Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.
No estudo da biologia a célula é considerada a menor unidade estrutural funcional dos seres vivos. No estudo da linguagem, as letras e seus respectivos fonemas são também considerados as menores unidades funcionais para que a comunicação humana se estabeleça de uma maneira sólida e consistente.
E no estudo da sociologia é a família que recebe a incumbência de ser a menor unidade estrutural da sociedade. Sendo assim, cabe à família apresentar às suas crianças tudo aquilo que há de melhor e mais caro na história das civilizações.
Cabe à família a transmissão dos valores e dos comportamentos que, uma vez testados no tempo, mostraram-se úteis para a coesão da sociedade e a harmonia entre os povos.
Entretanto, nem todas as famílias, ou melhor, pouquíssimas famílias cuidam de um aspecto básico de toda e qualquer socialização saudável: o estabelecimento claro de regras de convivência.
Se você mora em um condomínio, muito provavelmente já se deparou com uma lista de regras afixadas em algum lugar de fácil visualização.
Essas regras são comumente debatidas nas famosas e nem sempre pacíficas convenções condominiais, e permitem aos moradores ter maiores chances de estabelecer convivências pautadas no respeito mútuo.
Ao sairmos de carro do referido condomínio somos protegidos por leis de trânsito que, se não garantem totalmente a nossa segurança, sem dúvida reduzem de maneira radical os acidentes.
E depois de um dia de trabalho, é possível que tenhamos tido contato com algumas dezenas de regras escritas que facilitam extraordinariamente a nossa vida.
As regras escritas são encontradas em todas as civilizações e nos mais diversos contextos. Começando com o Código de Hamurabi no império babilônico, entre 1792 e 1750 a. C, e passando pelos dez mandamentos, hoje temos códigos, estatutos, regras e leis para quase tudo:
Código de Defesa do Consumidor; Código Penal; Código Civil; Estatuto da Criança e do Adolescente; Estatuto do Idoso; Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil; Conselhos Regionais, Estaduais e Federais de diversas profissões; Constituição da República Federativa do Brasil, entre tantos outros.
Sendo assim, se a família é de fato a menor unidade estrutural funcional da sociedade, não deveria ela ser a primeira a providenciar uma miniconstituição com o intuito de reger e facilitar as ações de seus integrantes? E qual seria o preço pago pela inexistência deste documento?
Atuando como Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar pelos últimos vinte anos posso garantir que a ausência de regras escritas é, sem dúvida alguma, uma das maiores responsáveis pela total desordem e consequente geração de conflitos no seio de muitos lares.
As desculpas para não elaborar tais regras são múltiplas e variadas, mas quase sempre passam pela crença de que, se os pais proferem uma ordem verbal aos filhos, estes devem ter a obrigação de entender o recado, armazená-lo imediatamente em suas memórias e jamais agir na contramão da regra proclamada.
Nada mais distante da realidade do Homo Sapiens; nada mais avesso à natureza do comportamento humano.
Hábitos necessitam de tempo para serem introjetados e a virtude é conquistada por meio de repetições diárias das condutas que nos aproximam do bem, da verdade e da beleza.
Escrever os acordos e revisitá-los constantemente em reuniões familiares facilita o estabelecimento de uma linguagem compartilhada entre pais e filhos e prepara os jovens para compreender a necessidade de honrar os compromissos previamente firmados.
A inexistência de regras escritas facilita a instalação do caos e da desordem, pois faz com que cada membro acredite compreender a realidade circundante de maneira mais correta do que o outro. Sem um balizamento prévio, cada qual atuará tendo suas crenças, seus desejos e suas expectativas como bússolas orientadoras de sua conduta.
Isso, invariavelmente, dará à luz a uma quantidade interminável de conflitos, mal-entendidos e desavenças que acabarão corroendo as relações familiares e gerando decepções e tristezas.
“Mas, Danuca, minha família nunca escreveu regras e nós convivemos muito bem”. Que ótimo! Famílias como a sua realmente existem e são oriundas de inúmeras circunstâncias que facilitam a paz e a serenidade. Contudo, acredite, famílias assim são exceções.
Mas, a tarefa de escrever uma miniconstituição familiar não é tão simples, pois pressupõe que os integrantes da família e, principalmente os pais, tenham conhecimento do significado e da aplicação de termos comumente usados no senso comum, mas, quase sempre mal compreendidos: princípios, valores e virtudes.
São eles que nortearão o texto e ajudarão a família a atingir níveis elevados de coesão e companheirismo. Eles também serão assuntos dos próximos artigos. Mas, creio que isso não seja um empecilho para que você comece a esboçar junto com seus entes queridos a sua miniconstituição. Que tal fazê-lo?
Espero você na semana que vem.