Fernando Pestana

Professor de Português com mais de 20 anos de experiência, autor do best-seller "A Gramática para Concursos Públicos" e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras do Porto.

A garantia do direito ao erro

Calar alguém que discorda de você é covardia.

Fernando Pestana

A floração da verdade é um efeito advindo da defesa e da garantia da liberdade de expressão, ainda que tal expressão seja a do erro, a do total contrassenso.

Calar alguém que fale algo com que não se concorda é o maior sinal de covardia e de fraqueza moral — em última instância, é o atestado do medo que a verdade venha à tona ou do medo que o pensamento sustentado não passe duma mentira que não se quer nem se pode tomá-la como tal.

Por serem coisas teimosas, uma hora os fatos se impõem, usando as falácias como trampolim para alcançar a verdade.

Assim, é preciso que se deixe falar. É proibido proibir, malgrado o absurdo expressado.

E por que estou falando disso?

Os que me seguem vêm percebendo, há cerca de três anos, que minha intenção é denunciar as falácias de ordem linguística/gramatical produzidas por influentes linguistas brasileiros com o microfone na mão há décadas.

Portanto, acompanhe mais uma parte desta interminável série, cujas referências são a “Gramática pedagógica do português brasileiro” (Marcos Bagno, 2012) e “Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores” (Carlos Alberto Faraco e Francisco Eduardo Vieira, 2016).

Imagine um estudante de Letras ou um professor de Português lendo numa caixa de ressonância chamada “livro” o que segue, registrado a toda a posteridade:

"Parodiando o velho Marx, os linguistas têm se limitado a descrever as relações entre língua e sociedade: trata-se, agora, de transformá-las. Essa transformação pode ser feita por meio da formulação de um 'discurso herético', como escreve Pierre Bourdieu (1996: 118), destinado a produzir um 'novo senso comum'... uma nova norma linguística para o ensino..." (Bagno, 2012: 27)

Transformação! Heresia! Novo senso comum! Nova norma linguística!

Há uma evidente e declarada postura revolucionária de rompimento e substituição da tradição gramatical, cujas intenções são vistas em outros enfileirados linguistas brasileiros, os quais reafirmam a cisão intencional com o paradigma tradicional de gramatização, visando a um novo modelo (naturalmente tomado como melhor do que o anterior, claro), numa "espécie de revolução do fazer gramatical", a fim de DESTRUIR (palavra do linguista Francisco Eduardo Vieira) o fazer gramatical tradicional:

"Kuhn (1962) afirma que as revoluções científicas assemelham-se às revoluções políticas, e eu alargo seu pensamento ao contexto das produções emergentes das gramáticas do português brasileiro. Seus autores e partidários veem-se unidos numa causa não só científica, mas sociopolítico-ideológica (…) Não à toa as características que Kuhn (1962: 126-128) afirma pertencerem às revoluções políticas e científicas podem ser apontadas como constitutivas da revolução do fazer gramatical brasileiro. (…)"

Agora note a palavra em caixa alta e sua sequência:

"Assim, a emergência de um novo paradigma de gramatização exige a DESTRUIÇÃO em larga escala do paradigma tradicional e grandes alterações nos problemas e técnicas arraigados historicamente no nosso fazer gramatical, algo próprio do caráter revolucionário. (...) (Faraco e Vieira, 2016: 40-41; grifo meu)

Revolução! Destruição em larga escala!

Vieira finaliza sua argumentação incentivando que "uma nova geração de pesquisadores abrace o novo paradigma, para sua exploração prosseguir" (p. 42).

Essa postura revolucionária, transformadora, destruidora da tradição gramatical/linguística tem gerado bons resultados para a educação brasileira?

Pense e observe os dados sobre isso. Como disse Ayn Rand, "você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”.

Quando lhe perguntarem quais são os frutos da educação brasileira, sobretudo quanto ao ensino da língua portuguesa no Brasil, mostre esse texto, mostre a real intenção por trás das mudanças linguísticas ensinadas aos futuros professores de Português do Brasil, incentivados a levar tal discurso herético à frente, moldando as mentes dos seus alunos com esse flagrante cunho ideológico embebido em completo espírito revolucionário, de destruição da tradição gramatical. 

Apesar de tudo isso, é preciso garantir o direito do erro do pensamento e da expressão, pois só assim todos terão a oportunidade de saber as reais intenções de quem deseja instaurar uma nova ordem das coisas — para chamar de sua —, para que então se perceba claramente a distinção entre a verdade empírica e a verdade retórica… e suas consequências.