Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.
Ano após ano, observamos as universidades promovendo temas, eventos e palestras que desafiam a inteligência, o trabalho, o bom senso e o investimento do brasileiro comum.
De travestis pelados a oficinas de masturbação, tráfico de drogas, jovens invadindo (ou, melhor, ocupando) universidades em nome de guerras no Oriente Médio, e desvios de verba do movimento estudantil, as infrações dentro das universidades são constantes.
Contudo, pouco tem sido feito para contrabalançar os desvios e abusos da liberdade universitária. Nesse contexto, chama a atenção como as pessoas parecem esquecer que as universidades possuem gestores, indivíduos que ostentam seus cargos onde quer que estejam.
Assim, não seriam eles co-responsáveis, não apenas pelos sucessos, mas também pelas falhas e negligências que afetam negativamente a instituição?
É um clichê verdadeiro dizer que, cedo ou tarde, as ideias trazem consequências. No texto final da nossa trilogia, abordaremos um pouco sobre as motivações que conduzem o espírito dos gestores universitários brasileiros, tentando explicar o que leva alguns deles a agir como se fossem alheios aos problemas ao seu redor.
No modelo de gestão universitária brasileiro, parece haver uma cultura que valoriza ideias apenas quando elas são ineficientes o suficiente para não trazer qualquer inovação.
Para ser justo, podemos dizer que aqueles que gerenciam essas instituições até possuem algum espaço para seguir suas convicções. Mas, na maioria dos casos, preferem mantê-las escondidas para evitar conflitos.
Não raramente, fazem uma piada ou outra, emitem uma pequena opinião. Mas, com a difusão tecnológica dos celulares e a facilidade de ter a vida arruinada no mundo digital, esses profissionais estão cada vez mais receosos, pisando em ovos ou dando longas explicações sobre o que deveria ser objetivo.
Ouvir um gestor universitário brasileiro discursar pode ser tão prazeroso quanto assistir a um discurso de Dilma Rousseff em velocidade 0,5x. É sempre mais do mesmo; o início parece confuso, e o fim lembra o começo.
A razão para esse cenário vai além de um simples reflexo do curso das coisas. No cotidiano, a elite da gestão universitária (representada por cargos como gestores, pró-reitores, reitores, chefes de centros, chefes de departamentos e diretores de campus) parece ter optado por uma certa banalidade. Eles precisam ao menos dar a sensação de que tudo está bem, ainda que o navio esteja afundando.
Muitos desses gestores agem assim porque têm sido cada vez mais sobrecarregados com questões burocráticas, administrativas e políticas, ao invés de focar na ordenação e evolução das instituições que comandam.
Em apenas um dia, esses gestores recebem tantas solicitações de comissões, agendamentos e e-mails que, se tentassem atender a cada pessoa que precisa resolver algo, poderiam facilmente passar a semana inteira paralisados por trivialidades.
Além disso, para tomar boas decisões e conseguir apoio, esses gestores precisam também do suporte de diversas pessoas e grupos de poder dentro das instituições universitárias.
E fazer isso, no atual cenário das universidades brasileiras, onde a militância possui cadeira cativa, está longe de ser fácil.
Como qualquer instituição com recursos financeiros, a universidade atrai diversos grupos sedentos por sua fatia de poder, verba e influência.
Isso cria uma rivalidade que vai desde a vaidade acadêmica até a disputa por bolsistas, homenagens, titularidade, abertura de novas vagas no departamento e financiamento de projetos.
Nesse contexto, parte das atividades desses gestores consiste em fornecer recompensas e acalmar ânimos que nem sempre são facilmente satisfeitos.
Para piorar, esses grupos não apenas sabem que o gestor precisa de apoio, mas também reconhecem essa relação de dependência, usando-a para barganhar toda forma de recursos e favores.
Assim, o sindicato, o grupo de professores de exatas, os grupos alternativos, os militantes da educação, o movimento estudantil, e até mesmo professores de diferentes áreas... todos eles se tornam potenciais aliados ou rivais de um determinado gestor universitário.
Caso contrário, há grande chance de que surjam denúncias, fofocas, boatos ou apoio ao gestor rival.
Esse cenário cria um ambiente tão hostil que, caso os gestores não se curvem, ao menos em parte, a esses grupos, há uma alta probabilidade de serem sabotados dentro da universidade.
Nesse cenário repleto de interesses e grupos a serem atendidos, resta uma paralisia decisória, dificultando o tempo para tratar das questões centrais da gestão universitária.
Como exemplo, resta pouco tempo para esses gestores avaliarem se a universidade está cumprindo seu propósito.
Os alunos estão aprendendo uma nova profissão e sendo empregados? Qual é o retorno do investimento para o contribuinte?
Nesse teatro, tentar avaliar o que realmente está acontecendo com a instituição acaba se tornando a última prioridade dos gestores.
Afinal, não dá para negociar com o "diabo" e esperar sair impune. Surge, então, uma das razões pelas quais esses gestores se curvam ao radicalismo, aplaudem eventos com pornografia explícita dentro das instituições públicas ou demonstram simpatia por atividades que certamente não apoiariam se envolvessem seus próprios filhos.
Todo esse cenário cria um ambiente de impunidade em relação às ideias. Por mais irônico que pareça, alcançar os cargos mais altos da gestão universitária transforma esses gestores, na prática, em reféns dos interesses alheios.
Não é à toa que muitos gestores se sentem acovardados em relação a assuntos simples de decidir.
Pergunte a eles se é certo usar as instalações da instituição para alguém ficar nu, ou se apoiam invasões dentro de instituições de ensino, ou ainda se concordam com o uso e comércio de drogas dentro das repartições federais.
Essas são perguntas simples e fáceis de responder, ainda mais porque há respaldo na legislação brasileira.
Mas, não se engane: todas as vezes que tentei fazer essas perguntas, eles tentaram desviar do assunto.
Relativizar, minimizar, ou, na melhor das hipóteses, concordar de forma ambígua, para que essa concordância não implique em nenhuma ação concreta.
Esse cenário ajuda a explicar como notícias, como a da historiadora que mostrou as nádegas em uma palestra na Universidade Federal do Maranhão, afirmando que a pedagogia que propõe inclui esse tipo de abordagem, continuarão a acontecer sem gerar qualquer reação dos gestores. Eles têm coisas “mais importantes” com que se preocupar.