Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.
Daí surgirá o dilema: rejeitar parte do passado, assumindo que algo foi feito de errado a fim de tentar promover melhores resultados no futuro? Ou fingir que está tudo indo "muito bem, obrigado", torcendo para que, agindo da mesma maneira, obtenhamos por milagre resultados diferentes? Essa última opção parece ter prevalecido na educação brasileira nos últimos anos.
Quando o assunto é educação, parece haver um certo desdém sobre a real situação do país. Quem convive com o campo sente, por vezes, um certo receio coletivo de tocar no assunto, seguindo o bom e velho "Senta, que o Leão é manso".
O mais triste desse cenário é que aqueles que descrevem os problemas da educação são comumente associados aos responsáveis diretos pelo surgimento dos mesmos problemas. Quase como se, ao fingirmos que os nossos problemas não existem, eles desaparecessem.
Infelizmente, a julgar pelos resultados do Programme for International Student Assessment (PISA), é possível dizer que temos grandes desafios a serem enfrentados no ambiente educacional brasileiro.
E, não, esses desafios não irão embora enquanto não fizermos uma revisão daquilo que foi feito até o momento. Afinal, as ideias têm consequências e não dá para negligenciar tudo aquilo que foi e tem sido feito.
Na coluna de hoje, vamos resumir alguns resultados importantes do PISA através da amostra brasileira. Mas fiquem tranquilos, como os resultados são muitos, voltaremos ao assunto em outros momentos.
O PISA é mundialmente conhecido como um dos testes mais importantes usados na avaliação e comparação do desempenho acadêmico entre países. Este exame é promovido pela OCDE (Organisation for Economic Cooperation and Development), que aplica testes em estudantes de 15 anos de idade com o intuito de medir o conhecimento em três grandes campos do conhecimento: matemática, ciências da natureza e leitura. Na última edição (2022), o PISA avaliou cerca de 690 mil estudantes ao redor do mundo, sendo quase 11 mil deles brasileiros (N=10798).
De forma ampla, os testes do PISA buscam avaliar a capacidade de resolução de problemas descontextualizados, interpretar textos, gráficos e tabelas, além de saber se comunicar de forma adequada.
Estes resultados são coletados com o intuito de informar formuladores de políticas e educadores no Brasil e no mundo, comparando e aprendendo com as informações e experiências obtidas em outros países. Vamos então aos resultados, focando especialmente nessa última edição.
O Brasil participou do PISA pela primeira vez há mais de duas décadas, no ano de 2000. Embora entre os anos de 2000 e 2009 o Brasil tenha dado sinais de crescimento educacional através da melhora dos indicadores, desde 2009, ou seja, mais de uma década depois, é possível notar nossa estagnação nesses resultados.
Paralelamente, diversos países em situação econômica menos favorável à nossa têm obtido resultados mais satisfatórios.
Na última avaliação feita em 2022, é possível afirmar que, de forma geral, a grande maioria dos estudantes não consegue ultrapassar o nível 2 dos 6 níveis de proficiência.
Em matemática, 73% dos estudantes estão abaixo do nível 2 de desempenho, contra 31% ao se avaliar a média dos países da OCDE.
Isso significa que a maioria dos jovens de 15 anos do país não consegue fazer tarefas matemáticas simples como converter moedas e comparar distâncias.
Apenas 1% de toda amostra dos estudantes brasileiros alcançou os desempenhos mais altos nessa disciplina. Estes níveis correspondem a estudantes que são capazes de responder a situações complexas matematicamente, comparando e avaliando a melhor forma de solucionar problemas com o intuito de obter uma resposta mais adequada.
Ou seja, apenas 1 em cada 100 dos estudantes avaliados superaram os níveis 5 ou 6 do teste de matemática.
Para se ter noção deste critério comparativo, Singapura, Taipé Chinesa (Taiwan), Macau (China), Hong Kong (China), Japão e Coreia obtiveram ao menos 20% dos seus estudantes nestes níveis (Singapura superou 41%).
Alguns destes países enfrentaram desafios iguais ou superiores aos nossos num passado não tão distante. No início da década de 80, quase 74,5% da população brasileira sabia ler, enquanto 66% da população chinesa possuía a mesma habilidade. Hoje, 40 anos depois, os chineses afirmam que estão ligeiramente à nossa frente quando o assunto é alfabetização, porém, com o diferencial de que a educação chinesa tem trazido resultados muito mais satisfatórios quando avaliamos a qualidade do ensino traduzida por escores internacionais como o PISA.
Em leitura, essa proporção é bastante próxima da relatada em matemática. Cerca de 50% dos estudantes brasileiros não atingem acima do nível 2.
Essa média é bastante inferior em países da OCDE, onde 26% dos estudantes encontram-se nos níveis mais baixos. Esses estudantes têm dificuldades de separar fatos de opiniões, compreender textos longos, informações implícitas e lidar com conceitos abstratos ou contra-intuitivos.
No caso das ciências, 55% dos estudantes ficaram abaixo do nível 2. Enquanto na média dos países da OCDE, menos da metade (24%) dos estudantes ficaram entre esses níveis mais baixos.
Esses estudantes possuem dificuldades para reconhecer a explicação correta para fenômenos científicos conhecidos, bem como dificuldade para usar esse conhecimento para identificar casos simples, com base nos dados fornecidos.
Nos níveis mais altos, o padrão se mantém. Apenas 1% dos estudantes obtiveram desempenho superior em ciências, contra 7% comparando o desempenho da média dos países da OCDE. Esses estudantes podem aplicar, de forma criativa e autônoma, os conhecimentos sobre ciências em uma ampla variedade de situações, inclusive em situações desconhecidas.
O PISA também avalia o efeito de indicadores socioeconômicos. Este índice é construído de uma forma que estudantes da amostra ao redor do mundo estejam em uma mesma escala econômica.
Segundo os dados, os estudantes brasileiros não estão nem entre os mais pobres, nem entre os mais ricos, situando-se majoritariamente em uma posição intermediária, no segundo quintil.
Contudo, a despeito da situação econômica, estudantes com situação econômica semelhante à brasileira habitando em países como Turquia e Vietnã tendem a obter resultados significativamente melhores que os nossos.
O próprio PISA faz análises adicionais sobre esse panorama, avaliando o quanto ele poderia explicar o desempenho acadêmico. O poder socioeconômico explica sim o desempenho acadêmico no país, mas algo em torno de 15% (mesmo valor aplicado aos países da OCDE).
Paralelamente, temos também alguns resultados avaliando se a quantidade de dinheiro investido em educação explicaria o desempenho escolar. Nos países que menos gastam, essa relação explica cerca de 27% da variância do desempenho, mas apenas 1% nos países que investem mais em educação.
Essa relação parece bastante intuitiva. Ela nos diz que mais importante do que a quantidade investida é saber como esse dinheiro será usado para efetivamente trazer resultados mais satisfatórios para o desempenho escolar.
É preciso ter cautela com um certo reducionismo econômico, que coloca toda a culpa do desempenho estudantil brasileiro nos aspectos econômicos. Afirmar isso é inadequado, mesmo através de uma análise estritamente econométrica que consegue compreender que há algo além, fora dos 15% até 30% de variância.
Infelizmente, esses tipos de informações são praticamente repelidos na maioria das faculdades de educação. Não só os professores, como parte importante do corpo docente dos profissionais que estudam o campo, têm olhado para dados como esses com um desprezo olímpico.
Afinal, dizer que precisa mudar tudo é a melhor maneira de não precisar fazer nada. Parece-me que, enquanto as teorias pedagógicas reinantes não revisarem sua negação do passado, a melhoria do desempenho acadêmico brasileiro estará entregue à certeza do acaso de que tudo será como já foi um dia. E o velho clichê: aqueles que não aprendem com o passado, tenderão a repeti-lo.