do que a mera aquisição de tecnologia.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) possui um repositório de políticas públicas baseadas em evidências, que reúne e analisa mais de 700 casos de políticas implementadas em 62 países diferentes, abrangendo eixos como policiamento, segurança urbana, prevenção criminal e reinserção de presos.
Essas análises revelam que as políticas baseadas apenas na aquisição de tecnologia, como câmeras de monitoramento, geração de alertas de veículos ou câmeras corporais para policiais, possuem, de forma geral, baixo desempenho.
A maioria foi classificada nas categorias "misto", em que há evidências tanto positivas quanto negativas, logo, não conclusivas, ou na categoria "sem efeito", onde a tecnologia não apresentou efetividade na resolução do problema criminal.
Por outro lado, as políticas baseadas em modelos de "policiamento orientado a problemas" e/ou "gestão de resultados" tiveram avaliações positivas, nas quais a maioria das evidências apontam para um efetivo controle de diferentes tipos de problemas criminais, tais como:
Ou ainda problemas de desordem, como:
A maioria das políticas bem avaliadas utilizaram recursos tecnológicos, mas não como "base ou fim" da política, e sim como "meio" para identificar problemas criminais, apoiar o trabalho policial/judicial e, principalmente, para a fase de avaliação da política.
Inclusive, no controle de abusos, que mesmo ocorrendo em poucos casos, exige rápida identificação e punição para não afetar a legitimidade do corpo policial e da própria política pública.
As evidências do BID e da maioria da literatura demonstram que o sucesso está na capacidade da liderança política em promover uma formulação técnica, que defina corretamente os alvos e beneficiários da política, e exerça um real controle de resultados.
Políticas de segurança dependem muito dessa liderança do chefe do Executivo, seja ele presidente, governador ou prefeito.
Por serem eleitos, possuem o "mandato da sociedade" para definir a agenda de segurança pública e assumir a responsabilidade política pelas escolhas realizadas.
Na prática, a definição da agenda envolve fazer escolhas sobre "quais vítimas serão priorizadas", em dilemas como: colocar mais recursos na prevenção ou na investigação de crimes violentos? Investir na manutenção de criminosos presos ou em programas de ressocialização fora das cadeias? Focar no controle de corrupção ou de abusos policiais?
É evidente que a resposta intuitiva para todas essas questões é dizer que tudo é prioridade, mas sabemos que, quando tudo é prioridade, nada é prioridade.
No mundo real, os problemas competem pelos mesmos recursos e atenção, ainda mais neste caso, dado que os recursos da polícia e da justiça criminal são limitados, por serem caros e difíceis de formar e/ou adquirir.
É aqui que entra o papel dos formuladores de políticas públicas de segurança.
Cabe a eles reunir dados sobre todos os problemas criminais que afetam a população, entender a lógica e o funcionamento ordinário das polícias, da justiça criminal e do sistema prisional, avaliar as necessidades e buscar fontes de recursos físicos, humanos e financeiros para as soluções.
Identificar riscos jurídicos e administrativos e construir atos normativos para contê-los. Também é função deles envolver agências e stakeholders, dentro e fora do Estado, necessários para o sucesso da política. E, por fim, criar mecanismos de controle externo e de accountability.
O produto final dos formuladores de políticas é organizar um conjunto de soluções que contemple todos os problemas criminais, obviamente hierarquizando-os por prioridades e definindo diferentes prazos e tipos de respostas, de forma a viabilizar a tomada de decisão pelos chefes do Executivo ou por quem possui sua delegação direta, como os secretários de segurança pública.
Acabei de descrever as fases de agenda e formulação de políticas públicas de segurança.
Somente depois da liderança agir e os formuladores de políticas construírem a política é que entra a tecnologia.
Ela é o meio moderno que viabiliza os processos de implementação das políticas, realizados essencialmente pelas polícias, e depois os processos de avaliação, realizado pela liderança e pela sociedade.
Por isso, decisões sobre políticas públicas de segurança não podem ser "delegadas" para uma tecnologia.
Somente os chefes do Executivo possuem o poder (delegado pela sociedade) para fazer esse tipo de escolha.
Só eles têm como assumir a responsabilidade política por essas escolhas. Serão mantidos ou retirados do cargo na próxima eleição, dependendo da escolha e da sua capacidade de executá-la de forma legal e eficiente.
Este é o modelo de sucesso consagrado há décadas no controle de crimes, tendo Nova York, nos anos 1990, como seu principal ícone, onde os conceitos de liderança política, do formulador de políticas e da tecnologia foram eternizados, respectivamente, nas figuras do prefeito Rudolph Giuliani, no comissário William Bratton, e no sistema CompStat (acrônimo em inglês de computador e estatística), a tecnologia inovadora da época.
Assim, não podemos mais cair no conto da "tecnologia salvadora". Ela costuma ser utilizada nas eleições ou em governos para esconder o desconhecimento ou a incapacidade do líder político em relação ao tema e à sua incapacidade de formar ou atrair bons formuladores de políticas para a equipe.