João Henrique

Cientista político, com mais de 24 anos de experiência na formulação e gestão de políticas de controle do crime e da economia ilícita, para o setor público e privado, no Brasil e no exterior.

Câmeras corporais e reconhecimento facial.

A perspectiva política que ignora a violação dos direitos à intimidade dos policiais é a mesma que quer impedir qualquer tipo de reconhecimento facial de criminosos, sob a alegação de preservar "direitos à intimidade" e evitar "controle social".

João Henrique

O uso da tecnologia na segurança pública tornou-se um imperativo. É difícil pensar no trabalho policial e na produção de segurança sem banco de dados, tablets e celulares funcionais, câmeras de videomonitoramento, equipamentos táticos para fiscalização (etilômetro, decibelímetro, etc.) e treinamento, como os estandes de tiros ou pistas de tiros virtuais. 

Por outro lado, é na segurança onde o debate público sobre o uso de tecnologias invasivas é mais necessário

O uso intensivo de câmeras e sensores de monitoramento é um importante recurso para dissuadir os criminosos, ao mesmo tempo que possui o potencial de destruir o direito à intimidade e ser um instrumento de controle social e político poderoso

Basta lembrar que na obra distópica "1984", de George Orwell, o controle estatal era exercido através de televisores que funcionavam como câmeras de vigilância, permitindo ao "Partido" monitorar os cidadãos o tempo todo, sem que fossem percebidos.

Portanto, a tecnologia por si só não é boa ou má, mas a forma como ela é empregada por uma política pública define seu caráter

Essa é a questão, trata-se de um debate sobre princípios que definem e delimitam as regras de uso da tecnologia e não sobre a tecnologia em si. 

Os casos das câmeras corporais em policiais e da ampliação do reconhecimento facial são dois ótimos exemplos.

Gravar a vida do policial por 12 horas (turno de serviço) é um poderoso recurso para evitar abusos e erros policiais

Da mesma forma, realizar rastreamento facial contínuo e manter banco de dados biométricos de toda a população é um poderoso recurso dissuasório contra criminosos. No entanto, ambos violam o direito à intimidade e permitem o controle social. 

O debate público maduro é aquele que nos permite encontrar um ponto médio entre o direito à segurança e o direito à intimidade

Mas, infelizmente, não é o que tem ocorrido. O debate sobre princípios tem sido substituído pelo debate sobre "quem" pode e quem não pode ter direito à intimidade

Para a esquerda, câmeras corporais devem gravar o turno policial sem qualquer tipo de restrição, exatamente o que ocorria em São Paulo até 2023. 

Resultado: policiais femininas, ao entrarem em seu alojamento para ir ao banheiro, acabavam por filmar outras policiais se trocando; policiais (mulheres e homens) eram gravados ao entrar no banheiro, fazer suas refeições ou utilizar o WhatsApp em conversas particulares (a câmera fica na altura do peito).

Nem o Big Brother de George Orwell foi tão longe na violação dos direitos à intimidade e imagem. 

Mas, partidos de esquerda e defensores públicos têm ajuizado ações para impor esse tipo de "política" aos governadores

Esse mesmo grupo político que ignora a violação dos direitos à intimidade dos policiais, quer impedir qualquer tipo de reconhecimento facial, com recorrentes ações judiciais. 

A alegação: preservar "direitos à intimidade" e evitar "controle social". Não é um posicionamento a favor de direitos, mas contra qualquer direito aos policiais.

Não se pode substituir a "formulação de política pública" por compra de tecnologia. 

Controlar o abuso e o erro policial é necessário em todas as democracias e nenhuma delas faz isso gravando indiscriminadamente a vida do policial por 12 horas. 

Uma política requer qualificação contínua, suporte psicológico, identificação precoce de desvios e aplicação de medidas legais, garantindo o direito à defesa. A solução deve ser tão complexa quanto o problema

Assim como o reconhecimento facial deve ser aplicado em situações específicas, obedecidas as obrigações legais e com controle externo. 

As câmeras corporais devem ser utilizadas seguindo os mesmos critérios. Gravar a interação do policial com o público é fundamental, mas sem que isso represente uma acusação prévia. 

A câmera deve ser um instrumento de trabalho que colete provas, proteja o policial de falsas acusações (importante em tempos da woke "guerra contra a polícia"), que controle abuso e erro, mas que também faça reconhecimento facial de criminosos que passem pelo policial

Quando o debate se baseia em princípios, a solução sempre será a melhor.