Gastrólogo com Especialização na Le Cordon Bleu Paris. Professor com mais de 40 mil alunos. Empresário e especialista em marketing, inovação e estratégias para redes sociais.
Bom, se você apenas leu o título da série, nunca vai associar que ela fala sobre o mundo da gastronomia.
Assim como eu, da primeira vez que li, achei que era algo de suspense ou de investigação criminal.
Mas não, é uma incrível série sobre gastronomia, e eu me arrisco a dizer que talvez seja a produção cinematográfica que melhor retrata o que é ser um profissional de alimentos e bebidas.
E mais que isso, é uma série que podemos classificar como dramática, mas que tem um tom de comédia muito profundo, onde, em diversos momentos, você perde o fôlego de tanto rir, assim como o suspense de cenas tensas, discussões e palavrões sendo vociferados, onde você fica sempre na expectativa de que o pior pode acontecer, e que muitas vezes realmente acontece.
Após a morte de seu irmão, um jovem chef talentoso retorna a Chicago para assumir o comando do restaurante da família, enfrentando desafios pessoais e profissionais enquanto tenta transformar o modesto estabelecimento em um renomado ponto de alta gastronomia.
Entre conflitos intensos, momentos de humor e profundas reflexões, a série oferece um olhar realista sobre a vida na cozinha e as complexas relações humanas que a sustentam.
Vamos começar pelos aspectos de produção cinematográfica. O elenco não é superestrelado, com aqueles nomes e rostos familiares que a gente vê por Hollywood. Não recorreram a superstars para chamar a atenção para a série.
Os mais conhecidos fazem apenas algumas pontas, como Jon Bernthal, Jamie Lee Curtis e Olivia Colman. E isso foi realmente um acerto, porque acredito que eles foram atrás de todos os atores e atrizes que eram necessários para entregar o que eles queriam de acordo com o roteiro.
E esse elenco se encaixou perfeitamente! Percebe-se que cada um dos atores e atrizes está entregando o seu máximo e se aprofundando cada vez mais dentro dos seus personagens, mostrando uma realidade que te leva a se apaixonar simplesmente por todos, porque eles humanizam cada um deles, mostrando que por trás de cada ser humano que está no seu posto de trabalho há toda uma história de lutas e desafios pessoais.
O estilo de filmagem também faz com que a gente fique ansioso, apreensivo e desperte profundas emoções dentro de nós a cada episódio.
Os diálogos são intensos e, nesses momentos, a câmera se aproxima dos rostos dos atores para captar os mais profundos sentimentos e como eles realmente estavam se sentindo dentro daquela situação.
A escolha da cidade de Chicago também foi muito acertada, porque é uma cidade fria, onde muitos dias estão nublados, sem a presença do sol. As pessoas estão sempre fechadas dentro dos seus casacos, muitas vezes com um semblante não muito agradável e sorridente porque estão encarando o frio de congelar.
Isso também é explorado na fotografia, onde não há muitas cores vibrantes e há sempre um tom de pastel, com ambientes de cores neutras como branco, preto, cinza e marrom, seja dentro do restaurante, na rua ou em outros ambientes.
Esse tipo de fotografia, atrelado a diálogos sufocantes com gritarias e acusações que lembram muito diálogos de filmes do Quentin Tarantino, faz com que o clima sempre vá subindo, ficando sufocante e angustiante, e nós, como telespectadores, temos todas as nossas emoções afloradas e não conseguimos desgrudar os olhos da tela.
O destaque, onde toda essa situação chega no seu ápice, é um capítulo de flashback onde é retratado um dia de Natal na família de Carmy. Prepare seu estômago para esse capítulo!
Agora, vamos falar sobre o tom altamente realista da série, sobre o que é ter um restaurante e como é a vida de um chef de cozinha ou qualquer outro profissional da área de alimentos e bebidas que trabalhe em um restaurante.
Quando um prato chega na sua mesa, há uma história por trás dele, e isso vai dizer muito, inclusive, sobre o preço que ele é cobrado.
A série faz uma transição de um restaurante simples de bairro, que vendia sanduíches, para ser transformado em um restaurante de alta gastronomia e que tenha a ambição de receber uma estrela Michelin.
Neste momento, a série nos apresenta que, para fazer essa transição, é preciso uma completa revolução, seja na estrutura física do restaurante, na beleza dele, na dinâmica de atendimento, onde as mesas estão posicionadas, no treinamento da equipe, no desenvolvimento de fornecedores novos, nos testes infinitos de receitas para montar o cardápio, no olhar criterioso para sobremesas (porque é sempre o gran finale de qualquer experiência gastronômica em um restaurante de alta gastronomia), no controle administrativo e no olhar diário e criterioso para as finanças. Ou seja, quando o seu prato chega para você, tudo isso está por trás dele.
Eu achei incrível que a série retrata como todo treinamento é feito para chegar nesse nível, onde Richie, que vai cuidar do atendimento do salão, faz um estágio em um restaurante de alta gastronomia.
Marcus vai estudar confeitaria na Dinamarca; Tina e Ebraheim, que são cozinheiros, vão para uma escola de gastronomia para aprimorar suas técnicas.
Carmy tem que se desdobrar e se reinventar mais uma vez como chefe para montar um cardápio no nível do restaurante que ele está montando.
E Sidney passa pelo maior desafio da sua vida, onde ela sai de uma ajudante ou sous chef para agora se tornar a chef do restaurante novo.
Essa série definitivamente te ensina porque um prato é mais caro e outro é mais barato. Você vai entender que, quando chega a um restaurante e o prato vem em sua perfeição de temperatura, texturas, sabores, equilíbrio, não está faltando sal nem outro tempero, a decoração vem linda, o atendimento é bom, você se sente confortável, está tudo limpo e chegando no tempo certo, isso tudo tem um custo muito alto e tem um processo muito bem elaborado por trás.
E quando você tem esse serviço do máximo de excelência, que não se resume apenas ao alimento, mas sim a tudo isso que está no entorno, obviamente que esse prato vai ser mais caro.
E o ponto áureo da série, para mim, é que ela mostra a vida pessoal e tudo o que está acontecendo com cada um dos personagens, desde flashbacks mostrando de onde eles vieram, o que tiveram que atravessar para chegar ao estado em que estão hoje, além de apresentar o que eles passam atualmente na vida deles e que, obviamente, reflete nas suas atitudes dentro do restaurante, na sua vida profissional.
O clima sempre tenso de discussões afloradas, de atitudes impensadas, muitas vezes infantis, você percebe que não tem relação direta com o que está acontecendo naquele momento e sim com feridas que trazemos da nossa vida pessoal e abalos emocionais que não temos controle ainda, sendo refletidos no ambiente de trabalho.
Mas a gente percebe que lá é criada uma família, onde nenhum abandona o outro, onde eles vão passando as dificuldades juntos, até porque cada um deles consegue compreender o lado pessoal do outro.
E isso é uma família: é quando sabemos a essência de cada um e temos paciência, mesmo que com discussões e xingamentos, mas que na hora que realmente o outro precisa da nossa mão, nós estamos lá para dá-la.
Outro ensinamento incrível da série é sobre o perdão. Sim, você vai ver que muitas situações e discussões levaram para um caminho onde você imagina que jamais haveria perdão, onde essas pessoas nunca mais olhariam uma na cara da outra.
Mas que, para um bem maior e por valorizar o sentimento de amor e os laços que já foram criados, eles sempre acham uma forma de perdoar, mesmo que seja dolorido e muito difícil, cada um deles achando a coragem dentro de si para romper o orgulho e dar o seu perdão ao próximo.
A nova temporada já está no ar e começa com um capítulo incrível e poético. A trilha sonora acompanha esse clima, onde Carmen se aprofunda na sua essência, em tudo que ele já passou na sua vida, tudo o que ele entende sobre um restaurante de alta gastronomia, todo o seu talento natural atrelado à dedicação e abdicação.
Nesse capítulo, vemos tudo que ele larga para se dedicar a um propósito de vida, mesmo que esteja sofrendo e cheio de dúvidas e incertezas. Mostra que o único caminho para obtermos o sucesso que desejamos é através de organização, metas e foco.
Como um profissional de alimentos e bebidas, um chef de cozinha, eu fico extremamente feliz por essa série ter existido, da produção ter sido tão bem feita, dela ser tão realista, porque ela mostra realmente a essência de um restaurante e o que é ser um profissional de alimentos e bebidas.
Ela desmistifica apenas o lado glamouroso de programas de culinária de TV; ela é um serviço público prestado ao mundo para entendermos o que é ter um restaurante, quais são todos os desafios, e que o maior deles não está nem na comida nem no ambiente, mas sim em como lidar com as pessoas.
Quero que você assista, aproveite muito e depois me fale o que achou.