Nicholas Vital

Jornalista e escritor. Autor dos livros "Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo" e "Guia de Comunicação para o Agronegócio". Acompanha há 20 anos o dia a dia do setor.

O curioso caso do país que despreza a sua vocação

As teorias de Adam Smith e David Ricardo deixam claro: o futuro do Brasil passa pelo agronegócio.

Nicholas Vital

Sejamos francos: o Brasil nunca terá condições de brigar em pé de igualdade com a Alemanha quando o assunto é o desenvolvimento de carros. Também não terá a menor chance de disputar com o Japão ou a Coreia do Sul a liderança na indústria de eletrônicos.

Tampouco tomará da China o título de "fábrica do mundo". Nem no futebol podemos mais nos gabar de sermos os melhores do mundo. Infelizmente, em nenhum desses casos há a menor possibilidade de mudança num futuro próximo. 

No entanto, existe uma área onde o Brasil é imbatível: o agronegócio. O mesmo país que era importador de alimentos básicos até os anos 1970, hoje se tornou referência mundial na produção de grãos, carnes, fibras e biocombustíveis, tudo isso de forma eficiente e sustentável.

Atualmente, somos os maiores exportadores de soja, milho, carne bovina, aves in natura, açúcar, suco de laranja, algodão, celulose, entre outros, garantindo o superavit da nossa balança comercial e contribuindo para a alimentação de mais de 1 bilhão de pessoas.

Mais do que isso, hoje exportamos tecnologias de produção comprovadamente eficientes para os quatro cantos do planeta. Os grandes números nos levam ao clichê inevitável de que o agro é o motor da economia brasileira. E é mesmo.

De acordo com levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), em 2023 o setor representava exatos 23,8% do PIB, gerando desenvolvimento no interior do país e garantindo o sustento de mais de 28 milhões de trabalhadores - 27% da população ocupada no país. Isso sem contar os impactos para a sociedade como um todo, como a redução dos gastos com alimentação.

Nenhum outro setor é tão benéfico para os brasileiros como o agronegócio. No entanto, o processo de urbanização observado no país nas últimas décadas causou um distanciamento entre as grandes cidades e o meio rural.

As histórias de sucesso de dezenas de milhares de produtores não foram contadas, muito pelo desinteresse da mídia mainstream, que prefere focar em personagens estereotipados nas novelas e dar palco a artistas metidos a celebridades que nunca plantaram uma muda de alface mas consideram-se especialistas no assunto.

Por essas e outras, a imagem do caipira dos filmes estrelados por Mazzaropi nos anos 1960 persiste até hoje no imaginário dos brasileiros. Os dados econômicos, ambientais e sociais, não sensibilizam. A imagem do produtor ganancioso e malvado já está enraizada no imaginário de milhões de brasileiros. 

Queiram eles ou não, o agronegócio é o único setor que dá certo no Brasil. É o único que caminha com as próprias pernas. É o único que traz algum orgulho ao país. O único que pode fazer do Brasil uma nação relevante.

Portanto, esqueça os artistas histéricos e suas as soluções milagrosas e entenda de uma vez por todas que desenvolvimento do Brasil passa pelo agro.

Isso não é novidade para ninguém. Criada por Adam Smith em 1776, a Teoria das Vantagens Absolutas se baseia na ideia de que cada nação possui características que garantem uma vantagem competitiva na produção de algum bem - leia-se um menor custo de produção. Desta forma, segundo Adam Smith, cada país deveria concentrar-se na produção desses bens, exportar o excedente e usar os recursos obtidos para comprar, de outros países, mais eficientes na produção de outras mercadorias, os artigos não fabricados localmente.

Anos mais tarde, David Ricardo, discípulo de Adam Smith, aprofundou este debate ao criar a Teoria das Vantagens Comparativas, em que prega que um país ganha quando se especializa em algum setor da economia, gerando um custo de oportunidade mais baixo em relação a outros países. Essas teorias seguem relevantes até hoje e, não por acaso, têm regido o comércio internacional nas últimas décadas. Também deveriam servir de inspiração para o Brasil.

O fato é que o Brasil tem uma vocação agro - e não para o desenvolvimento de carros ou semicondutores. Ao invés de se envergonhar disso, seria muito mais inteligente valorizar o setor e tirar proveito da água em abundância, das condições climáticas favoráveis e da competência de seus produtores para desenvolver ainda mais toda a cadeia do agro, antes, dentro e depois da porteira.

Produzir mais e melhor. Consolidar-se como supermercado do mundo. Fazer com que as grandes potências sejam cada vez mais dependentes da nossa produção. Tornar o Brasil relevante no tabuleiro geopolítico global.

Desde o descobrimento, a economia brasileira sempre foi baseada em commodities agrícolas. Tivemos no passado os ciclos da borracha, do café, do açúcar, do cacau. Hoje, os principais destaques ficam por conta dos grãos e das proteínas.

Há ainda um potencial gigantesco em outras frentes, como a fruticultura e o etanol, o combustível sustentável de verdade. Isso sem falar no bilionário mercado de carbono, capaz de gerar grandes divisas ao país e ainda contribuir para o desenvolvimento sustentável na Amazônia.

O agro brasileiro chegou até aqui graças à bravura e à competência d seus produtores. Seu futuro, no entanto, passa por uma comunicação mais assertiva. As novas gerações, influenciadas pelas notícias negativas sobre o agro publicadas diariamente, já não se interessam tanto pelo campo, o que vem causando uma escassez de mão de obra qualificada no setor. Muitos desses jovens chegam a recusar bons empregos por puro preconceito. 

Mostrar o agro moderno talvez seja o grande desafio do setor nas próximas décadas. A sociedade urbana precisa entender que o fortalecimento do agro vai criar empregos, gerar riqueza e promover o desenvolvimento social no país.

Com o apoio da população, poderíamos destravar pautas importantes, como as questões logísticas e fundiárias, que tiram boa parte da competitividade do setor e dá algum fôlego aos nossos competidores no mercado externo. 

Não há como negar: o futuro do Brasil depende do agro. Não podemos desprezar a nossa vocação.