Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.
Recentemente, navegando pelo Instagram, tive o desgosto de me deparar com uma psicóloga jovenzinha que, orgulhosa de seu cientificismo ingênuo, arrotava confiante seu pseudo saber.
A sabichona destilava críticas arrogantes à teoria dos quatro temperamentos, afirmando ser ultrapassada e que não goza de nenhuma evidência científica. Convido você a meditar comigo sobre esta gigantesca galhofa.
Qualquer pessoa que esteja minimamente inserida na realidade pode perceber, sem gastar muitas calorias, que ao seu redor orbitam indivíduos com características comportamentais bastante distintas.
Não é preciso ser um gênio para imaginar que esta percepção já deveria estar presente na mente do Adão, ou, caso você prefira, no ancestral comum que deu origem ao homem e a toda macacada.
Resumindo: Não é necessário nenhum tipo de comprovação científica para constatar esta obviedade acachapante.
Na medida em que os descendentes do Adão ou da referida macacada primordial foram ficando mais espertinhos, o desejo de classificar a turma em alguns tipos psicológicos só aumentou, e uma das mais antigas tentativas - ao menos no ocidente – é oriunda da antiguidade grega.
Foi Hipócrates, o pai da medicina (460-375 a.C.), que deu início a tudo isso. Ele acreditava que o corpo humano era composto de quatro tipos distintos de fluídos ou humores:
Muitos anos depois, Galeno (129-216 d.C.) hipotetizou que a porcentagem desses humores presentes no corpo humano poderia estar associada à maneira como as pessoas naturalmente reagiam aos estímulos externos.
Galeno estava buscando as causas biológicas para poder explicar as diferenças comportamentais presentes em todos nós e perceptíveis a todos aqueles que investiguem o comportamento humano.
Segundo Galeno:
Hoje sabemos que esses humores nada têm a ver com as características psicológicas que emergem de cada um dos quatro temperamentos.
No entanto, isso não extermina a existência de indivíduos fleumáticos, sanguíneos, coléricos e melancólicos que continuam a caminhar livremente pelo mundo, independente das causas biológicas de seus comportamentos.
Contudo, voltemos à nossa psicóloga sabichona. Faltou-lhe conhecimento básico que já era público na época dos gregos antigos; faltou-lhe leituras fundamentais como o Órganon de Aristóteles; faltou-lhe o conhecimento dos silogismos do filósofo estagirita; faltou-lhe o essencial que seu cronocentrismo despreza, logo, faltou-lhe tudo.
A psicóloga inteligentinha não conseguiu perceber essa obviedade lógica que qualquer criança bem treinada é capaz de intuir: Não é pelo fato de a premissa estar errada que a conclusão necessariamente também estará.
O fato da causa dos distintos temperamentos não ser a porcentagem dos humores que circulam dentro de nós, não nos obriga a negar a existência óbvia desses mesmos temperamentos.
Quem raciocina desta maneira joga fora o bebezinho junto com a água que serviu para banhá-lo e, infelizmente, isso é regra em muitas das universidades contemporâneas defensoras do historicismo, do anacronismo e do cronocentrismo.
“Mas, Danuca, eu pouco compreendo sobre este assunto. Fale um pouco mais, por favor!”.
Apesar de sermos muito diferentes uns dos outros, e apesar das nossas características físicas e psicológicas fazerem de nós indivíduos únicos, é inegável que podemos apresentar algumas características comuns.
Por exemplo, você pode ser anatomicamente e fisiologicamente muito diferente de mim, mas ambos podemos ser loiros, e a cor do nosso cabelo é advinda das nossas heranças congênitas.
Sendo assim, ainda que eu possa ser alto e você baixo; ainda que eu seja lento e você rápido; ainda que eu seja fraco e você forte, tem uma coisa que nos une: somos loiros.
O mesmo se dá com algumas características psicológicas provavelmente inatas, e a isso chamamos temperamentos.
Pensemos em alguns termos e frases que comumente usamos para descrever as pessoas que conhecemos, por exemplo:
Foi pensando nessas características que os primeiros psicólogos gregos sugeriram que poderíamos alocar as pessoas em quatro tipos psicológicos básicos:
Costumam exibir grande tendência à realização de ações consistentes. São enérgicos audaciosos, decididos, independentes, resolutos, otimistas e práticos.
Todavia, também podem ser irascíveis, insensíveis, vaidosos, prepotentes, impacientes, intolerantes e sarcásticos.
Esses seriam os coléricos, que podem ser facilmente encontrados em cargos de liderança.
Seu símbolo é o fogo que ilumina, aquece, se alastra, mas também pode queimar;
Apresentam grande tendência à ação, ainda que de forma inconsistente. São comunicativos, afáveis, compreensivos, simpáticos e bons companheiros.
Mas também podem ser medrosos, barulhentos, indisciplinados, volúveis, inseguros e medrosos.
Esses seriam os sanguíneos, que podem assumir funções de atores, vendedores, oradores.
Seu símbolo é o vento que, sem forma definida, faz com que se adaptem bem em qualquer lugar.
Podem ser refrescantes, mas o frescor é passageiro e pode passar dos limites do tolerável, virando uma ventania insuportável;
Apresentam grande capacidade adaptativa, o que pode impedir a ação e gerar certa letargia.
São calmos, bem-humorados, diplomáticos e responsáveis. Entretanto também podem ser desmotivados, pretensiosos, desconfiados, indecisos e muito introvertidos.
Esses seriam os fleumáticos, que demonstram habilidades para exercer as funções de professores, diplomatas, técnicos administrativos. Seu símbolo é a água.
Por isso se adaptam com facilidade a qualquer ambiente, tomando a forma do recipiente;
São altamente introspectivas e por isso mergulham profundamente em várias questões existenciais.
Apresentam pouca capacidade adaptativa. São sensíveis, altamente perfeccionistas, idealistas, leias, dedicados, minuciosos. Porém, também podem ser mal-humorados, inflexíveis, pessimistas, vingativos e antissociais.
Esses seriam os melancólicos, que podem exercer com facilidade a função de pensadores, filósofos, inventores.
Seu símbolo é a terra que apoia, da sustentação e solidez, mas pode ser marcada por longos períodos, como uma pegada fossilizada que é encontrada por arqueólogos.
É claro que existem centenas de outras características psicológicas que podem ser encontradas em todos nós, o que pode gerar uma miríade de outros temperamentos.
O rio da psicologia corre sem parar e muitas teorias brotaram do trabalho pioneiro de Hipócrates e Galeno, como as de
Diferente da tecnologia que se desenvolve verticalmente, o conhecimento psicológico se expande para os lados, e cada nova teoria do comportamento humano assemelha-se a uma peça de um grande quebra cabeças que, com o passar do tempo, pode tornar mais nítida a imagem que temos de nós mesmos.
Desprezar uma ou mais peças é, como dito anteriormente, assumir uma postura historicista, anacrônica e cronocêntrica, postura geralmente adotada por cientificistas soberbos que pouco ou quase nada compreendem da complexidade do comportamento humano.
Marcello Danucalov
Doutor em Ciências (psicobiologia);
Mestre em Farmacologia;
Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.