Dr. Marcello Danucalov é doutor em ciências (psicobiologia); Mestre em farmacologia; Filósofo Clínico Integral e Orientador Filosófico Familiar.
O último artigo desta coluna versou sobre a necessidade das famílias produzirem um eficiente sistema de regras que facilite a convivência entre seus integrantes e, por meio desta ação, possa patrocinar relações de harmonia e confiança entre seus membros.
Mas, para que isso seja feito é necessário pensar com seriedade o significado das palavras: princípio, valores e virtudes. Por enquanto convido você a investigar a primeira delas.
O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano assim define o verbete princípio:
“do latim Principium; ponto de partida e fundamento de um processo qualquer; ponto de partida de um movimento, por exemplo, de uma linha ou de um caminho; o melhor ponto de partida, como por exemplo o que facilita aprender uma coisa; ponto de partida efetivo de uma produção, como a quilha de um navio ou os alicerces de uma casa; causa externa de um processo ou de um movimento, como um insulto que provoca uma briga; o que, com a sua decisão, determina movimentos ou mudanças, como o governo ou as magistraturas de uma cidade; aquilo de que parte um processo de conhecimento, como por exemplo as premissas de uma demonstração”.
Definido o termo surge uma pergunta: Qual seria o princípio de uma família? Qual resposta você concederia a esta dúvida?
Com meus vinte anos de experiência clínica afirmo de maneira categórica que a busca da unidade é o fundamento mais sólido das famílias bem-sucedidas, e essa busca precisa partir da compreensão e do esforço dos cônjuges para alcançá-la.
Empenhar-se para produzir um território conversacional comum, onde os termos usados na comunicação familiar sejam claros e compreendidos por todos
São somente algumas das ações estritamente basilares para uma família que almeja ser bem sucedida não somente no matrimônio mas, na educação de seus filhos.
A falta de unidade das famílias contemporâneas é quase uma unanimidade. Muitas das que procuram ajuda nos processos clínicos de orientação filosófica desconhecem tudo que vem sendo falado nesta sequência de artigos, e isso tem gerado consequências desastrosas para a formação do caráter dos filhos.
Imagine uma criança pequena perguntando algo para seus pais e em resposta à sua dúvida a mamãe afirma “A”, mas o papai logo em seguida profere “B”. Como mamãe e papai são autoridades, a criança fica confusa e pode, dependendo do seu temperamento, até mesmo desenvolver ansiedade e medo.
Todavia, precisará escolher uma das duas alternativas, e sendo ela ainda bastante imatura para ponderar de maneira reflexiva e prudente sobre as futuras consequências de sua escolha, deixar-se-á levar pela opção mais conveniente.
O problema reside no fato de que nem sempre, ou quase nunca, a opção mais conveniente é a correta.
Sem unidade para educar os filhos, os pais invariavelmente outorgam para eles a possibilidade de sempre escolher a opção que esteja alinhada com suas vísceras mais desejantes, com seus afetos mais viciosos, com seus quereres mais descontrolados.
Um dos mais perniciosos efeitos deste desencontro entre os pais é que as noções do que é certo e do que é errado, e do que é verdade e do que é mentira, não são cultivadas, e paralelamente, as sementes do relativismo são plantadas precocemente nas profundezas da alma de seus rebentos.
Se a falta de unidade perdurar por todo o período de educação do filho é provável que o caráter do futuro adulto se configure de maneira corrompida e que os processos de amadurecimento sejam dificultados, quando não impedidos totalmente. Ser educado tendo a chance de escolher as ações mais convenientes invariavelmente fará do filho um adulto destemperado.
A ausência de temperança impede o pleno desenvolvimento da virtude da fortaleza, pois os valores elevados necessitam de empenho para serem atingidos, e o referido empenho sempre pressupõe algum abandono dos prazeres mais comezinhos.
Adultos fracos se abstém de lutar pelo que é justo, e muitas vezes nem chegam a identificar o que é o justo. Por último, sendo destemperado, fraco e injusto, atuará no mundo de maneira imprudente, o que, provavelmente, trará consequências bastante nefastas tanto para o filho como para aqueles que convivem com ele.
A maioria dos casais que eu tenho atendido nos últimos anos casaram-se de maneira precoce sem nenhum tipo de planejamento familiar, sem conhecimento dessas obviedades e sem discernimento para fazer diferente.
Desconhecem totalmente o princípio que deveria reger sua família e sem esta base sólida, vivem um matrimônio instável. Resta-nos investigar algumas das causas da falta de unidade entre os casais, mas isso fica para os nossos próximos artigos.