Sociólogo, pós-graduado em Escrita de Ficção pela Universidade Lusófona de Lisboa, mestre em Literatura e doutorando em Estudos Românicos pela Universidade de Lisboa.
Qualquer um que já tenha lido uma só página de Álvaro Lins ou de Wilson Martins sabe que a crítica literária no Brasil morreu e que não há nada que recorde, nem mesmo de muito longe, as páginas em que era possível encontrar uma opinião que não só separava o joio do trigo, como também, e de modo muito mais relevante, expandia o horizonte do leitor comum.
Este, de mero perscrutador de escuridões, conforme lia um Augusto Meyer ou um Otto Maria Carpeaux, pouco a pouco passava a enxergar na literatura estrelas que, à exata medida de seu aprendizado, interligavam-se até formarem as constelações mais cintilantes.
Hoje, porém, quando lemos em qualquer veículo de grande mídia uma crítica literária, a primeira coisa em que pensamos é onde é que esta foi parar.
Ocorre que a crítica verdadeira perdeu todo o seu ínfimo espaço para o elogio bajulador, interesseiro e, em grande parte das vezes, meramente ideológico, ficando assim, na melhor das hipóteses, restrita à marginália de algum rincão virtual ou impresso.
Não é difícil perceber, mesmo para alguém que não esteja acostumado às sacanagens do sistema literário brasileiro, que atualmente, no lugar dela, só há três tipos de publicações: as adulações mais descaradas aos apaniguados políticos, as cartas de vendas travestidas de resenhas e, é claro, os puxa-saquismos intergrupais em que escritores se elogiam mútua e calorosamente, tais como se participassem de uma festa em que a falta de louvores significaria desapreço ao que fora concedido de bom grado e de antemão.
Como consequência, é praticamente impossível que o leitor possa formar um gosto literário mais elevado, isto é, que não fique à simples mercê das vontades mais liliputianas do mercado ou das pressões político-ideológicas mais cínicas e alienantes.
Antídoto contra tudo isso, a crítica literária honesta e corajosa, tem como função justamente tornar mais inteligíveis os elos da corrente que liga os vivos aos mortos e estes aos que ainda nem nasceram, conforme escreveu T. S. Eliot.
Isso porque um crítico literário – refiro-me aos genuínos, e não aos criticastros cujas palavras não passam de impostura e pantomima – jamais julga um livro isoladamente no tempo e no espaço, como se a literatura houvesse acabado de ser inventada; ao contrário, ao analisar uma obra, ele tem o dever de pô-la sob todo o peso da tradição.
Sem isso, mesmo o pior dos escritores é alçado subitamente a grande literato e, desde que rezando de joelhos a cartilha do status quo, ainda é capaz de levar para casa um reluzente e adorável Jabuti.
Não se trata, contudo, de frivolamente comparar, como se tudo não passasse de mero joguete, autores antigos e novos a fim de que, formando um campeonato, sagre-se um campeão, mas de fazer o leitor compreender que nenhum livro se dá no vácuo ou sem sentido em relação ao que foi produzido anteriormente.
Continuidades e rupturas (as verdadeiras, e não as ignorantes e pretensas) são os critérios da inserção ou não de uma obra no cânone literário ou, para não ir tão longe, já que a intenção atual parece ser menos alcançá-lo do que o rebaixar, no conjunto geral de dada literatura.
Fora disso, por mais aplausos que receba num dado momento, a obra estará fadada ao pó do esquecimento e, em pouco tempo, todos os louvores se tornarão um silêncio tão retumbante quanto sepulcral.
O problema, ademais, é que não apenas vivemos num tempo em que a literatura decaiu a níveis rasteiros, como também estamos soterrados por uma enxurrada de livros debaixo da qual, despossuídos de critérios, não conseguimos separar o valoroso do depauperado, o frondejante do estéril, o meritório do pueril.
Relegados ao deus-dará de nossas próprias e solitárias inteligências, somos levados a acender velas não para ídolos com pés de barros, mas para ídolos sem pés, braços, pernas, troncos e principalmente cabeças.
Diante desse cenário desalentador, caso realmente queiramos recuperar nossa literatura, é obrigatório ressuscitarmos a crítica literária tal como ela foi quando exercida por mulheres e homens que, com destemor missionário, diziam o que precisavam dizer sem quaisquer embustices ou beija-mãos indecorosos.
Do contrário, nosso futuro será o de leitores ainda piores e – visto que, ao menos idealmente, somente escreve quem lê – a literatura, que já está bastante degradada, descerá a infernos ainda mais ignóbeis.