Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.
Embora parte dessas instituições tentem dar a impressão de normalidade, pretendo mostrar nesse texto que a situação está longe de ser favorável e o abismo é logo ali.
Em um passado não tão longínquo, ingressar em uma universidade pública representava um sinal de distinção para pelo menos parte da sociedade brasileira.
Passar no vestibular das universidades federais representava para o estudante (e mesmo para sua comunidade) que o agora calouro da instituição era ao menos um dos alunos mais preparados do seu ano, apto a ingressar em uma nova carreira e, talvez, constituir em pouco tempo uma família.
No interior e nas capitais, quando um aluno passava em determinado curso do vestibular, era comum fazer uma festa ou algum tipo de comemoração.
Não era tão raro ver os próprios familiares rasparem a cabeça do estudante, passar tinta, oferecer presentes caros, comprar chaveiros com logo da profissão, fazer cartazes e banners para colocar em frente às casas parabenizando por ter conseguido a aprovação na instituição.
Se toda essa comemoração era brega ou ao menos desnecessária, deixarei para o leitor se decidir. Não é objetivo deste texto discutir a mentalidade bacharelesca do brasileiro médio.
Mas voltando, nessa época, os cursos preparatórios nadavam de braçada nas capitais e mesmo em algumas cidades mais do interior.
Quantos pais não sacrificaram parte importante do suado salário para mandar ao menos um dos filhos fora da cidade natal para fazer cursinho pré-vestibular?
Alguns desses pais tinham até condição de pagar uma universidade privada mais cara mas, naquela época, estudar em uma universidade pública parecia ao menos fazer valer esse “investimento”.
O prestígio vendido por ter um filho na universidade pública enchia a boca de alguns familiares nas conversas de boteco, após o jogo de futebol, resenhas após a missa e cultos.
Hoje, podemos afirmar que o cenário universitário é muito diferente desse passado nem tão distante. Se, por um lado, a universidade pública brasileira continua detendo algum predomínio no campo da pesquisa, o mesmo não pode ser dito sobre seu ensino.
Menos de duas décadas depois, o ensino das universidades públicas brasileiras tem sentido a pancada das más decisões do passado.
Atualmente, não é mais tão fácil convencer o público que, após 4-6 anos de formados, aqueles que se dedicaram a cumprir todos os testes para ingressar numa carreira sairão dali capacitados para ingressar no mercado de trabalho.
Esse desinteresse é expresso mesmo em números. O número de inscrições no ENEM tem dado sinais de declínio, obtendo seu ápice entre 2013 e 2016.
Atualmente, em 2024, temos pelo menos cerca de 3,5 milhões de candidatos a menos em relação ao período áureo, apesar do aumento das facilidades e massiva propaganda estatal para estudantes se inscreverem no exame.
De forma adicional, se por um lado as grandes universidades têm também sentido mais dificuldade para atrair e reter talentos, as pequenas, por sua vez, têm obtido dificuldade para encontrar alunos dispostos a se matricular em seus cursos.
O que antigamente era expresso no vestibular através de uma relação de candidatos por vaga, hoje, já tem sido expresso através de uma relação de vagas por candidato.
Negando a velha expressão popular que diz que, de graça, até injeção na testa, já é possível identificar que algumas universidades simplesmente não têm conseguido preencher nem as vagas para que estudantes ingressam gratuitamente no ensino superior.
Alguns fatores ajudam a explicar esse cenário. Vamos falar brevemente sobre alguns deles.
A análise evolucionária e econômica convergem quando pressupõem que o ser humano obedece a motivações. E, o que vem acontecendo é que boa parte das pessoas têm perdido as suas para cursar o ensino superior.
Para a esmagadora maioria dos cursos, concluir um ensino superior em uma universidade pública ou privada, hoje, está longe de oferecer qualquer garantia ou mesmo segurança para sua estabilidade profissional e sobrevivência.
Através de programas como Prouni e FIES, o estado brasileiro arrombou a lei da oferta e demanda a partir do final dos anos 2000.
Sob a propaganda de democratizar o ensino público, incluir os menos favorecidos, e utilizar as instituições de ensino superior como instrumento de justiça social, o Estado abriu a porteira, ignorando a qualidade bem como adaptação desses profissionais ao mundo do trabalho.
Dito de outra forma, o governo expandiu drasticamente as instituições de ensino, criando desde universidades, institutos federais, inaugurando cursos em diversas regiões do Brasil, ampliando vagas, e, ao mesmo tempo, financiando e facilitando a entrada de outros milhares de estudantes na iniciativa privada.
Alguns desses cursos foram criados nesse período com o intuito de atender a mão de obra local do próprio Estado. Por exemplo, com o apoio do Executivo, criava-se cursos de licenciatura para atender a demanda de professores da rede estadual do município de Voulhintaxa.
O que poderia dar errado? O que esses gestores e professores universitários ignoravam (ou ao menos fingiam) é que, com uma turma de alunos formados, você não precisaria de mais ninguém atuando no mercado local por, pelo menos, 25 até 30 anos.
Contudo, agora, a cada ano, teremos milhares de profissionais sendo arremessados ao mercado.
E, engana-se quem pensa que isso aconteceu apenas com a área da educação. Quem aqui se lembra do boom da engenharia civil?
Quase 7 anos depois, vimos a uberização dos engenheiros, fenômeno que, logo, logo, vai bater na porta da medicina, com o aumento progressivo das escolas de medicina e a revalidação intensa dos estudantes brasileiros estudando no Paraguai.
Como o leitor esperto já deve ter percebido, esse cenário descrito criou e tem criado uma quantidade massiva de desempregados, desesperados por uma oportunidade.
É uma pena, pois, alguns desses estudantes foram excelentes alunos, que, de forma honrosa, se dedicaram com extraordinário desempenho, são espertos, fizeram bons trabalhos, realizaram iniciações científicas, obtiveram publicações, fizeram pós-graduações e por aí vai.
Alguns deles obtiveram currículos até melhores que os de seus professores concursados. No fim, o futuro não foi muito grato com estes estudantes.
As decisões do Estado fizeram essas pessoas sumirem no mar de influencers de Linkedin. A geração de novos profissionais está sentindo hoje na pele o peso da desvalorização do diploma e da banalização do ensino superior. De repente, o que era diferencial, virou pré-requisito.
Acotovelando-se a cada ano pelo novo edital de concurso público ou tentando se ajustar ao algoritmo da Gupy, uma quantidade massiva de brasileiros tem se humilhado para obter uma condição digna de trabalho, já que a aprovação do Estado para exercer uma profissão no mercado não está mais valendo muita coisa.
Esse cenário de banalização do ensino superior atinge também diretamente os setores de Recursos Humanos.
Como a procura por emprego é gigantesca, e o papel do currículo aceita tudo, hoje, para os mais jovens, parece cada vez mais difícil conseguir uma entrevista já que para cada vaga oferecendo um salário razoável, há centenas, em alguns casos, milhares de candidatos.
Neste cenário, contratar o sobrinho do dono, a indicação de um conhecido ou usar a inteligência artificial do Linkedin parecem estratégias mais seguras para os profissionais de RH do que minerar cada currículo separadamente.
Paralelamente é preciso também acrescentar que, com o aumento da adesão da pós-modernidade e da cultura woke no setor público, o sentimentalismo ganhou força nestas instituições de ensino gerando uma pressão formal e informal para que reduzissem os critérios de avaliação dentro das universidades.
Esses são apenas alguns dos motivos que me levam a crer porque entre papel das universidades públicas e das uniesquinas privadas, o ensino público reduziu e deverá continuar reduzindo sua autoridade pelos próximos anos.