“A sociedade precisa redescobrir Deus periodicamente”: A primeira entrevista de Jordan Peterson no Brasil - Parte 4

Jovem Pan: Dr. Peterson, acredito que foi Nicolau Maquiavel, o filósofo italiano do Renascimento, que disse uma vez que a sociedade precisa redescobrir Deus periodicamente, e mais recentemente, no mesmo sentido, tivemos um comentário muito perspicaz vindo de ninguém menos que Joe Rogan, que acredito ser seu amigo neste ponto. Ele é um cara pragmático, humilde, que não finge ser alguém que não é, e ele afirmou, cito: "se ele voltasse agora, seria ótimo", referindo-se, é claro, a Jesus. Rogan  continuou dizendo, meio que brincando, "Jesus, se você está pensando em voltar, talvez agora seja um bom momento, estamos meio que ferrados, desculpe meu francês". Então, você acredita que tal momento para tal descoberta chegou e o que isso implicaria?

Jordan Peterson: É sempre o caso, mitologicamente falando, que o herói nasce no momento mais escuro. É por isso que celebramos o Natal por volta de 21 de dezembro, quando o sol desaparece mais intensamente, e o nascimento de Cristo é comensurável com o renascimento do sol. O caos da escuridão chama a necessidade do herói. 

Então, na antiga história de criação egípcia, o Deus do Estado, Osíris, é derrubado por seu irmão malvado, que o corta em pedaços e os distribui por toda parte. As coisas desmoronam, é isso que isso significa. A Deusa do Caos, Ísis, faz sua aparição engravida com os restos apropriados de Osíris. Ela dá à luz Hórus. Hórus é como o Rei Arthur, Hórus é como Simba em "O Rei Leão", é a mesma história. Ele cresce alienado do Estado, como todos nós fazemos. Ele é um falcão porque pode ver o mal, então volta ao Egito e tem uma terrível batalha com seu tio, a quem vence. 

‍Sempre que as coisas estão terríveis, essa história se repete. As coisas degeneram em caos, há uma fertilidade no caos, ele dá origem a, ele chama pelo renascimento do herói, e o herói se manifesta quando as coisas estão mais escuras, e muitas vezes nos lugares mais improváveis, daí a manjedoura, por exemplo. Ou você vê isso na história de Moisés, porque ele é um escravo hebreu ameaçado que é condenado à morte na água, certo? 

Então, Rogan acredita que o caos é tanto que um renascimento é necessário. Isso é verdade, ele acertou nisso, está em um bom lugar para detectar isso porque Rogan é um tipo de pessoa que mira para cima e atira direto. Além disso, ele também falou e ouviu, você sabe, 2.000 especialistas, então ele é muito informado. E não é apenas Rogan, você pode ver isso em outras pessoas cultas, Ayaan Hirsi Ali se converteu ao Cristianismo, assim como seu marido Niall Ferguson.

‍Jovem Pan: Ambos eram da Universidade de Austin, correto?

Jordan Peterson: Sim. Ambos eram admiradores dos “cavaleiros do movimento ateísta”, mas se afastaram disso. Recentemente, ela participou de um debate com Dawkins sobre esse mesmo tópico e me disse que o ressurgimento da fé cristã a salvou de tempos muito sombrios. E Russell Brand é outro exemplo incrível. 

Douglas Murray fez declarações semelhantes, assim como David Ruben. Quem mais? Quem mais? 

Isso já é suficiente por enquanto. Então você pode ver essa mudança. 

Jovem Pan: Oh, que performance de Doug Murray contra Med Hassan, certo? Eu vi você tuitando sobre isso.

Jordan Peterson: Sim, nos debates ”Munk” [ série de debates políticos realizada no Canadá], correto? Você tem que ser um tolo para aceitar um convite para debater com Douglas Murray. É suicídio, certo? Deus, talvez Ben Shapiro pudesse conseguir, talvez Russell Brand, mas eu pagaria para ver isso, com certeza.

Jovem Pan: Sem brincadeira, eu também pagaria para ver, com certeza.

Jordan Peterson: Sim, mas, você sabe, Russell, por exemplo, e Douglas não seriam mais adequados para um debate. Eles seriam mais adequados para uma discussão porque eles ouviriam um ao outro e chegariam a algum lugar, com certeza. Eu acabei de falar com Douglas dois dias atrás. Eu estava em Toronto quando ele estava lá para os debates Munk, pouco antes de eu vir para cá. E eles o convidaram para voltar porque ele fez um estrago, provavelmente algo como “Israel versus Palestina”.

Jovem Pan: Foi no debate anterior ao “Munk” Ele estava debatendo com o homem que escreveu "Blink". Qual é o nome dele? Um famoso romancista. Não consigo lembrar o nome dele no momento, mas vamos procurar.

Jordan Peterson: E Murray é muito carismático e é um debatedor incrivelmente afiado. Então, eu acho que ainda não assisti, mas sei que o resultado foi que o voto do público, que é um público muito liberal, dado que é no Canadá, foi radicalmente a favor de Murray, assim como foi quando ele participou do debate Munk do ano anterior. Você sabe, foi bom para ele. E Douglas é uma daquelas pessoas como Ian Hery Ali, que têm espinhas de aço, certo? Eles são realmente notáveis. Eles são definitivamente exemplos para nós e renomados aqui no Brasil.

Bem, você sabe, uma das coisas mais cativantes sobre seus exemplos, e isso é algo que todos devem realmente entender, é que os tipos conservadores dirão aos jovens que é seu dever dizer a verdade, que você deve dizer a verdade. As gerações mais jovens balançarão suas cabeças e o acharão moralista por isso, mas os conservadores são bons em consciência, mas não muito em vocalização. O que eles não dizem aos jovens é que uma das razões pelas quais você deve, talvez a principal razão pela qual você deve dizer a verdade, é porque é uma coisa incrivelmente aventureira de se fazer.

Então, quando você olha para as vidas de Ayaan Hirsi Ali, por exemplo, e Douglas Murray, eles estão viajando pelo mundo todo, ocupam um lugar central e merecido no palco público, são muito dignos de serem ouvidos, suas vidas estão longe de ser monótonas. A razão para isso é porque eles estão dizendo a verdade. A verdade é uma aventura e veja, e as pessoas cada vez mais valorizam e recompensam quem parece ser o contador da verdade. Eles podem punir no início, esse é o custo, mas esse é o custo. Se algo tem um preço no curto prazo, não significa que não seja uma boa estratégia a longo prazo.‍

E a verdade é que as pessoas mentem para conseguir coisas que não merecem e para evitar consequências que merecem. E as mentiras funcionam no muito curto prazo, mas o sacrifício que você faz ao mentir é que você renuncia à aventura da sua vida. E então a promessa no Corpus Cristão é que a aventura que você teria ao dizer a verdade é de profundidade suficiente para justificar o sofrimento da vida. E você meio que sabe disso com seus filhos, sabe, porque você quer que seus filhos saiam e acertem o alvo, certo? Colocar tudo o que têm nisso, empurrar a pedra morro acima e você tem uma intuição de que eles estão no seu melhor quando estão fazendo isso. É isso que você quer celebrar quando os vê no campo de esportes, por exemplo, ou em uma competição na classe deles. Você quer vê-los prosperando dessa maneira e vivendo essa aventura. Você tem uma intuição de que, se eles apenas continuassem a desempenhar funções corretamente, eles teriam as vidas que deveriam ter, eles se destacariam e isso valeria a pena.

Então isso é o que acontece na história de Abraão. Abraão, de certa forma, teve uma infância como a que você descreveu. Ele era filho de pais ricos e não há evidências na história de que Abraão tenha levantado um dedo sequer e Deus não vem até ele até que ele tenha cerca de 70 anos. Ele está vivendo na tenda de seu pai, tem tudo feito para ele, o paraíso socialista à mão, certo? Ele é um bebê completamente satisfeito e Deus vem até ele como a voz da aventura e diz que você tem que deixar sua zona de conforto e sair para o mundo. E é uma verdadeira catástrofe porque Abraão sai para o mundo e os aristocratas conspiram para roubar sua esposa, ele encontra fome e tirania, acaba em uma guerra e tendo que sacrificar seu filho. Sua vida é uma sequência de aventuras cataclísmicas, mas ele tem fé e coragem suficientes no início para sair e viajar pelo mundo.‍

E Deus lhe faz uma oferta, isso é uma coisa muito legal de entender porque fala de um tipo de alinhamento de instinto e destino. Imagine que há algo em você que o leva à aventura. Ok, agora a questão seria, se você ouvisse e fizesse os sacrifícios necessários para fazer apenas isso? Você fosse religioso em a esse respeito, o que aconteceria? Bem, essa é a oferta que Deus faz a Abraão. Ele diz que quatro coisas acontecerão se você fizer isso: você será uma bênção para si mesmo. Então, isso é um bom negócio porque muitos de nós somos frequentemente maldições para nós mesmos porque estamos envergonhados da maneira como nos comportamos. Ser uma bênção para si mesmo é um bom negócio. Você será uma bênção para si mesmo de uma maneira que lhe trará renome merecido entre seus semelhantes. Então, isso é um bom negócio, claro, isso o estimula a continuar avançando. Bem, e isso coloca amigos e aliados onde quer que você vá e é merecido, ou seja isso é um bom negócio, isso é um ótimo negócio.

Ok, mas isso não é tudo. O terceiro negócio é que você fará isso de uma maneira que lhe permitirá estabelecer algo de valor permanente. No caso de Abraão é uma dinastia, porque ele está destinado a se tornar o pai de nações, então ele fará algo permanente e isso é o mais importante: você fará tudo isso de uma maneira que será uma bênção para todos os outros. Imagine o quanto é legal! Se estiver certo isso é tão legal! Tenha em mente que, como um pai benevolente você promove o desenvolvimento de seus filhos, você encoraja esse espírito e então poderia imaginar que isso caracteriza seu filho. Ok, então o que isso significa? Bem, significa que seus espíritos se tornam integrados e se alinham, significa que esse espírito integrado agora é visto com admiração por outras pessoas e eles são um alvo de emulação, que ambas as coisas acontecem de uma maneira que é mais provável de estabelecer algo permanente e duradouro e tudo isso acontece de uma maneira que é benéfica para todos os outros. Isso é um bom negócio, esse é o pacto que Deus estabelece com Abraão na história bíblica.

Eu não vejo como esse princípio pode estar errado porque a hipótese alternativa é que o espírito de aventura que motiva crianças e adultos a se desenvolverem os tornaria uma maldição para si mesmos. Não, diminuiria seu valor para os outros. Não, tornaria impossível estabelecer algo permanente. Bem, isso é tolice, por que você teria o instinto e isso só tiraria dos outros? É como, não, você sabe perfeitamente bem se você está em um time de esportes e você tem o melhor jogador do seu time que também é um bom esportista, então esse homem é um, esse jogador é um benefício para si mesmo e ele é um presente para o time. De uma maneira que faz com que ele e o time se desenvolvam também.

Não há soma zero. Eu não quero soar piegas, mas sempre voltamos a isso, não há "eu" no time, certo?

De certa forma todo o time é composto de diferentes "eus", eu acho.

Eles estão todos jogando um jogo.

Jovem Pan: Sim.

Jordan Peterson: Bem, essa é uma das coisas que eu vim a entender nos últimos dois anos, levou muito tempo para descobrir isso, tipo 40 anos, foi que o espírito de jogo, então isso seria o que realmente une um time, o espírito de jogo é o antídoto para a tirania. E então, esse time, a razão pela qual não há "eu" não é porque os "eus" desaparecem, eles não desaparecem, os "eus" são integrados de maneira ideal no jogo e você sabe perfeitamente quando um time está realmente funcionando de maneira ideal junto, quando eles estão "quentes". Todos no time se esforçam para cima de uma maneira que otimiza seu próprio desenvolvimento, eles estão fazendo isso em relação a todos os outros e todo o time está melhorando.

E é quando é divertido, isso é o que é tão legal, é até divertido de assistir.

Jovem Pan: Certo, não nos leve a mal, quero dizer, por que não mencionamos recentemente o "GOAT" Tom Brady? Ele afirmou recenemtente que sem seus companheiros de equipe ele não teria nem perto da carreira que conseguiu alcançar. Brady é muito grato por isso e vindo dele, devemos ouvir.

Jordan Peterson: Isso mesmo. Bem, há também algo muito interessante sobre isso, que é que o sucesso de Brady não prejudicou o sucesso de seus companheiros de equipe, muito pelo contrário. Quanto mais bem-sucedido ele era, melhor todos os seus companheiros de equipe estavam. Esse é o marco de uma sociedade funcionando corretamente e é o antídoto para aquele jogo de soma zero que os utópicos apocalípticos estão tentando impor a todos.

É como, bem, não há o suficiente para todos e o que todos terão precisará sofrer restrições, você terá que se acostumar a ter menos. É como existe mais do que o suficiente para todos se as pessoas funcionarem juntas corretamente, existiria. Essa é também uma promessa bíblica, há mais do que o suficiente para todos se “todos olharem para o alto” eu acho que isso está certo.

Leia a parte 5

‍