Jornalista e escritor. Autor dos livros "Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo" e "Guia de Comunicação para o Agronegócio". Acompanha há 20 anos o dia a dia do setor.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou nesta quarta-feira uma lista de frutas e verduras contaminadas por agrotóxicos.
Quatro produtos estão com índice de contaminação de agrotóxico acima do recomendável em grande parte das amostras analisadas. O pior caso é do pimentão que teve 64% de suas amostras com alto índice de irregularidades para resíduos de agrotóxicos.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, presente na apresentação do relatório, afirmou que “já cortou o pimentão de sua dieta".
A notícia acima, publicada no jornal Extra, do Rio de Janeiro, em 15 de abril de 2009, talvez seja um marco - negativo - na história do agronegócio brasileiro.
A informação, totalmente deturpada, como veremos a seguir, foi amplamente divulgada na imprensa pela Anvisa e, graças à chancela de um ministro de Estado, ganhou manchetes Brasil afora, despertando uma inédita sensação de pânico na população.
Afinal, estamos sendo envenenados?
Mais do que causar grandes prejuízos aos produtores de pimentão e de outras culturas incluídas na lista, a divulgação irresponsável ainda criou uma desconfiança da sociedade em relação ao agronegócio brasileiro e colocou em xeque a qualidade dos alimentos produzidos no país.
Foi neste período que o pimentão ganhou o nada honroso título de "rei dos agrotóxicos".
Vamos aos fatos: as reportagens tendenciosas foram embasadas nos resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), levantamento realizado dede 2001 pela Anvisa com o objetivo de verificar a segurança dos alimentos in natura vendidos no país.
Trata-se de um estudo de grande importância, uma espécie de controle de qualidade da nossa comida. O grande problema era a forma como ele era divulgado, sempre de forma sensacionalista.
Em 2009, foram analisadas 1.960 amostras de 17 alimentos em 25 estados brasileiros.
No caso do pimentão, foram 101 amostras analisadas, com 64,36% delas apresentando algum tipo de irregularidade, como o uso de pesticidas não autorizados para a cultura ou pela presença de agroquímicos acima do limite máximo permitido. Neste relatório, porém, não foram detalhados os resultados.
Usemos, então, os dados do PARA, apresentados em 2011, para entender melhor a questão.
Neste ciclo, foram avaliadas 2.488 amostras, com 28% delas consideradas insatisfatórias pela Anvisa - 24,3% pelo uso de pesticidas não autorizados para a cultura, 1,7% pela presença de agroquímicos acima do limite máximo permitido, além de 1,9% onde foram constatados os dois problemas.
Desta vez, o número de irregularidades no pimentão atingiu 91,8% das amostras - um prato cheio para a imprensa sensacionalista, que fez questão de reforçar o clima de pânico, mesmo sem analisar tecnicamente os resultados.
O que eles esqueceram de contar foi que em 84,9% dos casos a reprovação foi causada pelo uso de pesticidas não autorizados para a cultura, enquanto 6,8% estavam realmente acima do limite máximo de resíduos permitido.
Note que a esmagadora maioria dos problemas se referem a questões regulatórias e não de saúde pública, já que um produto que é registrado para um determinado cultivo não se tornará prejudicial se utilizado em outro.
No caso do pimentão, isso acontece devido à escassez de produtos específicos para a cultura, fruto da burocracia existente para se registrar um novo produto no Brasil, um processo que consome milhares de dólares e pode levar até oito anos para ser concluído.
As pragas, porém, são democráticas. Elas atacam todas as culturas e não estão preocupadas com a Legislação.
O produtor, por sua vez, na busca pela proteção das suas lavouras, acaba recorrendo a produtos destinados originalmente ao tomate, "parente" do pimentão, devidamente registrados no Brasil.
Se ele foi aprovado pelos órgãos competentes para o uso no tomate, não se tornará uma ameaça quando aplicado no pimentão.
À esta altura, você deve estar se perguntando: "ok, mas esses resíduos, ainda que aprovados, não podem fazer mal?"
Para responder a essa pergunta, usarei uma frase do pensador Paracelso, cunhada há mais de 500 anos: "A diferença entre o remédio e o veneno é a dose". Em grandes quantidades, até a água, elemento básico da vida, pode ser fatal.
Mas para ilustrar o nível de segurança dos pesticidas atualmente em uso, decidi fazer uma conta rápida - algo que qualquer jornalista poderia ter feito também, desde que tivesse o mínimo compromisso com a verdade.
Usarei como exemplo o inseticida clorpirifós, um elemento químico do grupo dos organofosforados, largamente utilizado na agricultura.
Mesmo sendo considerado um produto altamente tóxico, existe um limite diário considerado aceitável para a sua ingestão. Este número é extremamente baixo: 0.01mg por quilo de peso corporal. No caso de uma pessoa de 85 kg, portanto, este limite é de 0,85 miligramas por dia.
Já o limite máximo de resíduos estabelecido internacionalmente para o clorpirifós no pimentão é ainda mais baixo: 0,04 mg/kg.
Fazendo uma conta simples (0,85 dividido por 0,04), chegamos à conclusão de que seria necessário ingerir pouco mais de 21 quilos de pimentão “contaminado” por clorpirifós em seu limite máximo, num único dia, para extrapolar o nível de segurança.
Levando-se em consideração que o consumo médio per capita de pimentão no Brasil é de 4,6 gramas por dia, arrisco-me a dizer que tal intoxicação por clorpirifós nunca irá acontecer.
Mas isso não significa que a ingestão de 20 quilos de pimentão em 24 horas seja algo seguro - muito pelo contrário. Caso alguém tenha cogitado tentar tal proeza, sinto informar que a chance de sobrevivência é baixa.
E isso não tem nada a ver com os agrotóxicos, mas sim com outra substância química considerada inofensiva pela sociedade, o magnésio.
O magnésio é um elemento natural que aparece em uma proporção de 110 mg/kg de pimentão. Em 20 quilos, são nada menos do que 2.200 miligramas de magnésio, dez vezes a dose letal estabelecida para humanos.
Importante lembrar que o magnésio é vendido livremente nas farmácias e consumido como suplemento por milhares de brasileiros. Trata-se, porém, de uma substância muito mais tóxica do que o inseticida em questão.
Dados deturpados repetidos ao longo dos últimos anos impactaram - e ainda impactam - negativamente a percepção do risco em relação aos resíduos de agroquímicos nos alimentos.
A comida produzida no Brasil, 99% dela cultivada com o uso de praguicidas, é comprovadamente segura. A própria Anvisa reconhece isso em seus relatórios mais recentes.
Portanto, não deixe que políticos populistas e jornalistas sensacionalistas influenciem a sua dieta. Bom apetite!