Doutor em Neurociências, é palestrante, escritor, autor e organizador dos livros "Pedagogia do Fracasso" e "Pedagogia do Sucesso" (volumes 1 e 2) publicados pela editora Ampla.
A escola desempenha um papel crucial no desenvolvimento da criança. Dentro dela, a grande maioria dos alunos do Brasil e do mundo conduz parte significativa de sua vida.
Muitas delas chegam a passar mais tempo na escola do que em casa por mais de uma década de suas vidas.
Contudo, muitos pais parecem fazer vista grossa às virtudes e aos problemas que as boas e más escolas seriam capazes de proporcionar aos seus filhos.
Parte dos pais deposita seus filhos na escola como uma encomenda nos correios. Mal sabem que esta mesma escola poderá definir o futuro de seus filhos.
Desde os aspectos cognitivos e emocionais até o aprendizado, a escola possui um papel de protagonismo na vida dos jovens.
O quanto o desempenho escolar é influenciado pela escola depende de um conjunto de fatores. Um deles consiste na violência escolar traduzida pelo bullying.
Embora a cultura "woke" e um certo estoicismo de empreendedores "pé de chinelo" tenham banalizado o termo, pretendo demonstrar que esse assunto é bem mais relevante do que se imagina e não fica preso apenas aos muros da escola.
Antes de mais nada, bullying não é apenas algo que acomete as instituições escolares ou as crianças e adolescentes.
O bullying está presente em diferentes contextos de interação. Desde seu trabalho, comunidade religiosa, atividade esportiva e até mesmo em atividades não humanas.
Segundo uma perspectiva evolucionária, práticas de humilhação e rebaixamento (como o bullying) compõem um repertório de ação em diferentes espécies do reino animal.
Animais sociais como gorilas, chimpanzés, lobos, galinhas, cachorros e ratos usam dessas práticas como forma de coação e manutenção da dominância.
Chimpanzés e gorilas que dominam certo grupo usam constantemente o bullying, podendo em alguns casos chegar a matar membros da espécie.
Ainda bem que isso não acontece na espécie humana, certo? Infelizmente, errado. Massacres escolares estão longe de serem os únicos exemplos desse tipo de prática.
No ambiente escolar, as práticas de bullying podem se associar desde seus efeitos mais diretos (como a violência física), até os indiretos (como os provocados por fofocas, disseminação de ofensas, sabotagem ou mesmo através de redes sociais com o cyberbullying).
Neste cenário, não raramente, vemos casos de jovens ao redor do mundo utilizando a violência física com os demais, muitas delas levando ao óbito ou a lesões físicas vitalícias.
Mas quais seriam as razões para tal comportamento "bullie"?
A persistência do bullying escolar pode ser avaliada pelas vantagens adaptativas na realização desse tipo de comportamento.
É verdade que, por um lado, no longo prazo, há estudos associando a prática "bullie" com prejuízos psicocomportamentais. Contudo, o maior engajamento na realização destas violências também tem sido associado com vantagens pessoais.
Se você tem um colega de trabalho que muda drasticamente seu comportamento quando está sob a presença de outros colegas ou de alguém que deseja impressionar, às vezes fazendo brincadeiras ou mesmo contando piadas mais ácidas com colegas de trabalho, você certamente consegue entender as motivações do comportamento "bullie".
O bullying frequentemente surge quando as pessoas desejam de alguma forma aumentar seu status social medido pela popularidade.
Em alguns espaços, a busca por benefícios sociais, recursos e recompensas pode ser escassa, de modo que apenas um grupo limitado de pessoas pode desfrutar destas conquistas.
O "bullie" tende a se manifestar justamente nestes locais onde a disparidade por recursos e a desigualdade são manifestas.
Alguns estudos têm indicado a maior probabilidade do bullying em ambientes com maior competitividade e onde há maior desequilíbrio entre a distribuição de recursos.
Como exemplo extremo, em locais onde há poucas possibilidades de reprodução, o uso da força contra possíveis rivais que acabam de chegar em determinado grupo, pode ser uma alternativa para manter o privilégio ou, mesmo, buscar uma mudança da hierarquia através da obtenção de mais prestígio.
Paralelamente, é possível pensar em exemplos mais corriqueiros. Alguns prêmios sociais podem ser muito difíceis de se obter, como, por exemplo, ser reconhecido como o líder, ou, no caso da espécie humana, como melhor aluno da classe, melhor esportista, o mais engraçado ou mesmo obter um parceiro(a) disputado(a).
Estas atividades demandam alto nível de engajamento devido à escassez ou à dificuldade dessa recompensa.
Esta disputa elevada faz com que indivíduos lancem mão de sua influência social ou coletiva para que consigam não só se favorecer na disputa, mas também desincentivar possíveis concorrentes.
Dessa forma, o uso do bullying se transforma mais ou menos como uma estratégia de dissuasão física e comportamental, onde aquele que pratica o bullying pode obter todas as vantagens ao tentar humilhar ou reduzir o engajamento de sua vítima.
Um dos principais problemas do bullying, bem como da violência escolar, consiste nos prejuízos causados por uma cultura que incentiva e promove esse tipo de comportamento.
Do ponto de vista do aprendizado, a exposição a este tipo de violência coloca barreiras na possibilidade de alcançar níveis mais elevados de conhecimento, dificultando a permanência na escola e o avanço em etapas posteriores do ensino. Mas estas não são as únicas consequências.
Uma metanálise publicada no "World Journal of Psychiatry", em 2017, revisou mais de 160 estudos independentes, apresentando de forma bastante clara como ser vítima de bullying se associa a prejuízos na saúde mental, resultando em problemas como depressão, ansiedade e ideação suicida.
Paralelamente, a vitimização do comportamento de bullying esteve também associada ao uso de drogas ilícitas.
Fatores ambientais e de criação parecem impulsionar ou fornecer resiliência ao comportamento "bullie". A parentalidade autoritária tem sido uma delas.
Em contrapartida, um ambiente com alto nível de engajamento familiar, incluindo cuidados maternos, bom relacionamento com os irmãos e um bom ambiente dentro de casa, está associado a uma menor exposição e maior resiliência frente ao bullying.
Esses dados reiteram a importância de laços familiares e de amizade sólidos.
Embora as evidências associadas às políticas organizacionais de combate ao bullying sejam difíceis de se controlar, é possível vislumbrar intervenções pautadas na integração de componentes para diminuição destas práticas de violência escolar.
Intervenções externas pautadas no engajamento da participação familiar e comunitária nas escolas que passam por esses problemas, têm se apresentado como capazes de contribuir com a redução de práticas de bullying.
Porém, é preciso reiterar que os resultados precisam ser avaliados com cautela, tendo em vista os diferentes contextos em que as intervenções foram executadas e a dificuldade de mensurar fenômenos que interagem em domínios específicos.
Em resumo, todas as informações apontadas nesse texto apenas reforçam o cuidado que as famílias e indivíduos precisam tomar ao avaliar a escola de seus filhos, ou mesmo ao interagir com os demais.
Por mais que o "bullying" possa ter sido banalizado, é preciso ter cuidado para não rebaixar o fenômeno a ponto de ignorar um contexto que tem sido extremamente prejudicial para uma parcela dos alunos e demais membros da sociedade.