Na reportagem intitulada "Um caso de corrupção que se espalhou pela América Latina está sendo desfeito", o jornal investiga o desmonte da Operação Lava Jato. A mais conhecida estratégia executada para o combate à corrupção no Brasil, revelou um esquema de propinas que desviou mais de R$2 bilhões e se estendeu por pelo menos 12 países, atingindo políticos de quase todos os partidos.
Em 10 anos de Lava Jato, os resultados foram mais de 398 prisões preventivas, e ao final, mais de R$7 bilhões devolvidos aos cofres públicos.
Em uma reportagem detalhada, os jornalistas Jack Nicas e Ana Ionova relatam que o Supremo Tribunal Federal do Brasil reverteu grande parte do impacto da Lava Jato:
“Uma das maiores repressões contra a corrupção da história recente está sendo silenciosamente eliminada”.
O texto menciona que o STF está rejeitando evidências, anulando condenações importantes e suspendendo bilhões de dólares em multas de um caso histórico de subornos. A argumentação é que investigadores, promotores e juízes tendenciosos teriam violado as leis em uma busca voraz por justiça.
“Em decisões tomadas no ano passado — a maioria resultante de ações judiciais movidas por pessoas que alegam ter sido tratadas injustamente — o tribunal anulou casos nos quais políticos e executivos de empresas de alto escalão se declararam culpados.”
Grupos anticorrupção também afirmam que, até o momento, há pelo menos 115 condenações anuladas no Brasil, e que as reversões estão lançando dúvidas sobre condenações em outros países da América Latina, como Panamá, Equador, Peru e Argentina, incluindo até de ex-presidentes.
O NYT destaca a importância das descobertas da operação. Os investigadores desvendaram um esquema em que empresas pagaram bilhões de dólares em propinas a funcionários públicos em troca de projetos.
As descobertas viraram o cenário político da América Latina de cabeça para baixo, fechando corporações multinacionais e levando ao pagamento de quantias exorbitantes em multas. Alguns dos políticos e executivos mais importantes da região foram presos, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva.
A ruína da Lava Jato é agora uma conclusão sombria para uma investigação que já foi vista como uma mudança radical na América Latina, prometendo erradicar a corrupção sistêmica que havia apodrecido os alicerces dos governos.
O público comemorou as condenações como um novo amanhecer para a região.
Uma década depois, o Brasil e outras nações têm pouca evolução no combate à corrupção a revelar. Para alguns, a reversão é outro exemplo da impunidade que os donos do poder desfrutam há muito tempo.
“Pessoas que deveriam pagar por seus erros ou crimes, até certo ponto, sairão impunes”, disse Maíra Fernandes, advogada criminalista e professora do Instituto Getúlio Vargas, uma universidade brasileira.
Ao mesmo tempo, a Dra. Fernandes acrescentou que as reversões não são sem motivo. Gravações vazadas e outras evidências mostraram que um juiz e promotores se coordenaram contra réus, empregaram táticas agressivas para forçar confissões e ordenaram grampos ilegais:
“Mesmo que deixe um gosto amargo”, afirma, “é uma consequência de uma operação que sujou as mãos, que violou as regras”.
A reportagem afirma que, em 2018, um parlamentar “de extrema direita chamado Jair Bolsonaro” usou mensagens anticorrupção para chegar à presidência do Brasil.
Segundo o NYT, a administração também foi manchada por escândalos de corrupção, e [Bolsonaro] finalmente encerrou a Lava Jato quando novas investigações começaram a investigar sua família.
Na semana passada, as autoridades brasileiras o indiciaram pelo suposto planejamento de um golpe de Estado, após ter perdido a presidência em 2022.
A maioria das decisões para reverter a Operação Lava Jato foram autorizadas por um único ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli.
Em uma entrevista, o ministro Toffoli disse que suas decisões foram baseadas em veredictos anteriores de seus colegas do Supremo Tribunal Federal de que investigadores, promotores e juízes da Lava Jato haviam conspirado ilegalmente, invalidando as evidências coletadas. Também afirmou que havia apenas estendido essa decisão a outros casos:
“Provas ilegais não podem ser usadas para condenar”.
“Fazemos isso com grande tristeza”, enfatizou Toffoli durante uma audiência recente da Suprema Corte. “Porque o Estado procedeu de forma errada.”
Alguns críticos, no entanto, acreditam que o juiz Toffoli não deveria decidir os casos.
A reportagem ainda apresenta um resumo do currículo do ministro Toffoli antes de começar a atuar na Suprema Corte. Também foram pontuados alguns momentos da Operação em que o ministro foi alvo de repercussão pública.
O juiz Toffoli recentemente abriu investigação contra a organização Transparency International, um órgão anticorrupção sediado em Berlim, após ela ter divulgado que a nota do Brasil em relação ao combate à corrupção caiu. No relatório, a ONG também faz críticas pontuais à conduta dele. A ONG chegou a afirmar que ele havia “aberto as comportas para a impunidade”.
Ele então pediu investigação sobre as acusações de que o grupo desviou fundos públicos durante a investigação da Lava Jato.
A Operação Lava Jato começou em 2014, quando a Polícia Federal do Brasil desmantelou uma operação de lavagem de dinheiro em um lava-jato na capital do país. Depois de alguma investigação, eles perceberam que tinham “esbarrado” em algo muito maior.
Com o tempo, os investigadores descobriram que algumas das maiores empresas do Brasil — incluindo um grupo por trás da gigante da carne bovina JBS, a estatal Petrobras e a Odebrecht — estavam subornando autoridades no poder na América Latina e na África em troca de contratos governamentais lucrativos. O esquema envolveu pelo menos US$ 3 bilhões em propinas, muitas das quais foram lavadas por meio de esquemas como a lavagem de carros.
Isso levou a centenas de condenações, incluindo a do Lula, então ex-presidente. Ele foi sentenciado a 12 anos de prisão em 2017 por aceitar reformas residenciais de construtoras em troca de favores. O Lula nega as acusações há muito tempo.
O Lula foi solto em 2019 após cumprir 19 meses de prisão, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que ele havia sido preso de modo prematuro.
Menos de dois anos depois, o Tribunal anulou suas condenações, decidindo que o juiz federal que supervisionou a Operação Lava Jato, Sérgio Moro, havia sido parcial.
Gravações vazadas publicadas em 2019 por um site de notícias, The Intercept Brasil, mostraram que Moro havia orientado promotores sobre como buscar condenações, apreendido suspeitos para forçar acordos de confissão de culpa e ordenado grampos ilegais de réus e seus advogados. As revelações foram um golpe enorme para a legitimidade da Lava Jato.
“Eles obviamente foram muito além do que é permitido”, disse Leandro Demori, ex-editor executivo do The Intercept Brasil. “Eles poluíram toda a investigação.”
Moro, agora senador, sempre negou qualquer parcialidade ou ilegalidade, observando que suas decisões foram posteriormente apoiadas por outros juízes, inclusive no Supremo Tribunal Federal. “Minha consciência está limpa”, afirma.
Inocentado das acusações, Lula pode concorrer à presidência novamente e, em 2022, foi reeleito.
Desde então, as reversões se aceleraram. Em 2023, o Supremo Tribunal Federal decidiu que outros casos, além do de Lula, foram manchados pela conduta ilegal de investigadores, promotores e juízes. O STF utilizou essa decisão para anular evidências contra ex-executivos da Odebrecht, suspender multas bilionárias, e tentar reverter condenações, embora outras condenações ainda se mantenham.
Isso gerou um efeito dominó, afetando casos de corrupção em toda a América Latina, como o do ex-presidente peruano Alejandro Toledo. Decisões similares também impactaram a JBS, levantando críticas pela conexão profissional da esposa do juiz Toffoli com a empresa.
Acadêmicos reconhecem a necessidade de corrigir erros da Lava Jato, mas lamentam o revés na luta contra a corrupção.
Rafael Mafei, professor de direito da Universidade de São Paulo, foi direto: “Do ponto de vista dos resultados, a Lava Jato foi um fracasso total”.
A reportagem do The New York Times teve ampla repercussão. O presidente Jair Bolsonaro publicou um post no X no qual afirma que a reportagem destaca a grave crise institucional e moral no Brasil pós-governo anterior, criticando a manipulação política das instituições.
Afirma também que o The New York Times e o Wall Street Journal alertam para um futuro sombrio se o Brasil continuar a politizar suas instituições, promovendo impunidade e reprimindo dissidentes:
“A publicação conclama líderes políticos e empresariais a restaurar a justiça e a liberdade no país, ressaltando a necessidade de unir a sociedade em prol de um Brasil justo e reconciliado”.
Também afirmam que, apesar da cobertura crítica do The New York Times, a atuação do STF reforça a importância de combater a corrupção sem abrir mão de princípios fundamentais, como o direito a um julgamento justo e a imparcialidade dos magistrados.
Veículos de mídia brasileiro também repercutiram. O Brasil 247 disse que o “The New York Times volta a atacar o Brasil por decisões contra a Lava Jato”.
O Antagonista publicou uma matéria com que dizia que o artigo do The New York Times sobre o desmonte da Operação Lava Jato no Brasil gerou reações mistas e críticas quanto à sua cobertura:
“Embora reconhecido por destacar a importância e o impacto regional da Lava Jato, que expôs um esquema de corrupção abrangendo 12 países, a reportagem falhou em aprofundar a análise dos argumentos usados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao anular diversas condenações”.
Felipe Moura Brasil, jornalista de O Antagonista disse que as alegações de detalhamento sobre as alegações de coordenação ilegal entre juízes e promotores são baseadas em mensagens obtidas de modo ilegal e não antenticadas.
Moura também disse que o jornal não mencionou de modo adequado o contexto da liberação de Lula:
“O artigo indicou que Lula foi solto por prisão prematura, sem mencionar que isso decorreu de uma decisão do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância, mudança que beneficiou muitos outros réus.”
Moura Brasil afirmou, contudo, que o The New York Times acertou ao abordar o impacto das decisões em outras condenações na América Latina. Além de tudo, o jornal chamou a atenção para a atual situação de reversão de combate à corrupção no Brasil.
Contribuíram para a reportagem: Paulo Motoryn contribuiu com reportagens de Brasília, e Mitra Taj de Lima, Peru.
Jack Nicas é um correspondente estrangeiro do The Times, cobrindo o conflito no Oriente Médio de Jerusalém.
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