João Henrique

Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.

Como a IA pode ajudar a nos proteger

Se atender aos dois critérios elementares – compromisso com acurácia e controle interno –, a IA será uma peça fundamental na melhoria da segurança pública no Brasil.

João Henrique

O uso de Inteligência Artificial (IA) na segurança pública é bem-vindo e necessário, sendo fundamental para aumentar a eficiência e a precisão do trabalho policial na tarefa de nos proteger

Câmeras com vídeo analítico, que identificam placas ou analisam comportamentos, estão disponíveis há um bom tempo no mercado, assim como soluções de análise de áudio para compreender contextos e identificar suspeitos. 

Soluções para identificar e combater cybercrimes nas redes sociais ou na deep web também têm avançado muito.

Essas são as partes mais visíveis e famosas do emprego da IA. No entanto, há recursos de IA que podem causar uma disrupção ainda maior na segurança pública

Os modelos de policiamento preditivo têm o potencial de diminuir, talvez até quase extinguir, as chances de sermos vítimas de crimes violentos nas ruas.

Como isso seria possível? Basicamente, passando do big data para o small data. Por décadas, as polícias se empenharam em criar bandos de dados sobre registro de dados criminais. 

Há terabytes de registros de chamadas de emergência (190), boletins de ocorrência em delegacias, denúncias em sistemas como o 181 e, cada vez mais, relatos de vitimização em redes sociais.

Entretanto, esses dados quase nunca são analisados em conjunto para tentar identificar padrões de incidência. 

Hoje, ainda é necessário que um criminoso ou um grupo de criminosos cometam o mesmo crime 5, 10 ou 20 vezes no mesmo local para que um padrão seja reconhecido e provoque uma atuação direcionada de policiamento ou investigação.

O uso de IA tem o potencial de identificar um evento na segunda ou terceira vítima e, com uma análise acurada de contextos, pode identificar padrões mesmo em crimes tentados

Por exemplo, se um estuprador tenta agarrar mulheres em um ponto de ônibus e conduzi-las a um lugar ermo, mas nas duas ou três primeiras tentativas a reação das mulheres impede o crime e todas relatam o ocorrido, ainda que em fontes diferentes, temos aí um padrão para atuação policial

Ou seja, não precisamos esperar que vítimas sejam enfileiradas para que um padrão criminal e uma resposta policial sejam acionados. A fusão de dados e a análise acurada de contexto pode evitar tragédias pessoais e salvar vidas

A IA pode fazer isso por meio de processos complexos de metabusca, fusão de dados texto-texto e imagem-texto, estruturação de dados por problemas criminais, entre outros processos que envolvem recursos como machine learning e processamento de linguagem natural.

Além de análise semântica e sintática sobre o contexto de eventos em múltiplas bases de dados, hoje viáveis pelo emprego de recursos como a IA generativa focada na identificação de padrões de vitimização.

Hoje isso ainda não ocorre, mas já é possível devido ao avanço da IA. No entanto, para que esse desenvolvimento e implementação ocorram com sucesso, os policymakers da segurança pública têm dois desafios a vencer

O primeiro é de método-tecnologia, construir modelos muito bem acurados de predição; o segundo é de governança jurídica, construir modelos de controle interno e externo que evitem o uso indevido da IA.

O controle não pode ser negligenciado, nem terceirizado. São os policymakers e as próprias polícias que precisam construir e demonstrar à sociedade que há medidas objetivas de garantia, que impedem ou diminuem significativamente o risco de uso indevido de dados pessoais ou de desvios de finalidade para uso privado (corrupção interna) ou político.

Atendendo a esses dois critérios elementares – compromisso com acurácia e controle interno –, a IA será uma peça fundamental na melhoria da segurança pública no Brasil.