Henrique Simplício

Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.

Caroneiros?

Se você já viveu um pouco mais ou possui alguma experiência com o mercado de trabalho, escola ou faculdade, já deve ter notado que existem pessoas que possuem uma grande habilidade de "participarem" de praticamente tudo, sem precisar fazer quase nada.

Henrique Simplício

Sabe aquele colega que não tocou no trabalho, mas na hora de apresentar corrige até os demais do grupo, parecendo que ele fez mais do que todo mundo? Aquele colega de trabalho que só demonstra serviço quando o chefe ou gestor está presente? Pois bem, esse é o carona, traduzido do inglês por free-riders.

O carona é aquele que se beneficia dos esforços dos outros sem oferecer uma contrapartida proporcional

Enquanto alguns trabalham e dão duro diariamente, assumindo responsabilidades, os caronas são muito habilidosos em fingir que trabalham, se escorando no trabalho dos outros. 

A expressão carona ou free-rider pode ser remontada ao célebre livro escrito por Mancur Olson (1932-1998), chamado: "À lógica da Ação Coletiva". 

Olson foi um economista e cientista político americano importante, conhecido por suas contribuições na economia política ao avaliar o comportamento de como certos grupos poderiam agir dentro da sociedade.

Olson argumenta que uma "ação coletiva" pode ser difícil de ser alcançada quando as pessoas não direcionam suas prioridades para os objetivos definidos.  

Isso ocorre porque algumas pessoas são tentadas a agir em seu próprio interesse, evitando contribuir com os demais, e aproveitar-se dos benefícios proporcionados por aqueles que estão agindo para o grupo.

Essa atitude do carona é muito influenciada pelo modo como a sociedade atual se organiza

Hoje, empresas, escolas e universidades conseguem operar de modo tão complexo quanto as cidades mais modernas na era digital. 

Algumas destas instituições possuem tantos setores, divididos em tantas funções e cargos, que, em alguns casos, fica difícil identificar quem é o responsável pelo avanço ou atraso do trabalho, quem faz as atividades que precisam de mais atenção ou menos. 

O caroneiro ganha possibilidade de atuar justamente neste tipo de configuração, onde o reconhecimento e mérito pelo trabalho são ofuscados por ideais dispersos e responsabilidades coletivas, de modo que, caso dê errado, eu posso sempre arrumar um jeito de dizer que a culpa não é minha.

Para o carona, as vantagens de contribuir para uma causa coletiva, como por exemplo entregar o projeto revisado, corretamente e no prazo, diminuem, enquanto o custo para coordenar seu trabalho no empreendimento aumenta

Hoje, muitas empresas, instituições educacionais e mesmo grupos de pesquisa operam neste mesmo esquema, e, seja por falta de tempo, displicência, ou falta de conhecimento técnico, não conseguem distinguir o carona do funcionário que direciona seus esforços para atender a empresa.

Por que não trabalhar com caronas contribui com seu projeto, emprego ou seu desenvolvimento acadêmico? 

Para compreendermos o quanto os caronas podem ser prejudiciais para seu trabalho, é necessário, antes, entender o que se passa na cabeça de um indivíduo que adota esse comportamento na empresa. 

Seriam eles muito diferentes dos nossos colegas de trabalho? 

A boa resposta é que não, os caronas estão longe de serem sujeitos diferentes de boa parte das pessoas com quem trabalhamos. 

Os caronas são acima de tudo sujeitos racionais, ou seja, pessoas que tentam maximizar seus benefícios com o menor esforço possível

Dessa forma, o carona percebe que outros farão o trabalho independentemente do esforço próprio. 

Logo, o carona toma para si a seguinte lógica: "se consigo ganhar a mesma coisa fazendo menos, por que vou trabalhar mais"? 

Ele reconhece que existe uma força que tende a concluir a tarefa sem sua ajuda, dessa forma, ele simplesmente não enxerga recompensa em ajudar a equipe. 

Ele prefere tirar o pé do acelerador e fazer o mínimo para continuar em uma posição confortável, do que ter que se esforçar para ajudar a coletividade a cumprir seu objetivo. 

A decisão do caroneiro nem precisa ser voluntária ou consciente. Ele pode fazer uma avaliação rápida e instintiva do ambiente, questionando se o conjunto de normas, leis e expectativas que existem sobre ele no ambiente podem impedi-lo de agir como um carona

A partir daí, o carona faz o seguinte cálculo: "E se eu reduzir meu esforço no trabalho? Continuarei ganhando o mesmo? Alguém pode me punir se eu trabalhar menos do que os esforços da equipe"?

Como eu disse, uma decisão racional, certo? Certo, mas racional não significa produtiva, muito menos profissional.

Agora, você pode estar se perguntando: como então evitar ter de lidar com caronas? 

A primeira resposta é bastante simples e se aplica tanto a funcionários, gestores, donos e sócios de uma empresa. 

A resposta é: não trabalhe com caronas e evite ao máximo fazer parte da equipe com pessoas com este perfil, caso não esteja na posição de trocar de equipe.

Evitar que os caronas prosperem é acima de tudo um imperativo para que aqueles que realmente contribuem com a empresa sejam reconhecidos

Não há legitimidade, nem justificativa ética que sustente o comportamento de pessoas que se aproveitam do esforço alheio para não executar seus deveres e tarefas firmados com a empresa. 

O perdão e o amor previstos pelas religiões não são defesa para fazer vistas grossas às pessoas descompromissadas com sua equipe de trabalho. 

Avaliar esse compromisso e demonstrar que esse comportamento não é adequado, é também uma forma de ajudar essas pessoas e evitar que eles propaguem um comportamento nocivo para a cultura da instituição.

Sabemos que nem sempre é possível desviar de maus colegas de trabalho, gestores e chefes com baixo capital intelectual. 

Pode ser que você seja simplesmente obrigado pelas circunstâncias a trabalhar com eles e fim da história; o carona continuará ali, ao menos por enquanto, por motivos que poderemos discutir mais adiante.

É necessário deixar claro que, nestes casos, não há fórmula mágica para solucionar o problema

Como veremos mais adiante, como um câncer em metástase que já comprometeu todos os órgãos, se a cultura da empresa está impregnada pela mentalidade do carona, não há nada que se possa fazer. 

Existem casos onde até os próprios gestores e diretores atuam com o comportamento carona

Se sua empresa, universidade ou mesmo escola valoriza esse comportamento caroneiro, abraçando frases feitas, sem um direcionamento das responsabilidades… apenas um milagre fará com que as coisas mudem para melhor

Não há nenhuma pessoa bem intencionada ou decidida que consiga corrigir a decisão de uma instituição de valorizar os piores funcionários ao invés dos comprometidos. 

Contudo, seja como dono da empresa, sócio, funcionário, ou estudante, há sempre algo que você pode fazer para melhorar seu trabalho

Quando você é obrigado a trabalhar com um carona, principalmente aqueles que podem querer te prejudicar, a melhor forma de lidar com o caroneiro é não contar com o trabalho dele.

Na ausência de uma cultura organizacional adequada, a melhor forma de fugir desse cenário é não estando nele

Agora, caso o leitor esteja justamente em uma posição de gestão dentro da equipe, cabe a você o papel de perceber o que está acontecendo no seu negócio e evitar que esse tipo de comportamento prospere.

Não estou aqui dizendo que eventualmente não vai acontecer de pessoas contribuírem de maneira diferente para um determinado trabalho por não terem o mesmo conhecimento que funcionários mais experientes

Acredito que o que diferencia o comportamento carona está, em grande parte, enraizado na motivação e persistência do comportamento

O problema da proliferação do caroneiro reside nesse custo de oportunidade

Infelizmente, no mundo moderno, alguns cargos e profissões foram estruturados de modo a fugir dessa responsabilização direta pelo peso das ideias ou dos resultados colhidos pelo trabalho. 

Nas próximas colunas, falaremos um pouco mais sobre esse cenário de desresponsabilização que acomete não apenas o cenário educacional, mas também o mundo do trabalho.