Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.
Existem muitas causas que podem explicar a falta de unidade entre os casais da contemporaneidade, mas muitas delas são oriundas de uma falha no processo de amadurecimento que deveria ocorrer com todos nós.
Um dos primeiros livros de psicologia que eu li ainda bem jovem foi Passagens: crises previsíveis da vida adulta de Gail Sheehy.
Este foi meu primeiro contato com os processos de amadurecimento da condição humana, tema pelo qual nutro grande interesse devido ao fato de trabalhar diretamente com a temática do comportamento, tanto em clínica como na docência e em consultorias corporativas.
Na obra, a autora nos apresenta uma historicidade genérica de nossa espécie e identifica os potenciais desafios existenciais que estarão à espreita quando chegarmos aos vinte, aos trinta, aos quarenta anos, e assim, sucessivamente.
Contudo, Sheehy não se propõe a discursar sobre os supostos estágios de maturação de nossa psique, nem como esses estágios impactam a avaliação de tais desafios ou mesmo a relação que temos com aqueles que nos importam, como nosso cônjuge.
Qualquer um de nós percebe que a passagem do tempo deixa marcas evidentes em nosso corpo. A inserção na temporalidade mancha de maneira permanente o veículo físico que conduz nossa alma.
Contudo, muitos de nós temos dificuldades para crer que os processos de amadurecimento sutis, ou seja, o amadurecimento de nossa personalidade, possa também passar por estágios previsíveis, ainda que sejam potenciais e corram o risco de nunca se atualizarem na concretude da vida.
Dentre as ideias que o professor Olavo de Carvalho nos apresenta destaca-se sua intrigante concepção das doze camadas da personalidade humana.
As camadas correspondem a uma divisão cronológica ou, segundo o próprio autor, a uma escala de evolução ideal.
A cada nova etapa concretizada o indivíduo expande substancialmente seu horizonte de consciência, passando a perceber a complexidade do tecido social com mais clareza e, consequentemente, motivando-se a agir no mundo levando em consideração alguns aspectos que não estão ao alcance daqueles que ainda não dilataram suficientemente o seu olhar.
Mas, como dito acima, as camadas podem não florescer, vindo a óbito precocemente ainda na forma de sementes.
Quando isso ocorre, ficamos aprisionados em estágios inferiores, onde a leitura da realidade sistêmica é seriamente prejudicada.
Isso nos tolhe o desenvolvimento da virtude da prudência e, como veremos, contamina qualquer intenção de atuar com retidão em uma união tão desafiadora como o casamento.
Críticos do professor Olavo de Carvalho asseveram que a teoria das doze camadas da personalidade humana não se ancora em nenhuma base científica sólida.
Todavia, o próprio professor Olavo nos estimula a exercitar a prática meditativa para investigar a realidade que nos abarca, assim como nossa própria inserção nas referidas camadas. Seu objetivo é nos estimular a proceder no sentido contrário da lógica.
A meditação é para as humanidades o que o teste de laboratório é para as ciências objetivas.
Logo, se quisermos averiguar os diferentes níveis maturacionais que nos definem, precisamos aprender a nos movimentar do raciocínio lógico para o pensamento imaginativo e, posteriormente, das abstrações para a concretude do real.
Falando de maneira simplificada, teremos que reaprender a contemplar o óbvio. Como diriam os antigos gregos, a verdadeira teoria tem relação com a visão.
Um vivente que proporcionasse o pleno florescimento de suas doze sementes motivacionais seguiria o seguinte itinerário em sua vida:
É imperativo deixar claro que as camadas vão se sobrepondo. Sendo assim, quem está na camada seis será prioritariamente motivado pela busca do atingimento de resultados concretos na vida, e para isso terá que relacionar-se de maneira mais profunda com uma outra consciência.
Contudo, este hipotético indivíduo que habita o plano existencial da camada 6 ainda será possuidor das camadas anteriores e precisará satisfazer as necessidades básicas de cada uma delas.
Ou seja, o amadurecimento vai proporcionar a cada um de nós uma expansão da capacidade perceptiva de maneira que nossas principais motivações estarão sempre conectadas ao mais recente florescer de nossa personalidade.
Se é somente a partir da camada 6 que o ser humano passa a ter possibilidade de enxergar o outro como um verdadeiro outro, é por meio do seu atingimento que passamos a ter maiores chances de buscar estabelecer uma unidade com nosso cônjuge.
É preciso entender as necessidades do outro para adequá-las à sua própria necessidade. Só assim pode-se ter a esperança de unir-se simbioticamente a outra pessoa.
Mas, tanto minha experiência clínica como docente tem me mostrado que vivemos uma gigantesca epidemia de imaturidade.
Arrisco hipotetizar, sem medo de sofrer represálias ou de ser acusado de arrogante, que uma parcela considerável dos adultos que compõem a nossa sociedade ainda habita a camada 4, ou seja, um plano existencial adequado aos adolescentes.
Neste estágio as necessidades básicas de amor ainda não foram suficientemente supridas, o que impele a pessoa a ter um comportamento bastante egoísta.
O indivíduo camada 4 ainda nutre a crença de que todos deveriam reconhecer nele valores que, de fato, não possui.
O indivíduo adulto que ainda habita a camada 4 apresenta uma visão obnubilada pelo déficit maturacional que o faz presa fácil das retóricas populistas, feministas, machistas, socialistas, comunistas, assistencialistas, vitimistas e ressentidas.
Vivendo de maneira egocentrada e autorreferente essa pessoa definitivamente não está apta a estabelecer uma vida conjugal sólida e responsável, pois cobrará do seu cônjuge o amor, que de fato, deveria estar dando a ele e ao mundo.
A restrição de sua capacidade contemplativa simplifica demasiadamente sua interpretação da realidade, ao mesmo tempo em que facilita sobremaneira a abdicação da responsabilidade individual sobre os rumos que concede à sua própria existência e aos pactos e promessas realizados quando decide viver uma vida a dois.
“Mas, Danuca, como sair da camada 4?”. Não tenho a menor dúvida de que é quase impossível a um adulto libertar-se da camada 4 sem o auxílio de uma sólida e consistente psicoterapia.
Nos últimos anos tenho atendido uma grande quantidade de pessoas que apresentam esses déficits maturacionais, mas, é imperativo que o partilhante, seja ele casado ou não, tenha consciência de sua imaturidade e esteja disposto a enfrentá-la corajosamente, caso contrário, o fracasso será certo e o destino de um futuro ou mesmo já vivido matrimônio será seriamente comprometido.
Dr. Marcello Danucalov
Doutor em Ciências (psicobiologia);
Mestre em Farmacologia;
Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar