Rasta é um highlander, um artista que apresenta colunas irônicas, versões textuais de seu programa Rasta News, um jornal semanal isento de notícias. Não delicadezas aqui.
Rasta News de hoje falaremos sobre a sequência de um blockbuster que prometeu muito, mas que entregou um verdadeiro festival de amenidades ao som de velhos standards de restaurante para turista que se hospeda em Times Square. Hoje, Coringa 2.
Meu irmão, achei a propaganda do Paulo Kogos vestido de Coringa melhor do que esse Coringa 2.
Eu aviso que aqui contém spoilers. Não existe spoiler nem de clássico da literatura nem de filme ruim.
Porque na primeira, se você não leu, a culpa é sua, e no segundo, não tem como estragar um negócio que não presta.
Eu ainda me lembro quando eu assisti o Coringa, o primeiro ali, ó, em outubro de 2019, no bom e velho cinema Nighthawk ali no Brooklyn.
Cara, a descida de Arthur Fleck à loucura é um negócio bonito de ver, rapaz. Era um negócio bonito de ver mesmo, viu, trilha sonora sinistra.
Tinha várias referências daquela que dá aquele calorzinho no coração, filmes como Taxi Driver e King of Comedy.
Teve direito até à dancinha conceito ali na escadaria, né, meu irmão, estilo meio Thom Yorke ali, Lotus Flower, tá ligado? Meu irmão, me amarrei.
Mas eu confesso que aquele Coringa não me atingiu ainda do jeito que o do Heath Ledger me atingiu, e não foi por conta da atuação, né, que o Joaquim Phoenix, um menino bom, deu show de atuação, atuações, mas foi mais porque eu curtia muito mais a ideia do Coringa doidão, sem backstory, contando uma história diferente a cada momento sobre qual é a origem das cicatrizes dele.
O alinhamento do maluco era caótico, caótico mesmo, uns trocadilhos sinistros. Lembra aquele momento lá que o Batman manda ele soltar a Rachel, né, e ele tá segurando a mina no parapeito assim, tá ligado? "Péssima escolha de palavra" e joga a mina.
Me amarrava nesse Coringa. Cara, a galera tinha medo dele, tá entendendo? Aí esse Coringa do Joaquim Phoenix, meu irmão, metade das coisas acontece só na cabeça dele, o Coringa in my mind, tipo, já já vai lançar disco de prog metal.
O maluco é meio sad boy, é meio garoto incel, meio deprimido, como se ele tivesse saído ali das profundezas do 4chan.
Mas não é necessariamente uma má ideia, né, meu irmão, tal qual o Coringa ali do quadrinho Killing Joke, no qual você vê uma história de origem do Coringa, com a doença da mulher dele, o fracasso como comediante, o assalto lá no qual ele é cruzeta, a gente acaba nutrindo uma certa simpatia, se colocar no lugar do cara que teve uma série de circunstâncias que ajudaram a levar ele até aquele momento.
Esse Coringa número um tem um pouco disso, né? Rola ali uma crítica social, ele termina sendo visto meio como celebridade, meio como revolucionário de maquiagem.
Não era aquele maluco que todo mundo tinha medo que nem o do Heath Ledger. Heath Ledger, ele pegava qualquer um.
Ele naquela mesa ali, ele pega um lápis, ele mata o maluco com um lápis, muito antes de John Wick matar o maluco com lápis.
Mas todo esse milindre a gente deixava passar por conta de uma cinematografia exuberante e uma atuação de ponta, rolava realmente aquela suspensão de descrença.
Claro que teve gente que viu lacração na justificação da bandidagem, a romantização da doença mental.
Mas eu também vi como algo que, sei lá, um for channer desiludido em busca de um sentido aí para a vida se identificaria.
Sobre um ângulo, você termina vendo temas como família desestruturada, aquele rolê meio clube da fruta ali, de homens fracos criados por mães solteiras em lares quebrados.
A falta de esperança em um sistema que vem para preencher as lacunas que a falta de um pai responsável em casa gera, mas só o que tem a oferecer é uma burocracia de mulher assistente social que no fundo tá pouco se ligando pro cara e que termina reduzindo o indivíduo ali a mais um número na estatística, ao mesmo tempo em que há aquela espera por parte dessa mesma sociedade de que o homem seja forte, trabalhador e bem resolvido.
Tudo isso tá ali no primeiro Joker. Quando o filme é aquele que dá para você cortar assim para os dois lados é pelo menos um sinal de que as pessoas ainda estão fazendo cinema e não uma mera peça de propaganda ideológica.
O momento também era propício para o Coringa. Era 2019, a gente ainda não sabia o tamanho da trosoba autoritária a que o mundo se submeteria em 2020 e tava um mercado cinematográfico saturado desses filminhos ridículos de super-herói.
Era Vingadores lá contra Bolso-Thanos, não era isso? Era Shazam, era Homem-Aranha, era Moleque Piranha, Capitã Marvel tá entendendo?
Era heróizinho para lá, heróizinho para cá, vestido de mosquitinho, monstrinho, negócio chato.
Aí surge um filme com algum valor artístico sobre um anti-herói, um ator muito bom que se entregou na interpretação, interpretations, o negócio foi sucesso total.
Aí admite-se, convenhamos, né, um filme com a classificação etária para maior de 18 anos terminar fazendo mais de 1 bilhão de dólares no mundo inteiro é um feito realmente extraordinário.
Mas aí eis que vem o Coringa 2, e a pergunta que não quer calar é: por quê fazê-lo? Coringa 1 já explicou o que tinha que explicar. Ponto, parágrafo.
Acontece, senhoras e senhores, que Hollywood tem uma dificuldade fenomenal em deixar as coisas passarem.
A galera vai fazer Velozes e Furiosos até o 10, não vai fazer o Coringa 2, não é isso? Um sucesso comercial estrondoso gera aquela tentação perigosa de fazer mais um filme, e dessa vez com orçamento maior ainda.
Dos 55 milhões de dólares do primeiro, o segundo já pulou para 200 milhões. Só com o cachê, o diretor e o Joaquim já embolsaram 20 milhões cada, a Lady Gaga mais 12, o que já coloca aí no filme uma pressão absurda para que ele se pague, pelo menos.
Mas antes de investigarmos os resultados, vamos ver as escolhas que fizeram com que, comparada ao primeiro filme, essa sequência tenha sido tão fuleira.
Primeiro motivo é: não há piada alguma, né, meu irmão? E por piada aqui eu não quero dizer haha, mas aquele recurso de fazer o espectador acreditar em uma coisa e mostrar que, na verdade, as coisas não são como parecem.
O primeiro Coringa faz você acreditar que o personagem está vivendo um monte de situações que no final se mostram apenas ser alucinações de uma mente que já não diferencia o real da fantasia. Como é o caso da relação que ele parece ter com a vizinha.
No Coringa 2, tudo é o que parece. Eu entendo que no início ali ele tá em Arkham, né, ele tá sendo medicado, então faz até sentido que os delírios dele baixem de nível.
Mas mesmo quando ele para de tomar a medicação, ele não tem aquele delírio mesmo. Não dá para chamar aquelas casinhas de musiquinha como delírio.
Fiquei o filme ali, né, pensando que seria massa se essa Arlequina fosse só uma alucinação dele, mas não. A única alucinação dele foi acreditar no sentimento de uma mulher. Gado demais.
O segundo motivo é: o musical é um verdadeiro PSDB dos musicais, e por PSDB aqui eu quero dizer aquela postura meia-bomba perante as decisões da vida.
O filme do Coringa pode muito bem se prestar a um musica, afinal o personagem sempre teve esse aspecto meio burlesco e um gosto pelo fantasioso.
O Batman do Tim Burton mesmo não é nem musical, mas tem trechos de música que são muito bons, que só engrandecem o filme.
Ele ali com a Kim Basinger, pá, girando na galega ali, meu irmão, o grande Jack Nicholson.
Mas o Coringa 2 faz um uso muito mais extenso do musical e menos trabalhado, a decisão tinha que ser tomada no início: "ó, beleza, galera, vai ter um musical nesse filme mesmo" e aí você chama gente competente para fazer isso.
Mas o que a galera fez foi basicamente chamar a Lady Gaga para colocar aqui a playlist do almoço dela com Tony Bennett, ali na churrascaria Kindling, em Midtown, Nova York.
Clichê atrás de clichê, meu irmão. Aquele estilo vintage do Paraguai dessas raparigas Instagrameira fã de Lana Del Rey, saca?
Essas minas de tatuagem de linha fina que "quer um homem à moda antiga", o que em “raparigues” quer dizer, rico.
Meu irmão, a trilha do primeiro filme é um esculacho de boa, né? Uma das melhores trilhas de filme com Joaquim Phoenix, talvez melhor até que a do Johnny Greenwood ali em You Were Never Really Here.
Não dá para você apenas se valer da Lady Gaga e meter esse misto de standards com Mudança de Hábito, saca, e achar que vai dar certo para um filme cuja trilha sonora anterior era nada convencional.
O terceiro ponto é que a trama é que nem mais um disco do Metallica: para que desnecessauro rex e sem sentido?
Se a gente fosse colocar um título honesto nesse filme aí seria Arthur Fleck o Musical. Peró no mucho, o filme começa ali até legal.
Tem um cartoon estilo Looney Tunes assim que o personagem briga com a sombra dele, e a sombra toma conta, parece essa raparigagem de Jordan Peterson aí brincando com o Jung.
Mas o que acontece no filme é justamente o contrário. Ele tá ali sob controle, medicado. Daí ele encontra a rapariga Maria Gardenal que é aquele tipo de mulher que romantiza doença mental. E pronto, o Coringa encontra a sua namoradinha.
Com todo aquele escarcel do primeiro filme, todo aquele arco para levar o personagem até aquele momento, e no fim ele era como qualquer red pilpil.
É só chegar uma menina que se mostra interessada no que ele faz, que segue ele, comenta e compartilha ali no Instagram da vida, que ele automaticamente passa a acreditar no amor e esquecer todas as porcarias que ele aprendeu na machosfera.
É você, você aí mesmo, você pensa que eu não sei? É só chegar morena ali, ó, e dizer
"Poxa, você é tão autêntico, não entendo tudo o que você fala, mas me faz pensar, sabe? Assim, tem coisas que eu nunca tinha ouvido alguém dizer e eu admiro isso, essa visão que você tem dos relacionamentos, das mulheres, é tão realista, né? Tem algum livro que você possa me indicar? Ah, você também gosta de Joker? Poxa, eu gosto, gosto de Clube da Luta também, né? Tem playlist no Spotify?"
Aí você imediatamente vai acreditar no amor. Afinal, você merece, né? Todo esse tempo aí estudando comportamento de mulher, vestimento de mulher, não é mesmo? Finalmente trouxe frutos, um fruto com ventre, ela é diferente
A mulher convence ele a não tomar os medicamentos, manipula o cara até que o Coringa realmente aparece.
Ela mente para ele para que ele pense que ela o compreende é só isso que ele quer, pô, ele quer a menina que compreende o que ele passou e que goste dele por quem ele realmente é.
Só que ele é Arthur Fleck, né, meu irmão? E a rapariga é gamada é no bad boy, o Coringão, meu amigo, ela quer visitar o corintiano na cadeia, tá entendendo?
É uma fanfiction de baixa qualidade, né, meu irmão, é aquela criatividade nível Kamala Harris contando histórias de opressão na infância.
Só que a rapariga é bem-sucedida e consegue trazer o Coringa à tona. E aí no julgamento é que ele vai ter a sua grande aparição, ele demite lá a defensora dele, dá um beijinho nela, coloca ali a fantasia dele e sai representando a si mesmo em cenas nada verossímeis.
Até que ele é levado de volta pra cadeia. E aí ele toma uma proverbial curra, senhoras e senhores, spoiler alerta aí, viu, tá certo?
Spoilaram o precioso do Coringa, meu amigo, e funcionou, galera. Quem diria, né, que a terapia que o cara precisava era uma curra?
Diga lá, voltou pro julgamento pianinho, meu amigo, confessou todos os assassinatos, disse que foi ele mesmo, que não era insanidade e para surpresa de zero pessoas, a rapariga desapaixona e vai embora.
Toda a multidão aspirante a marmita que tava ali, né, para glorificar o bandidão também dá as costas e vai embora.
No final das contas, o Coringa merece o quê? Merece o Oscar de melhor performance dramática em situações não dramáticas.
Mas o filme ainda alonga o negócio. Dava para ter encerrado ali, né, velho? Na moral, eles ainda fazem uma explosão no dia da sentença, aí o maluco escapa, ele é resgatado por fãs ali, pega uma carona do Downtown até o Bronx, corre, sobe aquela escadaria inteira apenas para quê? Para tomar um pé na bunda da namoradinha.
O nome desse filme não devia ser Coringa, não. Devia ser Arthur Fleck, devia ser Arthur Morrison.
E para não dizer que eu dei poucos spoilers, o final tem algo de interessante, né? Porque o Coringa tem ali o seu CPF cancelado na cadeia, meu amigo, por um cara claramente maluco.
E esse cara maluco termina ali rasgando a própria boca com a faca que ele usa para matar o Arthur, né? Será que é a verdadeira história de origem do Coringa de Heath Ledger? Fica aí o questionamento.
O resultado foi um filme aí, fracasso de bilheteria, fofoqueiros de plantão falam que o Joaquim Phoenix achou o filme uma porcaria.
O Rotten Tomatoes deu lá 33% de aprovação e a probabilidade de que o filme não se pague é grande, né?
Colocando ali uma grande interrogação nos filmes de herói, de anti-herói e todo esse universo dos quadrinhos.
Será que tá na hora de parar? Será que Hollywood e seus financiadores conseguiram definitivamente resumir o cinema a dedo no furico bigodagem?
E falando em bigodagem, é hora do nosso troféu bigodagem e o nosso troféu bigodagem de hoje vai para ninguém menos que Michel Foucault.
Não é segredo aqui que Foucault é um dos meus degenerados preferidos, meu irmão. Carecão doidão, alta periculosidade, instinto de perversidade, botava medo até no Chomsky. Noam Chomsky ficava parecendo uma freirinha inocente do lado dele.
Michel Foucault ganha esse troféu bigodagem porque ele é o grande parteiro e disseminador da ideia que forma argumentos que movem esses filmes tipo o do Coringa. A tal da glorificação do doente mental.
Foucault é um cara bastante ambíguo, é tipo o disco do David Bowie, tem groove de funk, tem música de funk, mas é som de rock inglês, não é isso?
Mas se é uma questão na qual o Foucault é bem menos ambíguo é na questão do tratamento da doença mental.
Foucault adota ali um approach no qual a doença mental é meio que uma resposta às condições sociais impostas pelo capitalismo e que a normalidade é apenas uma espécie de conformidade ao status quo.
Assim, o louco é muitas vezes o cara certo ali na sociedade errada, aquela tatuagem de rapariga, de lombada e rapariga, não é isso? Só os loucos sabem.
Mas na época que essas ideias começaram a ganhar fôlego por aí, tivemos aí grandes filmes como Estranho no Ninho, em que os loucos são tudo mostrado ali apenas como uns cucos alegres, com aquela simplicidade de crianças.
Uma inocência adâmica, como se eles fossem legítimos cidadãos do Éden colocados em uma terra caída administrada pela próle de Caim, corna e cruel. Até aí é uma poesia de doidão que tá tudo muito bem, tudo muito bom, né?
Não é a primeira vez que a ideia de ser cometido pela loucura é vista como algo possivelmente positivo.
Tem ali os diálogos que nem Fedro, né, em que Sócrates faz uma defesa de Éros e é pautado ali na ideia de uma possessão muito louca que dá origem às profecias ali da Pitonisa, né?
Até mesmo no nosso bom e velho Vampiro: A Máscara, o clã Malkaviano, é marcado pela maldição da loucura, mas ele tem também o dom da profecia.
Até mesmo a nossa Dilmanta Rousseff ali, nossa primeira presidenta Malkaviana, no meio de sua demência dava lampejos de profecia como o famoso "vai todo mundo perder".
Mas o que passou com as ideias de Foucault foi uma verdadeira balbúrdia e uma esbórnia nunca dantes vista na história universal da loucura. Estou falando aqui do movimento antimanicomial.
A gente precisa ser bastante honesto aqui, né, meu irmão? Esse sistema de correção, prisão, manicômio, eles não podem ser encarados com a mentalidade do mundo da Xuxa, né?
Beleza, se a gente consegue reabilitar alguém ali dentro ou outro com trabalho ou com alguma coisa assim, ótimo, tá entendendo? Até Dostoiévski saiu da cadeia melhor escritor, grande dia.
Mas na prática, essas instituições são uma manifestação de uma falta de conhecimento meio que insanável, tá entendendo?
A gente não sabe o que fazer com gente verdadeiramente antissocial. Que que você faz com Jeffrey Dahmer da vida? Que que você faz com o Maníaco do Parque?
Não dá para vestir todo mundo de preto e colocar para escutar Darkthrone e as raparigas para escutar Evanescence.
Tô falando aqui, ó: o louco, o ladrão, o assassino, esses são mistérios que muitos estudam aí e pouco se resolve a respeito.
E o perigo aqui, é o salto que se dá para a conclusão de que, portanto, então, devemos aí esvaziar essas instituições, né?
E se trocar um "não sei o que fazer, mas isso aqui é o que dá" por um "já que eu não sei o que fazer, eu vou viver a Deus dará". E Deus não está com a mínima cara do que vai dar.
Foi essa tendência que começou a se estabelecer nos anos 50 nos Estados Unidos com um movimento de desinstitucionalização.
É fato que muitas dessas instituições tinham péssimas condições. Mas em vez de uma busca por melhorias nessas condições, o movimento terminou tipo fechando um monte delas e simplesmente soltando gente perigosa nas ruas.
Alguns anos depois, graças ao vasto território e um sistema de estradas bem conectado que pode te levar de um lado a outro do país em pouco mais de um dia, houve um grande boom dos serial killers nesse país.
E não fosse só esse mal, a romantização do comportamento antissocial extremo como ícone de uma cultura pop rebelde levou ao enlouquecimento geral da população.
Tem personagens ali tipo Charles Manson que não precisou matar ninguém, tipo, só a galera já fez ali por ele, né?
O Ted Bundy também não faltou seguidor para ele, não faltou o admirador, né? Tinha ali suas namoradinhas e a sua fama.
Então a Michel Foucault, por ter ajudado nessa lambança, fica aqui o nosso troféu marmita de presidiário de Bigodagem.