Professor de Português com mais de 20 anos de experiência, autor do best-seller "A Gramática para Concursos Públicos" e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras do Porto.
Veja:
Moço - moça
Monge - monja
Cantor - cantora
Oficial - oficiala
Freguês - freguesa
Juiz - juíza
Alemão - alemã
Judeu - judia
Se isso fosse um teste psicotécnico, quais palavras você diria pertencerem ao mesmo gênero? As da coluna da direita, certo?
Sabe por quê? Simples. Todas elas têm uma marca em comum: a vogal A que vem ao fim delas. É essa marca que indica o gênero feminino. Fácil, não?
Já as da coluna da esquerda têm um padrão de terminação, alguma MARCA em comum?
Hmmm... Obviamente não! Afinal, temos O, E, R, L, S, Z, ÃO...
Sabe o que isso quer dizer? Que não existe uma marca distintiva para indicar o masculino.
Logo, o suposto machista e tão criticado "o" não é a marca do masculino; se assim fosse, o que fazer com todas estas palavras masculinas: elefante, reitor, bacharel, japonês, ateu, herói, etc.?
Esse é o ponto-chave para acabar com essa discussão de "Devemos usar o X (ou outra letra, como o “e”) para uma linguagem inclusiva, abarcando seres humanos que se identificam como pertencentes a diferentes gêneros ou a gênero nenhum".
Entenda de uma vez por todas: é justamente a AUSÊNCIA de uma marca distintiva de masculino que nos permite usar uma palavra como "todos" para um público misto de homens e mulheres:
– Todos que estão aqui, sejam bem-vindos!
O "todos" e o "bem-vindos" NÃO são um reflexo duma sociedade machista, porque o "o(s)" que vem ao fim dessas palavras NÃO reflete um machismo estrutural linguístico; é justamente pela AUSÊNCIA de marca distintiva de gênero que elas são usadas para se referir, inclusivamente, àqueles presentes no local (seres com útero ou sem útero).
Por que incluir um gênero neutro se ele já existe nessas formas não marcadas?
Por que dizer "Boa noite a todos, a todas e aos demais!" Se posso simplificar e, sobretudo, incluir todas as pessoas diante de mim assim: "Boa noite a todos!"?
– Mas isso é machismo! (grita o raudério)
Por dentro, eu grito "NÃO! É justamente o CONTRÁRIO disso, seus lindos!".
No Latim, havia os gêneros gramaticais masculino, feminino e neutro. No português, língua neolatina, só há dois gêneros gramaticais: masculino e feminino.
Em termos simples, o neutro latino foi mais incorporado às palavras de gênero masculino justamente pela ausência de marca distintiva de masculino no português.
Na prática, isso significa que, quando nos referimos a um público misto, não precisamos usar na escrita e/ou na fala "Sejam simpáticXs e educadXs" ou "Sejam simpátiques e educades", pois a construção "Sejam simpáticos e educados" já abarca todas as pessoas (olha aí: palavra feminina [pessoas] referindo-se a seres de todos os sexos e gêneros), inclusive seres humanos que não se identificam com este ou aquele gênero.
Logo, quem impõe uma suposta inclusão do X ou do E (ou de outra letra) só o faz por razões ideológicas, e não linguísticas, pois a língua não é machista... é morfologicamente inclusiva por natureza.
Querer alterar a língua para satisfazer determinadas pautas é desconsiderar todo o percurso histórico da língua, que usa "todos” tanto para homens quanto para homens e mulheres juntos (havendo uma plateia só de mulheres, usamos “todas”, com a marca de feminino A).
"Ah, Pest, mas eu não me identifico nem como homem nem como mulher. O que faço?"
Simples. A língua evoluiu a ponto de você poder usar as formas não marcadas. Agora, se você foi registrado como Bruno, e mesmo assim não quer ser chamado de Bruno (ou Bruna), chame-se Brune ou Brunx.
O problema é querer obrigar que todos pensem como você, fazendo com que o mundo de usuários da língua altere à força todo um sistema linguístico estabilizado há séculos e séculos que serviu e serve como padrão de comunicação entre a imensa maioria. É justo incluir a minoria excluindo-se a maioria?
— Ah, mas a língua muda e devemos respeitar as mudanças! Não podemos parar no tempo!
Sim! Concordo 101%! Mas saiba que a língua muda OR-GA-NI-CA-MEN-TE, e não por imposição dum grupo social que acha que, trocando O/A por E ou X, os preconceituosos vão parar de ser como são.
Entenda: as mudanças linguísticas estruturais são sempre um processo ESPONTÂNEO por meio dum uso e adesão constante da maioria da sociedade, sem nenhum tipo de imposição ou grita.
Sendo assim, se o passar do tempo alterar a língua a tal ponto de usarmos TODXS ou TODES, beleza, será um processo natural da sociedade, não uma imposição – ou, como diz o pagode, "deixa acontecer NATURALMENTE..."