Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.
Na última coluna, apresentei como certas ideias podem criar um terreno fertil para ideologias políticas que retiram o papel da transmissão de conteúdo no aprendizado.
No texto de hoje, iremos narrar um outro problema proveniente das ideologias. Iremos descrever como professores podem ficar reféns no ambiente escolar de maus comportamentos.
Esses comportamentos são infelizmente reforçados por ideologias e representam a total desassistência dos profissionais de educação. Estamos falando da violência escolar.
O Brasil possui uma taxa de violência bastante elevada. São 45 mil mortes violentas que ocorrem todos os anos segundo levantamento realizado pelo anuário de Segurança Pública.
Considerando esse resultado, seria muito idealista imaginar que a escola ficaria impune a estes números? Infelizmente, a violência escolar me parece ser apenas um reflexo da violência da sociedade brasileira.
Caso permitam, começarei o texto com um caso verídico levemente modificado com intuito de manter o nome dessas pessoas sob sigilo.
Soraia é uma professora de Portugues de uma Escola Pública do interior. Com 1,56 de altura e 52 anos, Soraia é muito diligente e dedicada. Não raramente, a professora passa os domingos corrigindo exercícios, preparando suas aulas e dando feedback aos seus estudantes do Ensino Médio.
Soraia gosta de literatura, e, fornece sugestão de leitura aos alunos pelo menos uma vez por semana. Contudo, apesar da dedicação, Soraia enfrenta um forte problema.
No Segundo Ano C, o estudante Iuri, 17 anos, (1,82 de altura) diz por onde passa que “não vai com a cara" da professora Soraia. Como dito por ele para outros colegas, “quem essa mulher pensa que é para falar assim comigo`?
O que Iuri chama de “falar assim” nada mais é do que o pedido da professora para que ele pare de conversar na hora da explicação. A professora também solicitou que ele não atrapalhe os colegas se comprometa a se engajar nas tarefas propostas.
Por pedir esses “favores", o estudante ficou revoltado e se comprometeu em fazer tudo possível para tirar a autoridade da professora ao longo do ano.
Desde atrapalhar a aula na chamada ou quando Soraia virava as costas para o quadro, até fazer piadinhas sobre a aparência da professora e comentários sobre familiares dela.
Preocupada com o andamento das aulas, Soraia percebeu que sua autoridade estava ameaçada com as atitudes de Iuri. Agora, outros colegas pareciam achar graça do desrespeito e davam sinais de quererem imitar seu comportamento.
Em uma das atitudes de desrespeito de Iuri, Soraia resolveu corrigi-lo pedindo para que ele preste atenção nas aulas e não atrapalhe os colegas.
Empolgado pelo fato de ser o último horário de sexta-feira, Iuri respondeu que não, e acrescentou “Quero ver, você fazer alguma coisa…”.
Neste momento, parte da turma gritou em conjunto um sonoro “I", como em um auditório de um programa de televisão dos anos 90, ao ver a reação de Iuri.
Como resposta, Soraia, então, pediu para que ele se retirasse da sala. Iuri ignorou e acrescentou: “Daqui, eu não saio. Quero ver pôr a mão em mim”.
Tentando usar de sua última cartada, Soraia foi pedir ajuda da diretora Jussara. A diretora Jussara, tem 59 anos, 1,54 de altura, formada em pedagogia em 1992.
Neste exato momento, Jussara estava ao telefone conversando com um pai sobre o problema de desempenho escolar e comportamento de um outro aluno.
Quando a professora Soraia chegou a direção, dava para escutar da direção o barulho do Segundo Ano C, gritando em êxtase pela confusão. Soraia tentou conversar com a diretora mas ela estava ocupada demais com o pai no telefone e disse que não poderia atendê-la.
A supervisora também não estava presente no dia para sair no auxílio da professora.
Humilhada e emocionalmente alterada, Soraia voltou para sala.
Sob olhar triunfante, Iuri ainda provocou com a volta da professora: “E aí, vai fazer o que? Cadê? Não tem ninguém para botar a mão em mim aqui”.
Ainda tentando manter a compostura, Soraia disse que abriria uma ocorrência. Iuri continuou satisfeito, sabendo que, no máximo, tomaria uma suspensão temporária e, provavelmente, não daria em nada. E, o melhor, com aquele episódio, alguns alunos passariam a respeitá-lo ainda mais através do medo e pela ousadia.
A partir de agora, Soraia passará por uma guerra velada em seu trabalho. Todos os dias, antes de entrar no segundo C, ela irá manifestar um quadro de ansiedade, desejando que aquilo passe o mais rápido possível para conseguir ensinar os alunos e voltar para casa.
Alguns alunos, irão retirar o foco da Literatura e Língua Portuguesa e ficarão também ansiosos não para assistir às aulas. Agora, como plateia, eles estão ansiosos para assistir às brigas de Iuri com a professora.
Mas no fim, qual a moral dessa história? No fim, absolutamente todos saíram dali prejudicados no processo de ensino.
Essa história adaptada é uma das mais corriqueiras e menos violentas que tenho para narrar sobre a realidade do ambiente das escolas públicas brasileiras.
Durante anos, conheci de perto várias Soraias que sofrem caladas e com medo. Elas não possuem absolutamente ninguém para sair em seu socorro, em casos onde alunos chegam mesmo a agredi-las fisicamente.
Eu certamente poderia contar outras histórias, narrando, por exemplo, casos onde alunos são agredidos, esfaqueados, professores são ameaçados, possuem carros e casas depredadas, sem contar no bullying.
O problema é que esses fenômenos não são novos, acontecem há muitos anos e, praticamente ninguém, intercede em nome da autoridade destes professores. Para ser justo, nem mesmo alguns professores saem em defesa de si próprios.
Em geral, quando casos como esses ocorrem, é quase um mantra da pedagogia contemporânea ignorá-los. O famoso “senta que o leão é manso”, transforma-se em um vago “complicado, não é, não?”.
De repente, muda-se o assunto para fingir que o problema não existe e dá quase para escutar a música da grande família tocando ao fundo.
Esse tipo de desdém, coloca em risco o desempenho escolar de diversas crianças e adolescentes no país. Independente da cor, sexo e idade é necessario que as escolas passem e rejeitar esse tipo de comportamento.
Não há evidências empíricas que deem embasamentos para que comportamentos como esses sejam tolerados.
Sob o guarda-chuva de ideias vagas que negam a autoridade do professor e fornecem passe livre para o mal comportamento, essas atitudes se multiplicam.
Segundo levantamento feito pela OCDE, o Brasil encontra-se entre os países mais indisciplinados para que o professor dê aula no mundo.
Os professores brasileiros afirmam que necessitam esperar muito tempo para que os alunos se acalmem, antes de poder iniciar as aulas, além de afirmarem que há muito barulho perturbando as salas durante a aula.
Comparativamente a outros países estudados, o Brasil ocupa a penúltima e última colocação respectivamente. Difícil imaginar um cenário pior.
Essa violência e indisciplina escolares estão fortemente associados a uma série de efeitos deletérios, incluindo redução de desempenho acadêmico, prejuízos cognitivos e prejuízo da saúde mental.
Mas então, qual a solução para esse problema no país? Seria possível fazer algo para ao menos minimizar esse tipo de violência? Considerando a legislação vigente, arrisco aqui a propor três alternativas para o estado atual das coisas.
Não estou dizendo que elas serão uma panaceia, mas acredito que já ajudariam bastante a melhorar o estado atual das coisas. Vamos a elas:
1 - Acredito que o primeiro passo deveria vir da família ao assumir parte da responsabilidade pelo comportamento dos filhos na escola.
Algumas famílias simplesmente ignoram o comportamento errático dos filhos delegando à escola o papel da educação. O custo de ignorar o mal comportamento do seu filho pode ser o de prejudicar outras famílias, colegas e funcionários da comunidade escolar.
2 - O segundo deles creio que deveria vir da própria comunidade escolar. Essa comunidade deveria não apenas apoiar o professor, mas deixar claro que esses comportamentos não podem ser tolerados e incorrerão em consequências para os estudantes que criarem uma atmosfera nociva ao aprendizado.
Qualquer estudante que iniciar violência física contra estudantes ou profissionais escolares deverão ser penalizados.
3 - Por fim, parece ser necessário defender a reformulação de más ideias que circulam nos profissionais que gerenciam a educação.
Parte das pessoas que ocupam cargos e legislam sobre o campo não estão próximos do dia-a-dia escolar.
Parte desses profissionais simplesmente esquecem do professor para sair em defesa de maus comportamentos em nome de uma inclusão que exclui todos os demais.
Em resumo, ficam os dedos, removem-se as mãos. Enquanto ideias relativistas perseverarem no ambiente educacional, creio ser justo afirmar que passaremos por maus bocados.
Nas próximas colunas, analisaremos com mais profundidade essas ideias.