Após o surgimento da teologia da libertação no século XX, o mundo ocidental passaria por mudanças históricas, tanto religiosas quanto políticas e sociais.
Entenda o que é a teologia da libertação e conheça sua história.
A teologia da libertação é uma corrente religiosa que transforma os pobres e a pobreza no centro da ação histórica, mudando o paradigma cristão de que a salvação da alma trazida por Cristo é o centro da vida.
Para a teologia da libertação, a salvação não é mais espiritual, mas física. Seus membro defendem que aqueles que são oprimidos pelo pobreza ajam para se libertar dos supostos causadores de sua miséria: os donos dos meios de produção e os muito ricos.
Segundo Leonardo Boff, um dos principais pensadores dessa linha de pensamento, a teologia da libertação é:
"A opção pelos pobres contra sua pobreza e a favor de sua vida e liberdade".
No artigo em comemoração aos 40 anos da teologia da libertação, Boff continua sua explicação:
"A Teologia da Libertação surge do momento em que se faz uma reflexão crítica à luz da mensagem da revelação desta libertação histórico-social.
[...] Essa teologia não caiu do céu nem foi inventada por algum teólogo inspirado. Emergiu do bojo de um movimento maior mundial e latino-americano, por um lado político e por outro eclesial".
Frei Betto, frade dominicano, é um dos principais expoentes da teologia da libertação no Brasil. Para ele, o cristianismo deve se unir ao marxismo para trazer frutos na esfera social:
"O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de 'partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano'. A isso Marx chamou de socialismo" (artigo de 2019 publicado no site cebes.org.br).
Diante da vertente da reflexão crítica histórica e social marxista defendida por Leonardo Boff, Frei Betto e outros teólogos, o Vaticano se pronunciou sobre o assunto, afirmando que aspectos da teologia da libertação apresentam:
"Desvios e perigos de desvio, prejudiciais à fé e à vida cristã, inerentes a certas formas da teologia da libertação que usam, de maneira insuficientemente crítica, conceitos assumidos de diversas correntes do pensamento marxista" (Libertatis Nuntius, emitido pela Congregação Para a Doutrina da Fé).
Segundo o Padre José Eduardo, a primeira descoberta da infiltração revolucionária em meios religiosos partiu de um rabino americano. No livro To Eliminate The Opiate, dividido em 2 volumes, o rabino Marvin Antelman afirma que tudo começou após a Revolução Francesa.
Os revolucionários franceses jacobinos buscaram eliminar as religiões tradicionais através da violência.
"O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”, afirmaram Jean Meslier e Denis Diderot, pensadores influentes no desenvolvimento da Revolução Francesa.
Porém, mesmo assassinando religiosos, tendo conseguido chegar ao poder e legislado contra a liberdade das religiões tradicionais, os franceses voltaram a buscar suas crenças.
Segundo o Rabino Marvin Antelman, os revolucionários observaram isso e mudaram o método de destruição das religiões: eles não usariam a violência, mas se infiltrariam dentro das religiões e minariam os mecanismos de defesa de suas crenças. O judaísmo e o cristianismo eram os alvos principais.
No século XIX, os revolucionários tiveram sucesso na conquista de alguns segmentos de judeus e protestantes, partindo em direção ao catolicismo. Nesse período, surge o modernismo, um grupo de católicos que aderiram a "teoria crítica", afirma o Padre José Eduardo.
A proposta foi barrada pelo Papa São Pio X, através de condenações formais e Encíclicas que buscavam mostrar os erros dessa teoria, como a Pascendi Dominici Gregis. Contudo, em meados do século XX essa linha de pensamento ganhou força em certos seminários católicos, sendo denominada de Nouvelle Théologie.
A Nouvelle Théologie foi um movimento católico que, por grande parte de seus desenvolvedores, buscou se afastar dos ensinamentos da escolástica, simbolizada pela teologia de Santo Tomás de Aquino, para se aproximar da Patrística e de novos sistemas filosóficos, como a filosofia de Martin Heidegger e Georg W. Friedrich Hegel.
Pensadores como Karl Rahner e Yves Congar passaram a buscar um diálogo maior com filosofias modernas, como o existencialismo e o relativismo, e até mesmo outras religiões.
Segundo Hans Kung e Karl Rahner, intelectuais da Nouvelle Théologie, a revelação de Deus acontece aos poucos e segundo o espírito do tempo, de forma que a doutrina religiosa muda constantemente. Essa teoria surgiu a partir da filosofia de Martin Heidegger, afirma o Padre José Eduardo.
Esse pensamento levou à crença de que a moral e a fé podem mudar de acordo com novas situações sociais.
Originalmente, essa linha de pensamento era chamada de "retorno às fontes" por seus pensadores. O nome Nouvelle Théologie surgiu a partir da condenação do famoso teólogo Garrigou Lagrange a este movimento, afirmando que pejorativamente que essa era uma "nova teologia", alheia ao Cristianismo verdadeiro.
O Papa Pio XII condenou a Nouvelle Théologie na Encíclica Humani Generis, retomando o ensinamento do Papa Pio X sobre o modernismo.
A teologia nova ganhou força em ambientes católicos em meados do século XX, quando Karl Rahner, Hans Kung, Yves Congar e outros teólogos da Nouvelle Théologie passaram a ganhar destaque em diversas Universidades católicas responsáveis pela formação de seminaristas.
Segundo o Padre José Augusto, essa linha de pensamento da teologia crítica busca assimilar problemas modernos dentro da teologia. Pautas identitárias como o feminismo são assimiladas dentro da teologia.
"Esse tipo de defeito imunológico foi construído ao longo de muitos séculos", disse o Padre José Augusto.
Nesse contexto de união entre teologia e teorias revolucionárias, o teólogo alemão Johann Baptist Metz desenvolveu uma teologia política a partir das obras de Martin Heidegger e de Karl Rahner, seu professor de teologia.
Yohan decidiu aplicar o pensamento de seu mestre no mundo político e social, escrevendo o livro Teologia Política. A partir dessa obra, na década de 70, o teólogo Gustavo Gutiérrez escreveu o livro Teologia de La Liberación, uma aplicação da teoria de Yohan Metz na realidade da América Latina.
"Muitas pessoas pensam que a teologia da libertação é a união do marxismo com a teologia, mas não é bem isso, é um novo modo de pensar a teologia. Segundo esse pensamento, todo discurso religioso que não analise as bases de seu argumento de forma política e econômica é ingênuo. A finalidade dessa análise é trazer para a Igreja as crenças do mundo", disse o Padre José Augusto.
Nesse contexto, surge a obra Teologia de la Liberación, de Gustavo Gutiérrez, defendendo que os cristãos tomem ações políticas e sociais para mudar a sociedade em prol de uma nova doutrina religiosa e moral.
Em seu livro, Gustavo Gutierrez defende que a teologia da libertação deve analisar as bases da revelação divina de forma crítica, assim como defendia a Escola de Frankfurt, especialmente Max Horkheimer. O livro defende que a Igreja se redefina a partir das crenças do mundo moderno.
Gustavo Gutiérrez defendia que o cristianismo possui como papel fundamental o auxílio social aos mais pobres:
"Esse trabalho busca uma reflexão, a partir do Evangelho e das experiências de homens e mulheres comprometidos com a libertação, neste subcontinente de opressão e pobreza que é a América Latina" (trecho do livro Teologia de la Liberación. Perspectivas, em tradução livre).
Algumas das principais obras que desenvolveram a teologia da libertação são:
Alguns dos defensores da teologia da libertação defendem que a fé cristã deve servir como instrumento de ação política, deixando de lado práticas religiosas e metafísicas.
Em uma conversa transmitida no canal do YouTube do presidente Lula, Leonardo Boff afirmou:
"As televisões católicas tem um cristianismo devocional, não um cristianismo de fé, de transformação social, de justiça pelos pobres. Eles só se importam com o Rosário, com a Hóstia Consagrada, isso não implica em mudança na vida. Isso nós temos que enfrentar".
O teólogo alemão Johann Baptist Metz, aluno de Rahner, utilizou esse pensamento para criar uma teologia política: ele desenvolveu mecanismos de ação para aplicar a Nouvelle Théologie (nova teologia) na sociedade.
Em 1968, Bispos da América Latina se uniram para discutir novos rumos pastorais para o subcontinente, adotando a teologia da libertação como uma das principais linhas de pensamento, aponta o pesquisador Roberto de Mattei.
Esse foi um impulsionamento para o movimento no Brasil.
No Brasil, a Teologia da Libertação surgiu no contexto de crise social que o país vivia. Segundo o economista José Eustáquio Diniz Alves, 68% da população do país estava abaixo da linha de pobreza.
Os Bispos e Padres que aderiram a teologia da libertação, como Dom Cláudio Hummes e Dom Helder Câmara, buscavam mudar essa situação. Foram criadas as comunidades eclesiais de base para buscar atender os moradores das periferias.
A Juventude Católica foi outro movimento importante na difusão da teologia da libertação no Brasil. Os jovens engajados em ações sociais passaram a se aproximar dos jovens do Partido Comunista Brasileiro.
Essa aproximação criou a aliança de parte do laicato católico com os clérigos adeptos da teologia da libertação.
Essa organização teve um papel central na formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outras organizações socialistas, como o Movimento Sem Terra (MST)
"O PT não existiria do jeito que ele existe se não fossem as Comunidades Eclesiais de Base. Eu viajei o Brasil inteiro para construir esse partido, eu sei o valor de um padre progressista.
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) não entraram no PT, as CEBs fundaram as células do PT", disse Leonardo Boff em sua conversa com Lula.
Na mesma ocasião, Lula citou a relação com Leonardo Boff e outros membros do episcopado brasileiro da década de 70 e 80 como importantes agentes da gênese do seu partido.
"Foi a relação com você, e com outros 'companheiros da Igreja', como padres...Foi a relação que tive com Dom Claudio Hummes, Dom Angélico, que tive com bispos do Acre, de Rondônia, Dom Evaristo Arns, Dom Luciano Mendes e milhares de movimentos sociais que me fez ser quem eu sou", declarou o presidente.
A Santa Sé condenou os aspectos marxistas da teologia da libertação. Em 1984, o Papa João Paulo II assinou o documento Libertatis Nuntius, que dizia:
"A luta de classes como caminho para uma sociedade sem classes é um mito que impede as reformas e agrava a miséria e as injustiças. Aqueles que se deixam fascinar por este mito deveriam refletir sobre as experiências históricas amargas às quais ele conduziu".
Em 1986, a Congregação Para a Doutrina da Fé emitiu outro documento para avaliar a teologia da libertação, condenando novamente certos elementos dessa corrente teológica. O documento Libertatis Conscientia afirmou:
"Quer se trate da conquista da natureza, da vida social e política ou do domínio do homem sobre ele mesmo, em plano individual e coletivo, todos podem constatar que não somente os progressos realizados estão longe de corresponder às ambições iniciais, mas também que novas ameaças, novas servidões e novos terrores surgiram, à medida em que se ampliava o movimento moderno de libertação.
É um sinal de que graves ambiguidades acerca do sentido mesmo da liberdade, já desde a sua origem, corroíam por dentro esse movimento".
No pontificado de João Paulo II, muitos teólogos da libertação tiveram suas funções religiosas suspendidas devido à desarmonia com a ortodoxia católica. Alguns deles foram Leonardo Boff, Ernesto Cardenal, padre aliado de Ortega na Nicarágua, e Hans Kung, um dos principais teólogos da Nouvelle Théologie.
Após a eleição do Papa Francisco, pensadores contemporâneos afirmaram que a teologia da libertação foi reabilitada pela Santa Sé. As afirmações surgiram quando o Papa Francisco recebeu o Padre Gustavo Gutiérrez no Vaticano.
Em 2017, em entrevista para o jornal El País, o Papa Francisco explicou sua visão sobre a teologia da libertação:
"A teologia da libertação foi uma coisa positiva na América Latina. Foi condenada pelo Vaticano a parte que optou pela análise marxista da realidade. O Cardeal (Joseph) Ratzinger escreveu duas instruções quando era Prefeito do Dicastério da Doutrina da Fé.
Uma muito clara sobre a análise marxista e a outra olhando para os aspectos positivos. A teologia da libertação teve aspectos positivos e desvios, especialmente na análise marxista da realidade”.
A teologia da libertação ainda divide a opinião de fiéis pelo mundo, especialmente na América Latina.
Membros do movimento, como Frei Betto e Leonardo Boff, continuam seu ativismo em prol do movimento, enquanto outros fiéis e clérigos, como o Bispo Dom Henrique Soares, afirmam que essa corrente de pensamento fez mal para o cristianismo e já perdeu sua vitalidade.
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