Dr. Marcello Danucalov

Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.

A subversão da obediência

Uma criança que não foi ensinada a obedecer, se transformará em um adulto frágil e psicologicamente abalado. Terá sérias dificuldades para hierarquizar a polifonia de vozes dentro de si, e isso a impedirá de obedecer ao seu EU interno mais virtuoso.

Dr. Marcello Danucalov

A obediência é um valor civilizatório, mas antes de justificar esta afirmação precisaremos abordar outras questões. 

Desde o nascimento da filosofia, há aproximadamente dois mil e setecentos anos, o homem vem investigando as características e o funcionamento da sua psique, e este estudo investigativo não poderia receber um nome mais apropriado: psicologia

Sim, amigo leitor, todo bom filósofo é também um psicólogo. Pensando bem, não seria totalmente equivocado atribuirmos o título de psicólogos aos grandes poetas como Homero e Hesíodo

Estes e inúmeros outros nos legaram sabedoria por meio dos belos mitos que sobrevivem até os dias de hoje. Porém, este assunto ficará para os próximos artigos. Vamos nos ater somente à filosofia e uma de suas criações, a psicologia. 

Parte do imaginário popular acredita que a psicologia é um campo do saber relativamente novo, contando somente cento e quarenta e cinco anos de existência. 

Muitos acreditam que sua origem deve ser fixada no ano de 1879, quando Wilhelm Wundt funda o Laboratório de Psicologia Experimental na Universidade de Leipzig, na Alemanha. 

Para alguns ingênuos, toda a história anterior da investigação da psique não pode ser chamada de psicologia, simplesmente por ter sido feita sem o auxílio dos métodos de investigação científica que surgiram no século XIX. 

Atualmente, autores como Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino foram quase que totalmente excluídos dos atuais currículos de formação de psicólogos, e suas ideias têm sido consideradas ultrapassadas e de pouca ou nenhuma utilidade para ajudar o homem contemporâneo a resolver os seus dilemas existenciais. 

Resumindo, para alguns "inteligentinhos", todo o conhecimento (logos) sobre a mente (psyque) desenvolvido anteriormente ao ano de 1879 deve ser descartado

Em outras palavras, devemos jogar fora a água do banho do bebê e, posteriormente, também descartar o recém-nascido no lixo

Mas afinal, o que a psicologia moderna trouxe de novo? Será que ela ajudou o homem a ser mais feliz?

Com seu auxílio, as relações entre as pessoas passaram a ser menos conflituosas do que eram, por exemplo, na Grécia antiga, nos tempos de Platão? 

A educação concedida pelos atuais pais aos seus filhos - muito pautada nas "novidades" disseminadas por influenciadores adeptos da ciência psicológica pós-moderna -, tem trazido melhores resultados do que aqueles outrora adquiridos pela educação clássica defendida por Aristóteles e Santo Tomás de Aquino

Costumo afirmar que, no que concerne à nossa humanidade ou desumanidade, no que tange às nossas dúvidas existenciais mais perturbadoras, no que diz respeito aos nossos dilemas internos mais profundos, a recente ciência psicológica tem contribuído com muito pouco ou quase nada

O mundo é muito antigo para crermos que grandes revoluções psicológicas, éticas ou morais possam ser feitas com o auxílio da metodologia investigativa moderna

Na maioria das vezes, as "descobertas da psicologia pós-moderna" só chancelam o que já sabíamos por meio do profundo exercício reflexivo filosófico que nos conecta com a realidade ou subvertem de maneira afoita e atabalhoada as práticas que já foram testadas no tempo e se provaram úteis quando aplicadas no tecido social

Isso é tão verdadeiro que basta olharmos os índices de suicídio, assim como a enorme prevalência de transtornos mentais que, desde o nascimento da tão badalada psicologia científica, só têm aumentado

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Mas, infelizmente, muitos psicólogos modernos são vitimados pelo seu pensamento cronocêntrico

O cronocentrismo é a crença de que o tempo em que vivemos é necessariamente melhor do que os tempos de outrora. 

Caracteriza-se pela maneira relativamente irracional de desconsiderar as sociedades passadas, seus saberes, seus costumes e sua lógica. 

Outra característica ingênua desses indivíduos cronocêntricos é se orgulharem de estarem "atualizados", simplesmente por terem concluído uma pós-graduação lato senso que verse sobre uma nova modinha psicopedagógica, ou por terem lido a orelha e a contracapa de um livro de psicologia positiva. 

Recordo-me de uma recente fala cronocêntrica proferida por uma psicóloga seguida por quase quatro milhões de pessoas, muitas delas pais e mães. 

Em um de seus posts publicados em uma grande mídia social, ela teceu elogios a si mesma devido a uma suposta atualização profissional que a colocava acima de seus colegas conservadores e ultrapassados

A referida influenciadora costuma fazer alusão aos malefícios da obediência. Em uma de suas publicações, é possível ler a seguinte opinião: 

"Obediência ensina a dependência,
a não se impor nem opinar,
a ser uma pessoa passiva,
a não ter responsabilidade por suas ações,
porque alguém mandou.
Além disso, a criança não se torna proativa,
já que precisa esperar ordens.
Tem medo de errar quando está por conta própria."

Não são necessários nem mesmo dois míseros neurônios para que possamos perceber com clareza avassaladora que, qualquer pai que leve a sério o pensamento acima, patrocinará a criação de verdadeiros monstrinhos

A obediência é, antes de qualquer coisa, um valor civilizatório! A obediência é uma virtude, e das mais elevadas

Diferente do que foi defendido, ser obediente não implica abdicar de sua identidade, não se impor, não opinar e tornar-se uma pessoa passiva

Se assim fosse, a humanidade inteira seria composta de seres anódinos, imaturos e medíocres, pois obedecer aos pais tem sido a norma desde as primeiras noites da criação, e uma considerável quantidade de gênios da humanidade, quer sejam filósofos, escritores, poetas, cientistas, foram educados com base na referida obediência, e nem por isso deixaram de nos legar maravilhosas obras. 

Essas "teorias psicológicas moderninhas" têm apregoado benefícios que não gozam de nenhuma fundamentação prática e nem tampouco científica, e desde o advento desses modismos ideologizados, só temos observado retrocessos. 

Os níveis de desobediência escolar são altíssimos, nossa cultura agoniza atolada até o pescoço no lodo da mediocridade, e a saúde mental de nossos filhos vai de mal a pior, uma vez que, como falado acima, a incidência de depressão e suicídio atinge níveis alarmantes e os jovens não ficam de fora dessas estatísticas.

Qualquer pessoa que já tenha devotado alguma atenção ao seu próprio pensamento deve ter percebido com facilidade a grande polifonia discursiva que habita nosso espaço interno

São dezenas de vozes que disputam a atenção da nossa consciência. Algumas delas são mais auspiciosas, outras nos causam vergonha. 

Quem nunca sentiu embaraço de algum pensamento sorrateiro que cruzou o céu da mente

Agora, reflita comigo, caro leitor, se quando somos crianças não aprendermos a obedecer àqueles que são dignos de nossa obediência - pais, familiares, professores, sacerdotes etc. -, como aprenderemos a hierarquizar nossas vozes internas para, então, obedecer àquelas que nos parecem mais dignas, virtuosas e elevadas? 

Uma criança que não foi ensinada a obedecer, se transformará em um adulto frágil e psicologicamente abalado.

Terá sérias dificuldades para hierarquizar a polifonia de vozes dentro de si, e isso a impedirá de obedecer ao seu eu interno mais virtuoso.

Muitos profissionais do comportamento humano estão subvertendo perigosamente o significado das palavras e com isso patrocinam desconstruções linguísticas bastante nefastas

Obediência nada tem a ver com autoritarismo, assim como autoritarismo nada tem a ver com autoridade. 

Retornando ao referido post, afirmo que a obediência é uma das bases da cidadania e não precisa ser sinônimo de autoritarismo. 

Diariamente, obedecemos a milhares de regras que nos protegem e nos afastam do perigo e do caos que sempre estão à espreita

Ensinar nossos filhos a obedecer às autoridades, leis e acordos é uma das nossas funções mais nobres. 

Abdicar disso é adentrar um território instável e totalmente distante da concretude do real

Crer que nossos filhos não precisam nos obedecer é desistir da função de pais, é desejar ser amiguinho dos filhos, é prova de imaturidade e covardia perante a vida

Filhos precisam de ordem, de rigor, de obediência, e isso nada tem a ver com submissão, ditadura e opressão.

É preciso ter prudência para encontrar o caminho do meio. Quem nunca obedeceu a um mestre, um vovozinho querido, um professor, um tutor? 

Obediência é fruto sagrado da árvore do respeito. É expressão da mais franca admiração. É sinônimo de reconhecimento legítimo da trajetória existencial daquele que, por admirarmos, optamos por obedecer. 

A obediência verdadeira nos torna seres virtuosos, pois é a prova de que reconhecemos a complexidade que abarca o desafio da convivência, que não pode existir sem a presença de regras jurídicas ou mesmo tácitas. 

Foi por meio da obediência que erigimos leis, nos afastamos da animalidade e do ímpeto desejante e egoísta que tanto corrói as relações humanas. 

É a obediência às regras que nos concede a tão desejada liberdade. Sim, diferente do que afirma o post acima, a ausência de obediência pressupõe quebra de regras, e este é o primeiro passo para a instalação do caos

Criança que não aprende a seguir ordens e a obedecer ao que é digno de obediência só pode se transformar em um adulto de caráter duvidoso e perigoso.

Uma criança que não foi ensinada a obedecer, se transformará em um adulto frágil e psicologicamente abalado

Terá sérias dificuldades para hierarquizar a polifonia de vozes dentro de si, e isso a impedirá de obedecer ao seu EU interno mais virtuoso.

Para finalizar, e em homenagem a Jordan B. Peterson, que recém passou pelo Brasil nos presenteando com uma belíssima palestra, vamos ver o que ele também tem para nos falar sobre obediência a regras:

"Regras claras produzem crianças seguras e pais calmos e racionais. Princípios claros, disciplina e punição equilibram a compaixão e a justiça para que o desenvolvimento social e a maturidade psicológica possam ser promovidos da melhor forma possível. Regras claras e disciplina apropriada ajudam a criança, a família e a sociedade a estabelecerem, manterem e expandirem a ordem, que é tudo aquilo que nos protege do caos e terror do submundo, em que tudo é incerto, desesperançoso, deprimente e provoca ansiedade. Não há presente melhor que pais comprometidos e corajosos possam oferecer".

Nos encontramos no próximo artigo.

Marcello Danucalov

Doutor em Ciências (psicobiologia);

Mestre em Farmacologia;

Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar