Rasta é um highlander, um artista que apresenta colunas irônicas, versões textuais de seu programa Rasta News, um jornal semanal isento de notícias. Não delicadezas aqui.
Oprimidos, marginalizados, excluídos? Ou apenas a politização do acidente, em um campeonato das dores do mundo?
No "Rasta news" de hoje, falaremos sobre este tipo agudo e choroso, que vem plangendo a polifonia de uma grande fuga em mimimi menor, que busca pautar os rumos de sociedades que lhes são completamente incomensuráveis. No Rasta News de hoje: Minorias
Po… minorias é um tema crocante, hein? Talvez eu diria que é o tema do momento das últimas décadas. Da professorinha ao Serginho Groisman, do político ao porteiro, todo mundo tem uma opinião.
Uns são a favor, outros estão contra, mas a grande dúvida é se qualquer um deles sabe do que está falando? Afinal, com quantas vítimas se faz uma minoria? Pensando nesta problemática, o Rasta News foi às ruas medir a temperatura dos brasileiros em relação às minorias.
Eita. Mas que confusão, hein? A conclusão do Rasta News é a única conclusão possível: não apenas é difícil entender as ideias de um povo, mas as expectativas humanas andam cada vez mais estrambóticas.
No ano de 2024 você já não sabe mais quem é quem, o que come, ou como se reproduz; mas, ao mesmo tempo, espera-se do homem comum que reconheça todas essas como fontes de direitos inalienáveis do ser humano.
Pessoas como seu Ataíde, estivador, ou José, o padeiro, Agamenon, o agiota, e Chico, vendedor e briqueiro profissional, de repente se deparam com tipos de calcinha colorida e piercing no cabelo, a reivindicar tratamentos, privilégios, ações e verbas do grande leviatã em nome de grupos de pessoas ditos minoritários que por sua vez não os elegeram para tal, algo inimaginável até nos trambiques e tramóias mais escusos com os quais convivem nossos eleutérios brasileirinhos.
Por trás desse fenômeno pouco fenomenal está um traço do gênero humano que dizem por aí, pelo correio das inglesas que não conseguiram se bronzear, ter sido herdado de nosso passado pleistocênico: o Tribalismo.
Desde os tempos mais primórdios, vemos o homem humano a agrupar-se em patotas a fim de sobreviver.
Nessa luta pela sobrevivência imperam os arranjos de soma zero, um dia a mais é sempre um dia melhor, não há perspectiva de longo prazo e tampouco espaço para o desenvolvimento de lealdades que transcendam as circunstâncias mais imediatas.
A lógica de sobrevivência da tribo é: Esse aqui é meu líder, não dá tempo de ver se ele tá certo ou errado, mas como ele é mais forte é capaz que esteja certo porque até aqui funcionou pra ele.
Esse maluco que tá aqui do meu lado é tipo eu, aquele outro ali também, então tamo junto família, já aqueles malucos lá são outros e se eles pegarem as nossas frutinhas e o nosso churrasco de capivara a gente vai ficar sem, então é inimigo. Uga buga, fazuéli e vou viver a Deus dará.
Levou um bom tempo para que o homem, com suas faculdades, inventividade, e algum auxílio da providência, chegasse a condições em que a mera sobrevivência estivesse já mais ou menos resolvida, em que ele não estivesse majoritariamente tão abaixo das circunstâncias que o cercam, e o espaço para uma sociedade civil propriamente dita pudesse surgir.
Com o acúmulo de produção e o surgimento e desenvolvimento da lei e da ordem, o homem pôde ir deixando aos poucos os dramas do tribalismo e passando a vislumbrar uma espécie de vínculo com seus confrades que não dependesse mais da identificação imediata no esquema de amigo x inimigo, surgindo aí uma das grandes belezas da humanidade: o respeito civil que é respeito nenhum.
Com o respeito civil, o homem não precisa mais tomar uma posição de combate perante o próximo, tampouco precisa amar o próximo como nos exortam as escrituras e o antigo modelo medieval, em que o amor ao próximo e a submissão de súditos e reis à lei divina deveria ser a base da cidade dos homens.
Se esse tal respeito civil tem sido suficiente para manter a coesão do tecido social, é uma presunção um tanto quanto extravagante, mas é seguro dizer que foi o bastante para o desenrolar das grandes nações que formam esse lar quebrado que se ergue dos escombros da idade média, e que também chamamos de Estado nacional.
O Estado nacional moderno, fruto do direito romano, da moral judaico-cristã, e da mistura destas com as ideias Iluministas, (meu irmão, o cara tem que ter uma auto-estima muito grande para cunhar um termo como esse, é o iluminado, antes dele eram as trevas), afirma um indivíduo, cuja lealdade é baseada no território e na língua, como o sujeito de uma liberdade civil que surge como uma espécie de negociação entre pares, um espaço entre o que se faz e o que não se faz.
O problema dessas ideias que vêm de homens que usam peruca e salto alto, é que conquanto algumas sejam até dotadas de grande garbo e elegância, elas chegam a resultados extravagantes muito rapidamente.
Eu não sou trouxa de acreditar que os malucos que chegaram para iluminar a história do pensamento humano vão se apresentar vestidos igual roqueiro de banda Twisted Sister, com a cara cheia de maquilagem e aquelas pintinhas na bochecha.
Faz sentido uma coisa dessa? Para a surpresa de ninguém, não demorou para que os tais estados nacionais se degenerassem em um tribalismo nacional e seus indivíduos se juntassem contra os indivíduos dos outros países, o que quase aniquilou a europa inteira duas vezes.
Mas depois de todo esse pardieiro e do advento das armas nucleares a coisa se estabilizou da seguinte maneira: as democracias liberais do ocidente, mal e porcamente, se baseiam na cidadania nacional para ter coesão e funcionalidade.
Acontece que no meio do caminho tinha um comunista, tinha um comunista no meio do caminho.
Os intelectuais da nova esquerda, que viram o proletariado em condições industriais avançadas e com armas na mão, em vez de voltarem-se contra os patrões irem matar uns aos outros pela ideia de pátria.
Perceberam que o mero fato de ser trabalhador não tornava o homem apto para a revolução e que, muito pelo contrário, o desenvolvimento da produção capitalista alçou toda uma massa de potenciais revolucionários à condição de classe média, e a Marilena Chauí odeia a classe média.
A conclusão foi que precisava-se encontrar um novo sujeito histórico para fazer a revolução.
Muito se debateu, muitas teses e antíteses se bateram por aí, mas com o pós-marxismo de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, que já foram homenageados pelo nosso troféu bigodagem, chegou-se à brilhante conclusão de que é possível construir uma hegemonia baseada em um discurso, selecionando algum elemento estruturador arbitrário para nomear um grupo e fazendo com que um grupo limitado de pessoas falasse como se tivesse a autoridade para representar tal grupo.
Transforma-se assim o fingidor na coisa fingida e, quando menos se vê, você que só estava com outro cara sem frescura, se encontra em uma situação em que tem um armário ou uma bandeira seguida por uma cartilha de direitos, à qual você deve sua lealdade.
E foi assim que, usando de narrativas para simplificar eventos históricos complexos ou simplesmente falsificando a coisa toda, criou-se a ideia de minoria.
O foco da ação política agora não é o de garantir o mínimo funcionamento da ordem para a maioria das pessoas, o que já é um milagre que tenha funcionado pelo tempo que durou, mas o de formar grupos baseados em identidades das mais orgânicas às mais artificiais e estapafúrdias e jogá-los contra o tácito consenso dessa maioria, que é a própria substância da ordem dentro do estado moderno.
Mas como instrumentalizar grupos que quanto mais se identificam como grupos, mais difíceis ficam de ser instrumentalizados?
A resposta para isso foi um feitiço arcano do tipo palavra de poder: interseccionalidade. A interseccionalidade coloca debaixo do mesmo guarda-chuva da opressão as diversas categorias de minorias.
A luta da mulher, a luta do índio, a luta das travestis, a luta das sapatão, a luta dos gays, a luta do imigrante, a luta dos encarcerados, a luta das pessoas com deficiência, onde tiver alguém que não está bem ajustado à ordem vigente, há ali uma opressão a ser sanada.
Mas obviamente esta opressão não é a mesma para todos os grupos, inclusive a luta das mulheres vai esbarrar na luta do travesti que dá um olé nelas nos esportes e na gostosura da coxa; a luta do imigrante não é a mesma dos gays; enfim, como é que organiza esse negócio?
Daí o nome interseccionalidade, você vai pegar quantas opressões simultâneas o indivíduo tem e isso vai dar a ele a primazia no debate, já que de acordo com o outro feitiço palavra de poder: lugar de fala, os ativismos de lugar de fala têm a licença poética de mandar o feitiço "cala a boca" por conta da posição hegemônica dos grupos ditos majoritários.
Então a coisa vira realmente uma partida de magic de vítimas da sociedade.
Mulher? Conta ponto de vítima. Mas branca? Menos ponto de vítima. Negra? Mais ponto de vítima. Trans? Mais ponto de vítima. Imigrante? Mais ponto de vítima. Portador de deficiência? Mais ponto de vítima.
Se essa contabilidade de injustiças e sofrimentos como fonte de autoridade não fez essa galera se prostrar aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo menos deveria ser o suficiente para o surgimento de uma hierarquia, onde o mimimi diminuto tem a primazia, passando pelo mimimi menor, o mimimi justo, o mimimi maior, e o mimimi aumentado, que nas condições atuais é a mulher branca de família.
E é aí que o caldo entorna, meu irmão, porque se o pai da mulher branca de família não conseguiu tesourar nela a ideia de que o mundo seria um lugar muito melhor contanto que ela estivesse no poder, não vai ser um bando de outros excluídos que vai fazer isso.
Recentemente, recebemos um e-mail de um tal de instituto para a formação de casais liberais, enviado por uma tal de Ayn Rand, que parece ter fundado este mix de casa de swing com think tank libertário. Ela nos pede para falarmos com uma camarada que ela jura ser a menor minoria do mundo.
Então nada mais justo que, no programa de hoje, entrevistaremos ele, que é a menor minoria do mundo: O indivíduo
-Boa noite, Sr. Indivíduo, é Indivíduo de que?
-É só Indivíduo mesmo, sem sobrenome, um nome individual.
-Po, teu pai e tua mãe te viram nascer e te batizaram indivíduo?
-Não, meu nome é Marcos, mesmo, eu mudei meu nome para indivíduo depois que eu ganhei um dinheiro com criptomoedas e comprei a casa dos meus pais, e mandei eles embora.
-Ah… interessante. Então, você gosta desse lance de criptomoeda?
-Não, eu só tenho porque eu me sinto mais individualizado com os meus bitcoin.
-Entendi, pô, based hein… e o que que você gosta de fazer, Seu Indivíduo? Me conta um pouco sobre você.
-Ah… nada demais. De manhã, faço uma torrada, passo um requeijão e tomo um café com leite. Pode ser leite integral, mas ultimamente tenho tomado leite desnatado.
-Legal, interessante, mas você não tem nenhum hobby?
-Não sei. Às vezes eu dou um assobio, ou faço um batuquezinho com os dedos na mesa por alguns segundos e esfrego as mãos.
-Legal… e você tem mais algum outro hobby?
-Acho que é só isso mesmo.
-Entendi…
-Pois é.
-Não tem mais nada não?
-Acho que não.
-E o que é que tem de legal nessa vida de indivíduo?
-Ah, eu gosto de não ter que dar satisfação a ninguém, sabe? Quando sai uma série no streaming, por exemplo, eu posso maratonar de boa, não preciso ser fiel e esperar pra assistir com ninguém.
-Então não tem nenhuma namoradinha?
-Eu tive uma webnamorada uma vez, mas depois descobri que ela era o gordão ucrânia, do Ancapsu
-Eita, e não tem nenhuma dificuldade, uma opressão que você passa por ser assim, tão individual, não?
-Ah, eu tenho dificuldade assim de coçar o meio das costas, sabe? É muito difícil fazer isso enquanto indivíduo.
-E o que mais?
-Ah, eu também me tornei autossuficiente seguindo o exemplo do Marilyn Manson, tirei duas costelas
-Uau! E como que é essa sensação?
-Ah, não é tão legal, é tipo o INSS, você se sente mais contribuindo do que usufruindo de um benefício
-Verdade, e você gosta de ser assim?
-É tranquilo.
-Entendi… então, conta alguma situação engraçada da sua vida, pro pessoal de casa que tá curioso de tanto ouvir falar em você.
-Sim. Outro dia eu fui no mercado, ia comprar um pão, mas terminei comprando um biscoito.
-Tô sacando, o indivíduo gosta de um açucarzinho. Tem personalidade. E aí, o que aconteceu depois que comprou o biscoito?
-Eu comi… tava.. tava assim… tava mais ou menos, mas eu comi.
-Entendi… Aí terminou a história?
-Sim, acho que foi só isso.
-Não tem mais nada não?
-Não.
-Porra, mas que merda, hein? Mas que merda esse tal de indivíduo. Eu não mais vou te defender não, cara… menor minoria? Tá doido? Maluco escroto. Sai daqui. Some daqui!
Jeremias, esse individuo aí foi um fiasco. Eu fiquei chateado porque eu sempre quis conhecer esse tal de indivíduo, sempre achei que ele era um cara top pra ser defendido, mas o maluco é um tédio.
Mas também, como é que eu me meti a confiar num cidadão enviado por uma concubina russa?
De qualquer maneira, não tem problema, porque nós temos aquele anúncio chocante pra dar.
Atenção a todos em casa. Pode parecer que o nosso programa falhou em encontrar a essência das minorias, mas os nossos embaixadores não desistiram de defender a menor das minorias e após pesquisas, estudos e a leitura de livros com muitas folhas, hoje, nós apresentaremos a refutação cabal ao individualismo, pois a nossa academia descobriu a existência de uma minoria menor do que o indivíduo.
Senhoras e senhores, o Rasta News orgulhosamente apresenta em vídeo a nossa grande descoberta, uma minoria menor que qualquer minoria, o átomo minoritário da sociedade, com vocês, o Botafoguense.
[Vemos um botafoguense triste chorando]
Caramba, Jeremias, eu fiquei arrepiado. Eu mal posso esperar para ver as consequências desta revolução que o botafoguismo metodológico nos estudos da história, das ciências sociais, da economia e da sociologia.
Imagina, a praxeologia dos austríacos se tornando a lagrimaxeologia. Então, ficamos assim: amanhã às 9 na praia e uma melancia de meia e meia hora se não chover!