A disputa por petróleo e suas reservas sempre foi um motivador de conflitos armados, agora pode ser que ele leve dois países da América do Sul à guerra. Na zona costeira de Essequibo, entre os rios Cuyuni e Essequibo, foi descoberto uma vasta reserva natural de petróleo e outros bens naturais de alto valor.
O território possui 159.500 km² e corresponde a 60% do atual território da Guiana. Desde 1966, a região é reivindicada pela Venezuela.
Os venezuelanos nunca foram incisivos na reclamação das terras, mas em 2015, com a descoberta das reservas naturais, a situação mudou.
Nicolás Maduro marcou para o próximo dia 3 de dezembro um plebiscito na Venezuela para entender qual a posição da população sobre Essequibo.
A decisão dos venezuelanos pode mudar o cenário geopolítico da América do Sul.
Em 17 de fevereiro de 1966, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Ignacio Iribarren Borges, o secretário de Estado do Reino Unido, da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Michael Stewart, e o primeiro-ministro da Guiana, Forbes Burnham enviam uma carta à Genebra.
O texto continha um acordo que reconhece a existência da controvérsia sobre os limites territoriais da região de Essequibo.
Segundo a Venezuela, o laudo de 1899 que delimitou a divisão dos territórios continha erros evidentes.
A comissão não chegou a nenhum acordo formal. Diante do entrave, as Nações Unidas recomendaram soluções pacíficas para a disputa conforme a Carta das Nações Unidas.
A soberania do território foi cedida à recém-independente Guiana. A decisão foi firmada por um acordo em 1966, mediado pela ONU.
Salvos protestos formais em organismos internacionais, o governo venezuelano nunca tomou medidas mais contundentes sobre o território reclamado e a situação de Essequibo ficou em temperatura morna por mais de 50 anos.
Em 2015, a subsidiária norte-americana ExxonMobil anunciou a descoberta de uma enorme reserva de petróleo a 183 km da zona costeira de Essequibo.
A região ficou conhecida como bloco Stabroek. Segundo reportagem do Money Times, ainda não se sabe com certeza o potencial exploratório, mas estima-se que a região reivindicada tenha uma capacidade de 1,2 milhão de barris por dia.
Essequibo não é rica apenas em combustíveis fósseis, sua região terrestre é reconhecida por possuir reservas de ouro e um alto potencial hidrológico. O local concentra parte da Amazônia Internacional.
Desde a descoberta das reservas, o governo de Nicolás Maduro elevou as críticas ao acordo de 1966, acusando o governo vizinho de se apropriar de riquezas que pertencem à Venezuela.
Segundo a Money Times, especialistas temem que o resultado do plebiscito, caso afirmativo, acabe servindo de legitimação para uma incursão militar de Caracas na Guiana.
De acordo com Victor Del Vecchio, advogado e especialista em direito internacional pela Universidade de São Paulo, uma guerra direta entre Venezuela e Guiana provavelmente teria como resultado o triunfo da primeira.
“A Venezuela é um país altamente militarizado e uma potência militar regional”, avalia.
Del Vecchio acrescenta que um conflito desta natureza invariavelmente atrairia a participação direta ou indireta de agentes externos, envolvidos em interesses econômicos e geopolíticos na região.
Os Estados Unidos podem se envolver diretamente na disputa. Washington possui diversas bases militares espalhadas pela América do Sul.
Victor Del Vecchio entende que a escolha do plebiscito neste momento pode estar atrelada a uma percepção de “janela de oportunidade” na relação Venezuela-Estados Unidos.
Estados Unidos e Venezuela ensaiam uma aproximação estratégica. A administração de Joe Biden aliviou sanções sobre o setor petroleiro do país latino-americano.
“A aproximação com os Estados Unidos pode estar nos cálculos de Nicolás Maduro”, diz Del Vecchio. O governo americano ainda não se pronunciou oficialmente sobre a questão.
Carl Greenidge foi à Corte Internacional de Justiça para tentar barrar a condução do plebiscito. O representante da Guiana manifestou-se em Haia. Greenidge disse que o referendo sobre a região de Essequibo representa uma ameaça existencial à integridade territorial da Guiana, tratando-se de um “plano sinistro”.
“Ele busca criar um novo Estado venezuelano que pretende anexar e incorporar em seu próprio território toda a região de Esequiba da Guiana, mais de dois terços de seu território nacional, e conceder cidadania venezuelana à população”, disse.
Do outro lado, a vice-presidente venezuelana Dalcy Rodríguez, que também esteve em Haia para dois dias de audiência, acusou a Guiana de fazer um pedido “sem precedentes, extraordinário, surpreendente e bárbaro”.
“Viemos derrotar a pretensão do colonialismo judicial da Guiana ao instrumentalizar esta Corte para frear o que não pode ser interrompido: no dia 3 de dezembro, os venezuelanos vão votar no nosso referendo”, disse Rodríguez na última terça-feira (14).
Até o momento, o Itamaraty não se pronunciou sobre as tensões entre Venezuela e Guiana. Para Del Vecchio, é esperado que o Brasil atue como mediador, buscando a estabilidade geopolítica da região.
Uma incursão venezuelana na Guiana poderá afetar o ambiente de negócio de empresas brasileiras na Guiana, sobretudo aquelas envolvidas em setores como energia, mineração, logística e agricultura.
Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, disse que a estatal brasileira Transpetro é uma potencial prestadora de serviços à campanha exploratória dos vizinhos Guiana e Suriname.
A guerra pode agravar a crise migratória venezuelana. De acordo com dados da Agência de Refugiados da ONU, mais de 5,4 milhões de pessoas já saíram do país, muitas se direcionaram para o Brasil.
As guerras movimentam a economia de um país e podem mobilizar os cidadãos em torno de uma causa. Muitos ditadores usam desse recurso para aumentar seu domínio e estender seu poder.
Nicolás Maduro há anos comanda a Venezuela, perseguindo opositores, calando dissidentes e governando por meio da força.
Apesar disso, muitos veículos de comunicação não o tratam como um ditador, mas sim um representante legitimamente eleito pelo seu povo.
Para entender a Venezuela como ela é, a Brasil Paralelo foi até o país de Maduro descobrir histórias reais contadas pela população local.
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