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Antonio Cicero se tornou membro da Academia Brasileira de Letras em 2017. Na época, já estava, há anos, "imortalizado" entre os brasileiros como compositor popular. Desde que a irmã, Marina Lima, musicou seus versos sem que ele soubesse, começou a influenciar todo o cenário musical popular brasileiro, sobretudo nos 20 anos que se sucederam.
O filósofo, compositor, ensaísta e poeta assinou canções como Fullgás e Pra Começar, ao lado da irmã. Também trabalhou com outros compositores. É autor de O Último Romântico, gravada por Lulu Santos, e de "Inverno", que ajudou a tornar Adriana Calcanhotto nacionalmente conhecida, entre muitas outras canções.
Diagnosticado com doença de Alzheimer, Cicero escolheu se submeter ao suicídio assistido na Suíça.
Morreu nesta quarta-feira, tendo ao lado apenas o companheiro Marcelo Pies, com quem viveu por 40 anos.
A informação foi confirmada por amigos, familiares e pela Academia Brasileira de Letras. Em sua carta final, em que se despediu de amigos íntimos e familiares, compartilhou a dor que sentia:
“O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem. Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação”.
Em segredo, o filósofo e escritor se dirigiu à Suíça para realizar o procedimento, que é legalizado no país. A irmã, Marina Lima, só foi informada na véspera.
Segundo o companheiro do poeta, a cantora e compositora está inconsolável, mas respeitou completamente a decisão do irmão mais velho:
"Ninguém foi consultado. Antonio não queria. Ele só avisou ontem [terça-feira, 22] a irmã, Marina [Lima], que ficou arrasada, mas entendeu e aceitou sua posição", relatou o viúvo ao jornal O Globo.
A cantora não realizou nenhuma manifestação pública. Em suas redes sociais, postou apenas:
Vários artistas que trabalharam com o poeta também se manifestaram. Em seu Instagram, Adriana Calcanhoto homenageou o amigo e parceiro:
“O mais inteligente, íntegro, nobre e belo. O homem mais livre que já conheci”, escreveu.
O cantor Caetano Veloso afirmou que Cicero foi seu melhor amigo, a pessoa mais correta que conheceu:
“O afeto de amizade mais límpida que se possa imaginar. E uma inteligência luminosa”.
Presidente da Academia brasileira de Letras, o jornalista Merval Pereira destacou algumas características do poeta:
“[Ele] tinha a formidável capacidade de ser um erudito e, ao mesmo tempo, popular. Tinha a dimensão dessas duas facetas da cultura brasileira', afirmou.
Antonio Cicero nasceu no Rio de Janeiro, em 1945. Iniciou seus estudos de filosofia na PUC-Rio e na UFRJ, mas devido a questões políticas, concluiu o curso na Universidade de Londres em 1969. Em 1976, fez pós-graduação na Georgetown University, estudando grego e latim, o que lhe permitiu ler clássicos no original. Foi professor de Filosofia e Lógica em universidades do Rio de Janeiro.
Começou a compor na juventude. Em meados dos anos 1970, o poema Alma Caiada sofreu censura. Nos anos 1970, sua irmã, a então desconhecida Marina Lima, encontrou o poema na gaveta e criou uma melodia para os versos, sem que ele soubesse ou autorizasse.
A música, também intitulada Alma Caiada, foi gravada por Maria Bethânia para o álbum Pássaro Proibido, de 1976, mas acabou sendo excluída do disco devido à censura.
Ao longo dos anos, Marina continuou a transformar poemas de Cicero em músicas, agora com o conhecimento do autor.
Em um determinado momento, ele decidiu compor especificamente para Marina e foi o início da carreira que o Brasil inteiro conheceu.
Em 1979, ela lançou um álbum com as primeiras colaborações dos dois, incluindo faixas como A Chave do Mundo, Maneira de Ser, Memória Fora de Hora, Tão Fácil e Transas de Amor (Os sonhos de quem ama).
A parceria atingiu seu auge nos anos 1980, com sucessos nacionais como Charme do Mundo, Fullgás, Pra Começar e Virgem. Nos anos 1990, continuaram a produzir hits, como Acontecimentos e Deixa Estar, e seguiram até 2006, quando lançaram Três, seu último grande sucesso.
Ele via a composição de letras de música como uma forma de arte tão válida quanto a poesia. Intelectual, rejeitava a ideia de que poemas seriam superiores devido à sua complexidade estrutural.
Colaborou também com outros artistas como Adriana Calcanhotto, com quem iniciou parceria em 1992 com Água Perrier e lançou o sucesso Inverno em 1994. Ocasionalmente, colaborou também com outros artistas, compôs como outros artistas como Lulu Santos e João Gilberto.
O filósofo e escritor Antonio Cicero optou pelo suicídio assistido há alguns meses. Após ser diagnosticado com Alzheimer em julho de 2023, tornou-se sócio do Instituto Dignitas, uma instituição em Zurique, na Suíça, que recebe pacientes para a realização do procedimento, em conformidade com as normas legais do país.
Antes de seguir para a Suíça, ele e o marido passaram dois dias em Paris, revivendo antigas memórias. Segundo o companheiro, o poeta queria se despedir da cidade que amava:
“Fomos ao Beaubourg [o Centro Georges Pompidou] almoçar no restaurante Georges e ver uma exposição sobre o movimento surrealista. Jantamos no Atelier, do finado chef Robuchon, que continua sensacional, e fomos pela milésima vez admirar a Sainte Chapelle e também a Brasserie La Coupole”.
Então, seguiram para a Suíça, onde o procedimento foi realizado.
Embora frequentemente confundidos, o suicídio assistido é diferente da eutanásia. A principal distinção está em quem administra o medicamento letal. Entenda as diferenças:
A Suíça foi pioneira ao permitir o suicídio assistido em 1942, enquanto a eutanásia permanece ilegal. Lá, o procedimento é autorizado quando há o que as autoridades entendem como "sofrimento insuportável", por condições médicas ou psicológicas. Além disso, é necessário que o paciente tenha a capacidade de administrar a substância letal por conta própria, sem ajuda de outras pessoas. O procedimento é oneroso e burocrático, sendo necessário que o paciente apresente uma série de exames para comprovar sua condição.
Pies afirmou que Cicero tinha pressa em passar pelo procedimento e que a data foi adiada por compromissos de trabalho assumidos por ele.
Antonio Cicero não tinha filhos. Além de sua vasta obra, deixa o companheiro, a irmã e familiares.
“Queridos amigos,
encontro-me na Suiça, prestes a praticar eutanásia.
O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços,
Antonio Cicero”
Ouça Inverno, de Antonio Cicero, na voz de Adriana Calcanhoto
Leia o poema guardar, de Antonio Cicero
“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não
se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto
é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é,
velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela
ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que pássaros sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se
declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.”
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