De acordo com o levantamento “Streaming 2022”, realizado pela Hibou, em 2022, 7 entre cada 10 brasileiros utilizam os streamings. Mas essas plataformas podem ficar mais caras e ter menos liberdade na escolha de conteúdo.
Dois projetos de Lei que atualmente circulam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados podem resultar na cobrança sobre os chamados vídeos por demanda, os vídeos on demand (VoDs).
O PL 8.889/2017, que tramita na Câmara, quase foi colocado em pauta no fim da tarde de quinta-feira (13/5). Se for aprovado, resultará no aumento de custos para aqueles que produzem e compartilham conteúdo.
Influenciadores, plataformas e serviços de streaming independentes, que produzem e disponibilizam conteúdo a baixo custo, serão os principais impactados.
Se o PL for aprovado, os recursos arrecadados streamings e TVs por assinatura serão usados para produzir vídeos e filmes, incentivando a produção de obras nacionais, especialmente as produzidas por grupos minoritários, sem considerar a demanda do público.
“Você vai ter um subsídio por parte dos usuários daquilo que interessa ao mercado, que é a rede social, para que mídia tradicional consiga se manter em pé, apesar de todos os problemas que fazem com que as pessoas não mais a acessem” , afirmou o advogado de Direito Empresarial Rodrigo Marinho, diretor do Instituto Livre Mercado.
O resultado da aprovação do projeto será também a cobrança de impostos de empresas que não produzem conteúdo, como Vimeo, Now e Hulu.
Representantes alegam que tais instituições apenas compartilham material produzido por terceiros. Por essa razão, o pagamento da Condecine não apresenta nenhum benefício direto para seus usuários e anunciantes.
“O usuário não entra em uma rede social como Instagram ou Facebook para assistir um filme, então ele não irá utilizar R$1 desse dinheiro do Condecine”, enfatizou o responsável por Relações Institucionais de uma grande plataforma de compartilhamento, em entrevista exclusiva ao portal Brasil Paralelo.
A especialista, que prefere não ser identificada, ressalta que o impacto nas empresas pode chegar perto de bilhões de reais.
O aumento do custo prejudica as empresas, muitas das quais não recebem financiamento público. Como precisam se financiar, elas têm de garantir audiência e sustentabilidade. Se começarem a produzir algo porque o governo solicitou, o que garante que continuarão capazes de atender ao público e conseguir se sustentar? É possível afirmar que o governo sabe o que é melhor produzir?
Serviços independentes de streaming e redes sociais não se beneficiam, por exemplo, dos recursos da Lei Rouanet, que em 2023 disponibilizou R$16 bilhões. O resultado da implementação do projeto seria o aumento da diferença de condições entre as empresas que recebem ou não o benefício público.
A proposta determina que serviços de vídeo sob demanda (VoD), televisão por aplicativo de internet e compartilhamento de conteúdos audiovisuais paguem uma contribuição de 1% a 6%. Assim, plataformas como Netflix, HBO Max e Brasil Paralelo poderão pagar o imposto de forma progressiva sobre toda a sua arrecadação, incluindo gerada por publicidade. Se o projeto for aprovado, esse recurso será gerenciado pelo governo para potencializar as produtoras de cinema e filmes nacionais.
O projeto não versa diretamente sobre a necessidade de usuários pagarem esses impostos, mas especialistas ouvidos por esta reportagem apontam que, caso seja aprovado e se transforme em lei, vai resultar na cobrança de taxas extras, tanto de criadores quanto do usuário final do serviço.
Um dos deputados que lideraram a oposição ao PL, Marcel Van Hattem (NOVO) , enfatizou que o principal problema é a um possível aumento da cobrança. Em vídeo publicado em suas redes sociais, o deputado afirmou que “este Projeto de Lei da TV Globo é um absurdo que irá taxar as redes sociais”.
“O imposto irá incidir sobre influenciadores e quem utiliza as redes sociais profissionalmente, mas quem as utiliza por lazer também irá acabar pagando a conta”, ressaltou, logo após a suspensão da votação na Câmara dos Deputados.
O deputado ressalta que isso pode levar a uma redução na oferta de serviços de streaming e TVs por assinatura no país.
“Empresas como Disney Plus e Prime podem vir a deixar o país”, destacou.
O PL em questão não cria oficialmente uma nova contribuição obrigatória. O que ele faz é ampliar a cobrança de uma taxa que existe desde 2001, a chamada Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).
Esse “imposto” é tradicionalmente cobrado de empresas que produzem ou distribuem filmes, programas de TV e conteúdos similares. A novidade reside na inclusão dos vídeos sob demanda (VoDs), ampliando assim o pagamento da contribuição para as redes sociais e plataformas de streaming.
Há especialistas que acreditam que a contribuição pode ser caracterizada como um tipo de “imposto disfarçado”.
Rodrigo Marinho, que é também mestre em Direito Constitucional, aponta a conformidade da proposta com a determinação Constitucional:
"Essa situações de usar os valores é inconstitucional por violar principalmente o direito de propriedade e a previsão do imposto disfarçado”, pontuou.
A aprovação irá gerar recursos para o governo. A Ancine financiará o audiovisual e a conta será paga por cada brasileiro.
O valor que será arrecadado em caso de aprovação do projeto irá para um fundo administrado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), que tem como objetivo “apoiar projetos audiovisuais específicos e financiar o setor”.
Representantes do setor audiovisual consideram o imposto fundamental para o desenvolvimento da indústria.
“[O Condecine] Trata-se da principal fonte de arrecadação do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), responsável por praticamente todo fomento público direto do audiovisual pelo governo”, afirmou Henrique Souza, que presidia Associação dos Servidores Públicos da Ancine (ASPAC) em setembro de 2022, em entrevista concedida ao jornal O Globo.
Ao financiar obras realizadas pelo Ministério da Cultura, com impostos arrecadados diretamente de empresas privadas, a eventual aprovação do PL criará uma outra contradição: o cidadão financiar de modo obrigatório obras cuja ideologia discorda completamente.
No texto, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT), consta que um dos princípios que guiarão a criação e compartilhamento do conteúdo audiovisual por demanda será “liberdade de iniciativa e mínima intervenção da administração pública…”.
Há especialistas que afirmam que uma eventual o contribuinte pode ter de financiar a produção de filmes que desaprova:
“Esse pagamento para a Ancine, uma agência reguladora de cinema, não faz nenhum sentido. Não há porque o mercado e as pessoas custearem a produção nacional, ainda que não gostem dela”, ressaltou Marinho.
Marcel Van Hattem, em vídeo publicado em seu perfil na rede social Instagram, no dia 14/05, ressaltou:
“O imposto vai financiar conteúdo de esquerda”.
O projeto estabelece privilégios para grupos específicos.
Em primeiro lugar, cria uma cota de catálogo para conteúdo brasileiro. As plataformas terão de exibir um percentual mínimo de horas de vídeos sob demanda produzidos no Brasil. Desse total, 50% deve ser đde produção independente, ou seja, conteúdo produzido fora dos grandes circuitos comerciais e por produtoras de grande porte.
Além disso, há benefícios para quem exibe conteúdo brasileiro.
Se a produtora possui 50% do catálogo composto por conteúdo brasileiro, ela seria classificada como produtora plena. Nesse caso, o pagamento da Condecine seria reduzido pela metade, passando de 6% para 3%. Além disso, é possível zerar o pagamento da taxa se o valor for investido na produção de conteúdo audiovisual brasileiro. Esse seria o caso de plataformas como Globoplay e PlayPlus, da Record.
Outro privilégio estabelecido pelo projeto é a promoção dos chamados grupos incentivados. De todas as produções brasileiras que serão exibida nas telas, 5% serão desenvolvidas por empresas que tenham mulheres, negros, quilombolas ou membros de outros grupos incentivados entre os sócios. Além disso, essas produtoras receberão 10% do total arrecadado pelo novo imposto.
Ao receberem recursos e serem beneficiadas por cotas, essas produtoras obtêm uma posição de vantagem em comparação com as empresas que não utilizam dinheiro público nem contam com reserva de mercado.
No caso do projeto que está em discussão na Câmara dos Deputados, os streamings e redes sociais focadas em vídeo ainda terão de financiar esses projetos:
“É um flagrante privilégio”, afirma Rodrigo Marinho.
A legislação também concederá 30% do valor arrecadado para projetos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A alegação é de que essas regiões têm menor produção e exibição de filmes.
No entanto, a maioria das empresas que pagará o imposto é localizada na região Sudeste.
O projeto inclui também a definição da atividade dos influenciadores, o que possibilita a cobrança de impostos desses profissionais.
Por essa razão, algumas vozes se levantaram contra o projeto, como a do deputado Kim Kataguiri (União/SP):
“A proposta permite que até metade dos valores das taxas possam ser cobrados dos influenciadores digitais. Ou seja, quem recebe da monetização das redes poderá ter uma parcela de sua renda subtraída”, afirmou em seu perfil no Instagram. O desconto será feito na monetização, valor pago pelas visualizações nos vídeos de cada influenciador.
A questão é que grande parte do conteúdo produzido é disponibilizado sem nenhum tipo de cobrança. O aumento de custos poderá reduzir os rendimentos desses influenciadores, levando-os a ter de criar outras formas de monetizar seu trabalho.
Além disso, a redução na produção de conteúdo pode ser uma das consequências com as quais o público terá de arcar, caso o PL seja aprovado.
O governo federal nega a intenção de taxar produtores de conteúdo. Em nota emitida pela Secretaria de Comunicação Social (Secom), o Executivo afirmou que “o projeto não é de autoria do governo”.
Também pontuou que “o texto não faz menção aos seus usuários, nem na condição de audiência e nem como produtores de conteúdo. A proposta prevê contribuição progressiva das empresas de streaming e plataformas de conteúdo para a Condecine”, enfatiza o texto da SECOM.
Em sua entrevista, Rodrigo Marinho deixou claro que o aumento de custo dos serviços de streaming será repassado aos usuários finais.
Outra controvérsia significativa é a exceção do Globo Play, serviço de streaming da Rede Globo, o maior grupo de comunicação do país.
A exceção se baseia em um trecho do projeto, que define o "Serviço de Televisão por Aplicação de Internet" como tributável, mas exclui da tributação serviços equivalentes oferecidos por empresas de transmissão de áudio e vídeo, o que categoriza a Rede Globo. Por essa razão, a proposta foi apelidada “PL da Globo”:
“O projeto foi feito sob medida para a Rede Globo”, afirmou Van Hattem, no mesmo vídeo de sua rede social.
A Globo ganhará outra vantagem importante caso a proposta seja implementada. Ao ligar o aparelho de TV, o usuário não poderá mais acessar diretamente o aplicativo do fabricante. Em vez disso, terá acesso direto aos serviços de radiodifusão de sons e imagens, como os prestados pela TV Globo. Essa determinação facilita que as pessoas passem pelos canais dos veículos tradicionais antes de acessar o menu de seus streamings, o que as estimula a permanecer neles.
O advogado Rodrigo Saraiva Marinho pontua que esse suposto favorecimento de uma emissora específica não está de acordo com as regras estabelecidas na Constituição Federal:
“O projeto parece claramente direcionado à Rede Globo, que hoje transmite a impressão de um alinhamento muito grande com o governo, a ponto de uma das repórteres afirmar que teve uma informação exclusiva, clara, do governo, funcionando quase como uma espécie de assessoria de imprensa do governo federal. O PL parece beneficiar claramente a empresa, que terá uma situação de oferta pontual para isso. Isso é absolutamente inconstitucional porque direciona recursos e quebra a isonomia entre as empresas do setor., afirmou Marinho.
Outro problema grave que o projeto apresenta é o direito de acesso ao Fundo Setorial do Audiovisual. Enquanto empresas que produzem conteúdo nacional, como a Netflix, podem acessá-lo, plataformas de compartilhamento de vídeo, como Now e Meta, dona do Instagram e do Facebook, não podem.
Luan Sperandio, analista político e diretor de operações do Ranking dos Políticos, afirma essa determinação da Lei cria uma relação de desigualdade competitiva entre as empresas:
“O PL cria uma assimetria de mercado. Plataformas como Youtube, que não produzem conteúdo próprio, não poderão ter as deduções de impostos que plataformas produtoras, como NetFlix, Prime Vídeo e outros serviços de streaming, poderão ter. Isso cria uma grave desvantagem competitiva para plataformas que hospedam conteúdo de terceiros”, afirmou em entrevista exclusiva à Brasil Paralelo.
Marinho enfatiza que nunca, em um mercado, parte das empresas podem acessar um determinado fundo, sem que a outra parte também possa:
“Isso quebra completamente a questão do law flow, a questão da lei ser igual para todos. Por isso, a inconstitucionalidade”, ressalta o advogado, que também já atuou na área de Direito Empresarial.
Ele ainda ressalta que conceder benefícios a empresas específicas prejudica a sociedade como um todo:
“Isso é completamente absurdo”, pontua.
Caso o projeto seja aprovado na Câmara, seguirá para aprovação no Senado Federal. Se for aprovado também na Casa, seguirá para sanção presidencial.
A aprovação irá impactar o modo como 162 milhões de brasileiros utilizam plataformas cuja importância vai muito além do entretenimento.
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