Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.
Em 2019, escrevi um artigo para a Gazeta do Povo chamado "Existe balbúrdia na universidade? O silêncio acadêmico diante do radicalismo”.
Nesse texto, publicado há mais de 5 anos, tentei responder uma pergunta que na época foi arremessada à opinião pública em função das declarações do então Ministro da educação, Abran Weintraub.
Para quem não se lembra, na época, Weintraub havia dito que nas universidades públicas havia balbúrdia. Lembro como se fosse hoje da repercussão da declaração.
Parte da comunidade ficou extremamente incomodada com o então Ministro. Vi muitos colegas e professores colocarem de forma irônica em suas redes sociais expressões como “Balbúrdia!” ou “viva a Balbúrdia na universidade brasileira” a cada nova notícia sobre conquistas de professores, pesquisadores e cientistas dentro dessas universidades.
A ideia destes profissionais era a de demonstrar que na verdade a crítica do ministro era no mínimo infundada.
Afinal, como alguém poderia imaginar que este tipo de coisa pudesse acontecer nas universidades?
Mais de 5 anos se passaram desde minha publicação e volto de novo ao tema para falar o quanto aquele cenário escrito em 2019 continua atual e, junto com esse cenário, a permanência do cinismo acadêmico diante do radicalismo.
Sim, uma parte considerável dos acadêmicos e professores universitários sabe muito bem toda imoralidade e ilegalidade que acontece abertamente dentro dessas instituições.
Desde bailes funks, consumo e tráfico de drogas, até exposição sexual gratuita requintada de algum pretexto acadêmico… parte massiva das universidades convive com esses fenômenos aos olhos de todos dentro da vida acadêmica.
E a esmagadora maioria das autoridades universitárias simplesmente não faz nada para mudar esse cenário.
Vamos analisar com mais cuidado as razões para dessa suposta ignorância voluntária nesse segundo texto abordando alguns desafios da universidade brasileira.
As câmeras da Brasil Paralelo entraram dentro das universidades públicas para ouvir professores e alunos vítimas de perseguição. São relatos de acadêmicos silenciados, difamos e perseguidos. Essa investigação pode ser assistida gratuitamente por você. Clique aqui e assista.
Ao contrário do que muitos imaginam, a universidade pública brasileira não é apenas o reflexo ou a média dos valores existentes dentro da sociedade brasileira.
Pelo contrário. Ao entrar em uma universidade pública, tem-se a impressão de que as pessoas de lá não pensam ou sofrem das mesmas dores que o restante da sociedade brasileira.
É verdade que uma parcela desses estudantes sofrem diariamente com horas dentro do ônibus, pouco dinheiro, provas difíceis, maus professores, problemas dentro de casa e tantos outros problemas que afetam o brasileiro.
Mas, do outro lado, existe também uma parcela significativa destes estudantes que vivem uma adolescência prolongada dentro dessas instituições.
A sensação daqueles que entram em parte das universidades pela primeira vez é de que boa parte das pessoas que vivem ali, convivem com um universo paralelo que se assemelha a um parque de diversões com eventuais provas e trabalhos a cada dois meses, a depender do curso que está matriculado.
Não à toa, muitos estudantes universitários parecem ignorar a existência do tempo dentro das universidades e, quase por osmose, esquecem de amadurecer.
Alguns ficam na graduação por mais de uma década, sem trabalhar e sem problemas familiares expressivos, apenas desfrutando da vida e do dinheiro dos pais enviado mensalmente.
Esse fenômeno acaba gerando nesses alunos uma semelhança com os personagens do Chaves.
O estudante de graduação não percebe, mas ele começa a agir como se fosse um velho com roupas de criança.
É comum ver nessas instituições esses estudantes conversando como adolescentes de 14 anos com seus cabelos grisalhos.
Suas prioridades normalmente giram em torno de viagens, festas, encontros e algum outro bem material de preferência.
Não por coincidência, vemos também uma média elevada de idade dos presidentes da UNE.
A grande maioria deles raspando ou em alguns casos ultrapassando os 30 anos de idade. Para as eventuais objeções, é óbvio que não vejo nenhum problema em uma pessoa estudar em qualquer instituição de ensino no mais tardar.
O que considero estranho é ver pessoas muito mais velhas que a média estudantil assumindo cargos que controlam dinheiro de milhões de estudantes, ligados a partidos políticos e movimentos totalitários apoiando desde a invasão de universidades até a expropriação da propriedade de famílias inocentes. Não parece estranho ao leitor?
Não raramente, áreas de influência dos centros acadêmicos bem como áreas comuns dos diretórios centrais dos discentes são vistos como locais extremamente permissivos, refratários à presença de quaisquer mecanismos de controle de acesso dentro das mediações das universidades.
Lembro-me de quando era estudante e um professor, praticamente sozinho, coitado, propôs uma parceria com a polícia militar para frear a onda de violência em um campus de uma universidade federal.
Essa sugestão simples ocasionou protestos de parte significativa dos estudantes vinculados ao DCE.
A razão é mais simples do que parece. Esses estudantes abominam a presença da polícia nas imediações das instituições.
Não estava no gibi as vezes que ouvi de estudantes universitários que ali era um território federal e, portanto, nenhuma polícia militar deveria pisar ali. Um argumento estupido, obviamente.
Quer dizer que, agora, a universidade se transforma em feudo à parte, onde os estudantes dentro dessas instituições deveriam ser monitorados apenas por uma polícia especial?
Bem, elitista, mas, o pior é que, frequentemente, esse argumento colava.
Os dirigentes destas instituições tais como os reitores, chefes de departamento e demais autoridades administrativas não raramente ouvem calados e aceitam reivindicações absurdas como essas.
Mas existiriam razões para que os membros da universidade brasileira tratassem a leite com pera todos estes estudantes?
As câmeras da Brasil Paralelo entraram dentro das universidades públicas para ouvir professores e alunos vítimas de perseguição. São relatos de acadêmicos silenciados, difamos e perseguidos. Essa investigação pode ser assistida gratuitamente por você. Clique aqui e assista.
Uma das lições da ciência política ao longo da modernidade foi estabelecer que nem sempre as representações que certos grupos de interesse fazem de si são realmente verdadeiras ou dignas de crédito.
Na verdade, boa parte dessas representações podem ser na verdade uma grande cortina de fumaça para ocultar ou camuflar os reais interesses de um grupo de funcionários.
Ao entender isso, podemos compreender que profissionais acadêmicos universitários são pessoas como quaisquer outras.
Eles respondem a motivações como quaisquer seres humanos. E, como seres humanos, precisa-se separar a propaganda do mundo real.
Estes profissionais estão muito longe de representar em sua totalidade aqueles ideais vagos e românticos que vendem de professor/ pesquisador, como se atuassem como cientistas bonzinhos, racionais, altruístas e dedicados em salvar a humanidade ou dar alegria para seu povo, como os filmes de Hollywood e podcasts constantemente tentam nos fazer transparecer.
Não me entenda mal, essas pessoas até existem. Mas elas são muito menos do que a propaganda universitária e os militantes que desejam cair nas graças do estamento universitário tentam nos fazer acreditar.
Pise em uma universidade federal e encontrará o oposto do alardeado na grande maioria dos casos.
Na verdade é totalmente normal e previsível encontrar nesses profissionais um certo egoísmo corporativo.
Para ele, você é tão bom quanto segue o rito do estamento burocrático. Os títulos e premiações da antiga nobreza são obtidos aqui através da influência dentro da instituição, a quantidade de publicações ou o cargo administrativo que ocupa dentro da universidade.
Nesses ambientes, professores se reconhecem como membros de uma casta e o resto da sociedade é vista constantemente sob um olhar de canto de olho, um desdém polido ou dois tapinhas nas costas.
O brasileiro médio apresentado sob olhar desse estamento universitário é sempre caricato e distante.
Como o cachorro que come a própria cabeça, através dessa distância, entende-se que a função social da universidade consiste na replicação e defesa desse próprio estamento.
Com a palavra um trecho de Raymundo Faoro em os donos do poder:
“O sistema de educação obedece à estrutura, coerentemente: a escola produzirá os funcionários, letrados, militares e navegadores. Mas os funcionários ocupam o lugar da velha nobreza, contraindo sua ética e seu estilo de vida. O luxo, o gosto suntuário, a casa ostentatória são necessários à aristocracia. O consumo improdutivo lhes transmite prestígio, prestígio como instrumento de poder entre os pares e o príncipe, sobre as massas, sugerindo-lhes grandeza, importância e força”.
Neste cenário, uma brincadeira mal colocada, um comprimento sem a devida reverência ou uma vírgula denunciando problemas do ambiente universitário poderá ser suficiente para que passe agora a ser visto por esses membros sob um olhar de eterno distanciamento e inimizade.
Não à toa, o auto-engano, o puxa-saquismo e promoção pessoal reinam na mesma proporção da inveja dentro destes ambientes.
No mesmo ambiente em que pesem esses sentimentos mais rasteiros, associa-se a figura do cientista objetivo correto, racional que deseja o melhor para o país e o mundo.
E tudo que possa apresentar eventuais críticas ou, ao menos inconsistências da prática de uma parcela desses profissionais, é arremessado na caixa do obscurantismo, fake news e tantos adjetivos que parecem encerrar a discussão para os mais incultos.
Pois bem, dito tudo isso, o leitor ainda pode ter a pergunta, mas qual seria então a razão para que estes membros do estamento ignorassem ou em alguns casos até incentivassem movimentos radicais autoritários dentro dessas instituições?
O estamento universitário atua na grande maioria dos casos em apoio destes movimentos pelo simples fato destes movimentos estarem sempre à disposição do estamento universitário.
O militante radical precisa da legitimidade do estamento universitário assim como esse estamento precisa do apoio do militante radical, sempre apto a defendê-lo.
Como em uma relação de simbiose, o militante defende e faz propaganda da universidade, assim como a universidade acolhe e incentiva o comportamento militante.
Os dois grupos se protegem e perpetuam em um teatro repetido onde ambos atuam como aliados.
Por essa razão, mesmo os professores universitários que narram os maiores absurdos frente à problemas com militantes universitários, como por exemplo quando interromperam e sabotaram aulas, ou mesmo ameaçando de morte invadindo e depredando patrimônio público, não costumam ter sucesso ao mover processos contra a ação destes estudantes.
O estamento universitário tem seus filhos mimados que tem nítidas vantagens quando comparados ao cidadão comum.
Neste jogo de interesses, o conhecimento e a boa ciência são os principais prejudicados. A perseguição e sabotagem em nome de um grupo de militantes continua presente e, sim, parte massiva dos profissionais não apenas fazem silêncio como promovem esse radicalismo.