As águas do rio Guaíba começaram a se agitar, formando ondas. Pessoas que haviam retornado às suas casas foram forçadas a sair novamente, buscando se salvarem.
De volta aos abrigos, a rotina estressante se soma à incerteza do tempo de permanência ali. Relatos de desentendimentos entre pessoas acolhidas têm se tornado cada vez mais constantes, bem como situações de estresse pós-traumático.
2.281.774 pessoas já foram afetadas pela tragédia. 538.167 estão desalojados e 77.199 em abrigos. Segundo o boletim divulgado ao meio dia de hoje (16) 806 pessoas ficaram feridas e 104 permanecem desaparecidas. Até agora 151 vidas foram perdidas na tragédia.
No meio do caos, existem também relatos de carinho e organização entre os próprios acolhidos, com o objetivo de tornar aqueles locais provisórios um lar. A solidariedade é tanta que até mesmo pessoas abrigadas estão prestando assistência às vítimas, voluntários que estão trabalhando em abrigos da grande Porto Alegre contaram ao portal Brasil Paralelo um pouco do dia a dia em alguns de quem perdeu tudo.
O caos produzido pelas chuvas extremas no Rio Grande do Sul transformaram locais como galpões, igrejas, centros espíritas, e centros de tradições gaúchas em abrigos para os que perderam seus lares.
A técnica em radiologia Karen Rafaela Mendes, que está atuando em um abrigo da cidade de Cachoeirinha, relatou como um local de confraternização do time de futebol amador se tornou um lar para até 100 pessoas.
“O clube Onze Unidos é um clube de futebol amador da nossa comunidade que tem esse espaço de convivência. O espaço tem duas alas, onde nós montamos o abrigo que cabe menos de 100 pessoas. Na maior há a estrutura de dormitório. São colchões enfileirados com algumas cadeiras de apoio. Ali, as pessoas se organizam com família e entes queridos. Na ala menor instalamos nosso refeitório.”, relatou Mendes.
A estrutura foi completamente cedida pelo clube, que está arcando com as despesas com a conta de luz. Segundo a voluntária, os colchões para os abrigados foram doados pela Defesa Civil.
Questionada sobre como as pessoas se organizam no dormitório, Mendes afirmou que todos se organizam perto dos que amam. Cada um tem seu espaço e as pessoas estão conseguindo viver.
O espaço do clube Onze Unidos tem dois grandes banheiros: um masculino e um feminino. A técnica em radiologia explica que por se tratar de um abrigo menor, sempre houve muito respeito entre os abrigados no uso dos banheiros. A limpeza é feita tanto por voluntários quanto por funcionários do próprio clube.
Para tomar banho era necessário que as pessoas fossem a um outro local, pois ainda não havia estrutura no clube. Todas as manhãs, as pessoas eram levadas por um ônibus da prefeitura para o local e ali tomavam banho.
A coordenadora do abrigo organizava as filas em ordem de idade ou mesmo vulnerabilidade para que tudo ficasse bem organizado. Também entregava os materiais de higiene pessoal doado que o abrigo recebeu em pequenos kits contendo desodorante, sabonete, hidratante, shampoo e condicionador.
Contou ainda que alguns ítens de higiene pessoal que não chegaram através de doações foram comprados pelas pessoas que estão ajudando a acolher quem perdeu tudo.
Para dar mais conforto às pessoas que estão vivendo provisoriamente no espaço do Onze Unidos, um poço artesiano foi perfurado no local. Por enquanto são apenas dois chuveiros funcionando, então as próprias pessoas se organizam nos horários de banho.
Devido à estrutura, homens e mulheres usam os mesmos chuveiros, o que segundo Mendes não é um problema.
“Os próprios acolhidos se organizam. Decidem qual hora quem vai tomar banho, quem vai ficar de olho para avisar que tem gente no banho, etc. Eles estão mais livres nesse sentido.”
O maior temor dos voluntários era de que houvesse um surto de infecções alimentares ou problemas intestinais. Essa preocupação se estende à parte de alimentação.
No abrigo a higiene é prioridade. Os banheiros são limpos mais de uma vez por dia. Na cozinha as mãos são lavadas de forma minuciosa, sempre com água mineral.
“Nós não temos certeza da qualidade da água, então para lavar as mãos e cozinhar só usamos a água mineral”, destacou a Técnica de Radiologia
Para comer é obrigatório passar álcool gel nas mãos. Tudo é feito com muito cuidado para prevenir doenças.
Por ter formação em radiologia, Karen Rafaela Mendes teve um ano de aulas em cuidados com doentes, inclusive primeiros socorros. Por isso, também tem dado apoio no pequeno almoxarifado que foi montado no mesmo espaço do refeitório.
“Quem faz esse nosso curso tem uma boa noção de administração de medicação. Por isso, consigo acompanhar as prescrições, sempre, aferir sinais, fazer uma triagem, avaliar se o paciente precisa de uma intervenção médica. Aqui, nós não tomamos decisões médicas, simplesmente recebemos as queixas das pessoas. A gente afere ali se tem uma febre, se a pressão está normal, deixa tudo anotado. Com os dados, nós repassamos imediatamente para a Secretaria da Saúde, que sempre providencia um profissional da medicina para vir atender essas pessoas.”, relatou Mendes em entrevista exclusiva ao Portal Brasil Paralelo.
Os profissionais de saúde são enviados pelo governo algumas vezes por semana. Avaliam quem precisa de atendimento e prescrevem medicação conforme a necessidade de cada pessoa. Caso naquele dia não seja possível enviar um médico, o atendimento é realizado via telemedicina. Os remédios prescritos são armazenados separadamente, com sua administração controlada pelos coordenadores do abrigo.
A medida tem como objetivo prevenir a ingestão acidental, especialmente por crianças.Todas as medicações disponibilizadas são doações da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul.
Diante do aumento de relatos de conflitos entre os acolhidos, o Portal Brasil Paralelo questionou Mendes sobre as medidas de segurança adotadas no espaço do Onze Unidos. A Técnica em Radiologia informou que, pelo menos onde é voluntária, essas situações não aconteceram. Atribui ao fato de ser um local pequeno a razão de o clima ser tranquilo.
“Aqui acolhemos menos de 100 pessoas. E muitos vêm e vão. Então é mais tranquilo. Mas já escutei relatos de abrigos com 3000 pessoas que essas situações não são raras. Por isso aqui temos gente 24 na porta e o portão fica trancado. Temos mais medo de quem é de fora do que quem está aqui dentro. Nesse sentido tivemos sorte. Temos muitas famílias e idosos.”
A situação não é a mesma em outros locais. Em um abrigo numa paróquia de Porto Alegre um casal e seus 6 filhos estão ajudando como podem. Naturais do interior de São Paulo, escolheram a capital gaúcha como lar há alguns anos.
O marido contou ao nosso Portal que a maior dificuldade que acaba levando a brigas são as diferenças preexistentes entre os abrigados e a situação de estresse em que as pessoas se encontram.
“No início a gente improvisou muito. Então não tinha como separar as pessoas por famílias, por exemplo. Estamos acolhendo no nosso salão paroquial, então são basicamente colchões com roupa de cama e uma cadeira pras pessoas se ajeitarem. Temos um grupo que cozinha, onde inclusive dois dos meus filhos ajudam. Servimos as refeições e tentamos dar o máximo de conforto possível.” , relatou em entrevista
Contou que conflitos surgem principalmente por medo. As pessoas já perderam muito e por isso têm medo de serem roubadas, por exemplo. Perguntado se teve alguma situação específica, o voluntário falou sobre quando um senhor sem querer pisou no colchão em que uma moça dormia.
“Os colchões ficam próximos um do outro. O senhor tropeçou no colchão da moça e acabou caindo em cima dela. Antes de entender a situação, ela passou a gritar que ele estaria tentando abusar dela. Esclarecemos tudo, mas foi estressante.”
Outra questão abordada foi a rotatividade. O voluntário nos explicou que muitos vão ao abrigo instalado em sua paróquia de forma transitória.
“As pessoas vem, ficam um ou dois dias até achar um lugar na casa de parentes. Depois preferem ir embora, até para dar lugar para quem não tem mesmo onde ficar.” , finalizou
Ao chegarem nos abrigos, muitas pessoas apresentam problemas psicológicos. Os sintomas iniciais são de estresse agudo. O professor Rodrigo Souza explica que os resgatados têm apresentado um misto de ansiedade, muitas lembranças e coração acelerado.
As pessoas têm relatado dificuldade para dormir, pois ouvem som de chuva e de barcos o tempo todo, em especial os que passaram horas ou até dias ilhados até que a ajuda chegasse.
Nesse primeiro momento, os profissionais estão incentivando os cidadãos a serem atendidos pessoalmente. O motivo é que, em situações de alto estresse como essa, a conexão entre o profissional e o paciente é fundamental.
“Muitas pessoas trazem suas vulnerabilidades anteriores a esse momento. Às vezes são grupos de familiares que, em situação de ficar muito tempo no mesmo lugar e pelo estresse, acabam tendo conflitos. Por isso o CRP nos orientou a incentivar que as pessoas busquem ajuda na modalidade presencial. Eu e mais dois colegas estamos nos revezando em dois abrigos para ajudar as pessoas. Lembrando: o atendimento é totalmente voluntário. É só chegar que estamos atendendo” , afirmou o psicólogo
Na impossibilidade de acessar os locais de atendimento, o CRP autorizou que atendimentos online também sejam realizados.
Voluntários ouvidos com exclusividade pelo Portal Brasil Paralelo contaram que a forma como a maioria das pessoas está lidando com a situação é emocionante. Recebemos relatos de que pessoas abrigadas também estão atuando como voluntários.
“Estão acolhidos, perderam tudo. Mas não vejo lamentos, ao contrário. Ouvi inclusive de uma moça que perdeu tudo o que tinha e que nunca tinha se sentido tão amada.” relatou a enfermeira Daniele Souza em entrevista exclusiva a Brasil Paralelo
Esses relatos reacendem a esperança por dias melhores. O espírito dos gaúchos está lembrando a cada um de nós que as tempestades e as ondas do Guaíba não abalam nossa determinação. É o nosso DNA desde Dom Pedro I: somos a Brava Gente brasileira.
Voltou a chover nas regiões já inundadas. Se você estiver em perigo, ligue para:
190 (disque emergência) ou 193 (bombeiros).
Sua vida é muito importante, peça ajuda!
Sabemos que cada um de nós gostaria de ajudar. Se você está distante, isso pode ser feito por meio de doações.
Para oferecer suporte financeiro, recomendamos algumas instituições confiáveis que estão organizando campanhas de arrecadação de doações:
PIX: 27631481000190
PIX: 04580781000191
PIX E-MAIL: SOSRS@FEDERASUL.COM.BR
THOMAS GIULLIANO E ACADEMIA SMALL FIGHT
PIX E-MAIL: THOMAS.GIULLIANO@GMAIL.COM
PIX CPF - LUCAS FERRAZ: 008.768.770-48
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