O primeiro livro de história do Brasil foi escrito quando o país ainda não era o Brasil. Quando Padre Antônio Vieira publicou suas primeiras descrições, já arriscava umas impressões sobre a forma como as relações sociais por aqui se estabeleciam:
“No Brasil, ninguém é público porque todo mundo é casa”, escreveu em “História do Brasil”.
O conceito descrito naquele longínquo 1627 parece ainda ser atual.
“Patrimonialismo é quando nós permitimos que as esferas públicas sejam inundadas pelas esferas privadas. Quando nós fazemos do Estado uma espécie de “casa”, ele deixa de ser uma coisa pública, capaz de cuidar do bem comum”, afirmou a historiadora da USP Lilia Moritz Schwarcz em um vídeo publicado em seu canal no Youtube.
As pessoas podem até desconhecer o conceito de patrimonialismo, mas lidam com ele na política do dia a dia. É o patrimonialismo que está no centro do atual embate entre os dois principais institutos liberais brasileiros e o governo federal. Mesmo que o termo não seja dito nem escrito.
O patrimonialismo está no centro da polêmica que envolveu os principais institutos liberais do Brasil e o governo federal na última semana.
Os institutos Ludwig Von Mises e Livre Mercado entraram na Justiça Federal de São Paulo contra a megalicitação milionária realizada para aumentar a popularidade do presidente Lula.
Organizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM), o vencedor seria contratado para gerenciar as redes sociais e demais áreas digitais do governo.
Os institutos afirmam que a licitação privilegiou agências “amigas do PT”. O custo total do serviço era 197,7 milhões de reais.
O processo ocorreu com base na denúncia de que todas as vencedoras já eram conhecidas um dia antes do resultado oficial. Nos dias 24 e 25 de abril, veículos de mídia de grande popularidade, como O Antagonista e a Folha de São Paulo, noticiaram que entre as 24 participantes, as quatro vencedoras já estavam definidas.
Um exemplo claro foi a publicação do jornalista Wilson Lima em seu perfil do X. Horas antes do resultado oficial, ele fez uma publicação que alguns entenderam como uma referência às quatro empresas vencedoras dos contratos.
A mensagem “PP= AD +M+ BRplus + US” seria uma menção às agências que horas depois, seriam anunciadas: Usina Digital, BR+, Moringa (L2W3) e Área Comunicação.
Na licitação, as contratadas venceram empresas tradicionais no setor, com base em critérios como 'melhor técnica' e não 'melhor preço'.
Duas delas ainda estavam envolvidas em questões legais ou burocráticas. A Moringa Digital (L2W3) e a Área Comunicação foram desclassificadas por documentação inadequada. A BR+ respondia a investigações no Tribunal de Contas da União.
Outra denúncia realizada por alguns veículos de imprensa é de uma ligação dessas empresas com o ministro da Economia, Fernando Haddad, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
A ação movida pelos dois mais importantes institutos liberais pede a anulação da licitação. Caso os autores vençam, as empresas serão impedidas de prestar esse serviço para o governo federal. Há também a solicitação de que os prejuízos sejam ressarcidos aos cofres públicos.
No processo consta um pedido liminar que solicita a suspensão imediata da licitação até o final do período eleitoral de 2024. A alegação é que o valor poderia favorecer grupos políticos.
Conforme noticiou o site O Antagonista, as instituições afirmam abuso de poder econômico:
'Alguém imagina que a maior contratação da história da SECOM sobre comunicação digital, com valor anual de 200 milhões de reais, não afetará a normalidade das eleições em 2024?', os institutos questionam.
Afirmam também que: 'a influência do poder econômico estatal e seu abuso da função pública são descarados'.
Outro problema identificado foi o descumprimento dos princípios da pessoalidade, isonomia e moralidade administrativas. Por todas essas razões descritas, pedem a suspensão da megalicitação.
Os princípios que orientam os órgãos e o trabalho dos servidores existem para garantir que os serviços públicos atendam à sociedade, não a interesses particulares. Eles estão descritos no artigo 37 da Constituição Federal.
O princípio da impessoalidade determina que todos os cidadãos sejam tratados da mesma forma. Diante disso, a administração pública não pode privilegiar ninguém, por nenhum motivo. Um exemplo é a proibição de um político contratar sua esposa ou filho para prestar um serviço para seu gabinete.
O princípio da moralidade garante que qualquer pessoa que presta serviço para o Poder Público aja de forma ética. Um político não pode, por exemplo, receber propina para atender a um pedido de um cidadão.
Já o da isonomia coloca as empresas e cidadãos em condições de igualdade. Por exemplo, se uma pessoa quer trabalhar para o governo, o Estado ou a prefeitura, ela tem a chance de prestar concurso público. Competirá assim em condições idênticas às dos outros participantes.
A alegação de descumprimento desses princípios também esteve presente em outras manifestações contra a licitação. Após as denúncias na imprensa, dois deputados federais pediram explicações ao ministro das Comunicações. O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, solicitou investigações.
Quatro parlamentares do Partido Novo também pediram a suspensão imediata da licitação ao TCU. O processo também solicitava que a licitação fosse anulada de forma definitiva.
Existem também outras razões pelas quais o contrato é motivo de polêmica. A licitação aconteceu logo após o governo constatar uma queda de popularidade em pesquisas como dos institutos Quaest e do IPEC confirmam.
A informação foi confirmada pelo número de participantes nas manifestações de 1º de maio. Um grupo da USP que usa inteligência artificial para fazer esse cálculo estimou cerca de 2 mil pessoas.
Interlocutores do governo revelam que a intenção do presidente Lula é aumentar sua popularidade por meio da melhoria de sua performance nas redes sociais. Isso significa um desafio. As lives das quais o presidente participou recentemente, em estilo informal, não tiveram audiência expressiva.
Segundo o professor João Gualberto Vasconcellos, fundador do Instituto de pesquisa Persona, a conquista das redes sociais ainda é um desafio para a esquerda:
“O domínio das redes sociais no Brasil sempre foi da direita”, afirmou em entrevista exclusiva à Brasil Paralelo.
O mau desempenho do governo na comunicação tem sido motivo de preocupação do próprio presidente, e interlocutores do governo afirmam que o cargo do ministro das Comunicações, Paulo Pimenta, não está garantido.
Em meio à busca de Lula para aumentar sua popularidade nas redes, Sidônio Palmeira, publicitário responsável pela campanha de 2022, tem sido visto em Brasília.
É dele a estratégia de Lula de gravar vídeos impessoais, como o em que aparece fazendo uma corrida com shorts do Corinthians no Palácio da Alvorada e no dia seguinte aparecer, no início da manhã, alimentando os peixes do palácio presidencial usando trajes informais.
É comum que políticos adotem estratégias de comunicação para se manterem próximos ao seu eleitorado. Só que os custos delas podem ser pagos com o dinheiro público.
Isso significa que cada brasileiro tem o direito de continuar discutindo os limites do patrimonialismo. Conforme aponta a professora Schwarcz, no Brasil frequentemente “borram as fronteiras entre o que é público e o que é privado”. Quinhentos e vinte e quatro anos depois, a reflexão de Frei Vicente continua importante.
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