O ministro Alexandre de Moraes autorizou a divulgação dos depoimentos completos do ex-assistente de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, à Polícia Federal.
Os textos divulgados na tarde de hoje, 19 de fevereiro, mostram apenas a delação, ou seja, os relatos do tenente-coronel. Esta é uma etapa anterior à acusação, portanto não há espaço para a defesa dos acusados ou outras provas.
Veja um resumo dos relatos de Cid sobre os bastidores das supostas tentativas de golpe para impedir a posse de Lula.
Três grupos aconselhavam o Bolsonaro após o resultado nas eleições de 2022, em que ele foi derrotado por Lula:
De acordo com os documentos, “aconselhavam o Presidente a mandar o povo para casa, e colocar-se como um grande líder da oposição. Diziam que o povo só queria um direcionamento; que para onde o Presidente mandasse, o povo iria”.
Os principais representantes desse grupo seriam o filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro, o Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o Comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Batista Júnior.
De acordo com as delações, esse grupo acreditava que um golpe armado levaria o país a uma ditadura militar “por mais 20 ou 30 anos”.
Esse grupo seria composto pelo General Freire Gomes, comandante do Exército, e pelo General Paulo Sérgio, então ministro da Defesa.
Havia uma outra ala de “moderados” que temia pela segurança de Bolsonaro no Brasil e defendia que o ex-presidente deixasse o país:
“Havia um outro grupo de moderados que entendia que o ex-Presidente deveria sair do país; o próprio colaborador [Mauro Cid] sugeriu que o ex-Presidente deveria sair do país;”
Entre os defensores desse posicionamento estava Paulo Junqueira, empresário do agronegócio que financiou a viagem de Bolsonaro aos EUA.
O relatório alega que os dois grupos temiam a proximidade do presidente com uma terceira ala, apelidada de “radicais”.
Esse grupo estaria dividido entre os “menos radicais” e os “mais radicais”. Os primeiros defendiam que Bolsonaro deveria “achar uma fraude nas urnas”, enquanto os segundos eram a favor de um “braço armado”.
Os “mais radicais” acreditavam que o povo e os CACs ficariam do lado de Bolsonaro no caso de um golpe de Estado, pressionando o ex-presidente pela assinatura da “minuta do golpe”.
Segundo Mauro Cid, esse grupo “romantizava” o artigo 142 da Constituição Federal, acreditando que poderia embasar um golpe de Estado.
Esse artigo da Constituição estabelece as funções das Forças Armadas e afirma que garantir a “Lei e a ordem” é um dever desses órgãos:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Segundo Mauro Cid, Bolsonaro estava mais próximo do grupo composto pelos “menos radicais”, pressionando a Comissão de Transparência das eleições.
Apesar de pedir para que fosse feito um relatório “duro”, os responsáveis não encontraram irregularidades que não poderiam ser explicadas pela estatística.
A única questão encontrada pela Comissão foi problemas na numeração das urnas mais antigas.
O presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, chegou a movimentar uma ação pela anulação do resultado de 250 mil urnas por causa disso:
“É no Brasil inteiro. São as urnas de 2020 para baixo, são as urnas antigas. Todas elas têm o mesmo número, não têm patrimônio, não têm como controlar a urna. Você vai checar a urna antes da eleição, são todas com o mesmo número”.
Segundo especialistas da época, o problema não poderia anular o resultado daquelas urnas, já que outras informações como município, zona eleitoral e seção possibilitaria a identificação do dispositivo.
O presidente do partido disse que não queria “tumultuar” a vida pública no país, mas que as urnas precisavam ser revisadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A Corte Eleitoral negou a ação do partido e ainda aplicou uma multa de R$22 milhões por “conduta ostensivamente atentatória ao Estado democrático de Direito”.
Mauro Cid teria contado às autoridades que os mais radicais não formariam um grupo organizado, mas seriam representados apenas por algumas pessoas:
“Quanto a parte mais radical, não era um grupo organizado, eram pessoas que se encontravam com presidente, esporadicamente, com a intenção de exigir uma atuação mais contundente do então Presidente;”
O ex-assessor especial de Bolsonaro para questões internacionais, Filipe Martins, teria encontrado o ex-presidente com um padre e um jurista.
Na ocasião, teria apresentado a Bolsonaro um documento convocando novas eleições e dando ordens para a prisão de diversos inimigos políticos do presidente e ministros do STF.
Bolsonaro teria mandado apagar a maior parte das medidas, mantendo apenas a prisão de Moraes e a convocação de novas eleições.
O ex-presidente teria esperança em manter encontrar fraudes nas urnas ou convencer os comandantes das Forças Armadas (FA) a participar de um golpe.
“O ex-Presidente estava trabalhando com duas hipóteses: a primeira seria encontrar uma fraude nas eleições e a outra, por meio do grupo radical, encontrar uma forma de convencer as Forças Armadas a aderir a um Golpe de Estado”, diz o documento.
Para falecer as narrativas e tentar convencer a alta cúpula das Forças Armadas a participar de um golpe, Bolsonaro não teria feito nada para impedir as manifestações contra os resultados das eleições:
“O ex-Presidente não interferia nos manifestantes que estavam nas ruas; o ex-Presidente pediu apenas para que os caminhoneiros não parassem o país;”
Sem conseguir o apoio do comandante do Exército, Bolsonaro desistiu de seguir em frente com o decreto escrito por Filipe Martins.
De acordo com a delação de Cid, o grupo favorável ao golpe incluía o deputado Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro Onyx Lorenzoni.
A ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também teria instigado o presidente a dar um golpe.
Outro agente importante a fazer pressão seria por um golpe de Estado seria o general Walter Braga Netto, que representava o “elo com os manifestantes”.
Eduardo Bolsonaro também teria assegurado a seu pai que os CACs apoiariam um eventual golpe de Estado.
Mauro Cid contou que se encontrou com os coronéis Oliveira e Ferreira Lima durante uma passagem pelo estado de Goiás.
Lá, os militares teriam dito que não reconhecem o resultado das eleições e defenderam que algo deveria ser feito para reverter a situação:
“Ambos os coronéis, Oliveira e Ferreira Lima, demonstraram sua indignação com o resultado das Eleições e afirmaram que algo precisaria ser feito para que causassem um caos e, com isso, conseguissem a decretação do estado de defesa ou estado de sítio.”
Os dois militares procuraram se encontrar com Braga Netto e pediram que Cid agendasse uma reunião com o ex-candidato à vice-presidência.
O encontro aconteceu na casa de Braga Netto, e todos os presentes teriam concordado que era necessário mobilizar o povo para conseguir um estado de sítio para evitar que Lula voltasse ao poder:
“O general Braga Netto, juntamente com os coronéis Oliveira e Ferreira Lima concordavam com a necessidade de ações que gerassem uma grande instabilidade e permitissem uma medida excepcional pelo Presidente da República. Uma medida excepcional que impedisse a posse do então Presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva.”
As pessoas envolvidas na reunião pediram que Cid deixasse o local por causa de sua proximidade com Bolsonaro enquanto discutiam os detalhes do plano.
Dois dias depois, o Coronel Oliveira voltou a falar com Cid para tentar conseguir arrecadar o dinheiro necessário para a operação.
O ex-ajudante de ordens teria recebido uma pasta intitulada de “Copa 2022” com um documento que continha detalhes sobre os gastos da operação.
Em busca de conseguir o dinheiro, Cid teria procurado um dirigente do PL ligado à parte financeira do partido e mostrou o documento impresso:
“Nesse arquivo, impresso pelo colaborador, constava valores para deslocamento aéreo, locomoção terrestre, alimentação e provavelmente, mas não se recorda com certeza, gastos com celulares.”
O membro do partido, que deveria ser o tesoureiro ou ordenador de despesa, negou a entrega dos recursos:
“O dirigente do PL disse ao colaborador que não poderia utilizar dinheiro do partido para esse tipo de operação.”
Alguns dias depois, Mauro Cid teria participado de uma reunião entre o Coronel Oliveira e Braga Netto no Palácio do Planalto.
O general teria entregue os recursos necessários para a operação dentro de uma sacola de vinho e teria dito que o dinheiro veio de empresários do agronegócio:
“O dinheiro foi entregue numa sacola de vinho. O General Braga Netto afirmou à época que o dinheiro havia sido obtido junto ao pessoal do agronegócio.’’
Investigações da Polícia Federal alegam que nessa reunião teria sido organizado um plano para matar Alckmin, Lula e Moraes.
No dia 16 de dezembro, o Coronel Marcelo Câmara teria pedido o monitoramento de Alexandre de Moraes. Bolsonaro teria feito o mesmo pedido às vésperas do Natal de 2024.
Cid afirma que não soube de nenhum pedido de monitoramento contra o ministro feito no dia 12 de dezembro, quando Lula foi diplomado pelo Congresso.
Segundo o depoimento, o General Mário Fernandes teria pressionado o ex-presidente a tomar ações em diversos momentos.
Mesmo depois do comandante do Exército confirmar que não participaria de um golpe, Bolsonaro continuava sendo pressionado quase todos os dias para dar uma ordem nesse sentido.
O ministro determinou a derrubada do sigilo da delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
Segundo a Suprema Corte, o sigilo não seria mais necessário, já que a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou Bolsonaro, Cid e outros 32 apoiadores do ex-presidente.
“Não há mais necessidade da manutenção desse sigilo, devendo ser garantido aos denunciados e aos seus advogados total e amplo acesso a todos os termos da colaboração premiada”, escreveu o ministro no documento que desclassifica as delações.
Os denunciados estão sendo acusados pela Polícia Federal (PF) de planejar o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes para impedir a posse do presidente eleito em 2022.
Além disso, o ministro notificou os denunciados a apresentarem suas defesas por escrito dentro do prazo de 15 dias.
Segundo o acordo de delação premiada feito por Cid com a Justiça, o tenente-coronel daria detalhes sobre as investigações em andamento contra o ex-presidente.
Além da suposta trama golpista, Bolsonaro é investigado por outras acusações: o desvio de joias que ganhou do príncipe saudita Mohammed Bin Salman e a falsificação de sua carteira de vacinação, dentre outros.
Após a denúncia, Bolsonaro terá direito a ampla defesa e todas as etapas do devido processo legal.
Após a denúncia ser formalizada, o juiz concede um prazo para que os acusados apresentem a defesa inicial.
Em seguida, o caso será levado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirão se irão ou não aceitá-la.
Caso a denúncia seja aceita, o ex-presidente e seus aliados serão submetidos a julgamento. Se não for, eles serão absolvidos. Esta decisão será diferente para cada um dos 39 acusados.
Uma vez que a denúncia é aceita, o processo segue para a fase de produção de provas. Nesta etapa, testemunhas serão ouvidas, os documentos submetidos a perícias, novos documentos serão apresentados. Então, os acusados serão interrogados.
Dependendo dos crimes dos quais foi acusado, Bolsonaro poderá enfrentar uma pena de 11 a 43 anos de prisão.
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