A obra Alice no País das Maravilhas, escrita por Lewis Carroll em 1865, é famosa por entreter e gerar curiosidade em crianças e adultos. Ao longo dos anos, o livro foi adaptado várias vezes no cinema que foram assistidas por centenas de milhões de pessoas.
Segundo a revista Box Office Mojo, apenas o filme live-action de Tim Burton, Alice no País das Maravilhas (2010), produzido pela Disney, arrecadou mais de 1,025 bilhão de dólares em bilheteria mundial.
Muito mais do que uma simples história infantil, trata-se de uma narrativa repleta de simbolismo, nonsense e camadas psicológicas que continuam a fascinar leitores e estudiosos.
Cada personagem que Alice encontra em sua jornada reflete aspectos da psique humana, da sociedade e da busca por sentido em um mundo caótico. Neste artigo, exploraremos os principais personagens da trama, trazendo interpretações inspiradas em grandes pensadores da psicologia e da filosofia, como Sigmund Freud, Carl Jung, Rudolf Allers, Alfred Adler e Santo Tomás de Aquino, entre outros.
A personagem principal da história é uma garota inglesa de sete anos que acredita ter muito conhecimento devido a sua inteligência e eloquência extraordinárias para a idade.
Ela pensa compreender o mundo e estar no nível de maturidade dos adultos. É interessante notar que a protagonista foi baseada em uma pessoa real: Alice Liddell, filha de um conhecido de Carroll.
Sua vida muda completamente ao avistar um Coelho Branco atravessando o jardim, trajado com um colete e carregando um relógio. Diante de uma cena tão inesperada e intrigante, ela se deixa guiar pelo impulso da curiosidade e decide acompanhá-lo, sem considerar o que poderia resultar dessa escolha.
Nessa hora começa um dos principais significados da história: ela se depara com um mundo completamente diferente do que ela conhece e espera. É como se o autor retratasse que o mundo é muito mais complexo e vasto do que podemos imaginar em nossa possível prepotência.
“Há mais coisas no céu e terra, Horácio, do que foram sonhadas na sua filosofia” (fala da peça Hamlet, de Willian Shakespeare).
A jornada de Alice pode ser vista como uma metáfora do processo de autodescoberta. Analisando a personagem conforme o pensamento de Carl Jung, Alice pode representar o arquétipo do "herói" em sua busca pela individuação, o processo de integrar o consciente e o inconsciente para formar uma identidade coesa.
Suas constantes mudanças de tamanho simbolizam a instabilidade da infância e a luta para compreender o "eu" em um mundo de regras que não estão dentro do seu campo de conhecimento e expectativa.
Já Rudolf Allers, com sua visão tradicional da psicologia, poderia sugerir que Alice busca um sentido transcendente em meio ao caos, uma luta para alinhar sua alma com a ordem divina, como diria Santo Tomás de Aquino ao falar da harmonia entre razão e fé.
O Coelho Branco é uma figura ansiosa e apressada, vestido com um colete e segurando um relógio de bolso, que atravessa o jardim e desperta a curiosidade de Alice. Representando a obsessão pelo tempo e a ordem, ele a conduz ao País das Maravilhas, onde sua agitação contrasta com o caos reinante.
Freud poderia ver no coelho uma representação da neurose, com sua ansiedade constante sendo um eco do superego rígido que cobra perfeição.
Para Alfred Adler, ele poderia simbolizar o complexo de inferioridade: sua obsessão por cumprir horários e agradar a Rainha reflete uma busca por validação externa, típica de alguém que teme não estar à altura das expectativas.
Do ponto de vista de Santo Tomás de Aquino, o Coelho Branco poderia ser uma metáfora da alma inquieta que, sem a contemplação do eterno, se perde na superficialidade do tempo terreno, não encontrando a verdadeira felicidade nas realidades passageiras.
Já Jung enxergaria nele o arquétipo do "mensageiro", guiando Alice para o submundo psíquico, ainda que de forma desajeitada, talvez refletindo a falta de jeito de Alice para lidar com tais questões.
O Chapeleiro Maluco é um excêntrico anfitrião de um chá eterno, marcado por sua lógica nonsense e comportamento imprevisível. Acompanhado da Lebre de Março e do Arganaz, ele desafia as convenções da razão, oferecendo a Alice um vislumbre de loucura.
Na Inglaterra vitoriana, os chapeleiros usavam muito mercúrio em suas produções. O produto chegava a envenenar alguns deles, deixando-os com tremores e confusão mental. Uma expressão famosa era "louco como um chapeleiro”, devido a essas condições e, possivelmente, pela profissão ser mais artística e criativa.
Na narrativa original, o Chapeleiro é apresentado como um anfitrião peculiar que desafia Alice com enigmas sem resposta (como "Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?") e uma lógica nonsense que reflete o caos do País das Maravilhas.
Ele explica que está preso em um chá eterno porque "brigou com o Tempo" — uma referência a uma cena anterior em que irritou o Tempo durante um recital para a Rainha de Copas, sendo condenado a ficar às "seis horas" para sempre.
No livro, o Chapeleiro não luta contra a Rainha de Copas. Ele reaparece brevemente no julgamento de Alice (Capítulo XI), como testemunha nervosa e confusa, mas não há um confronto físico ou narrativo significativo entre ele e a Rainha.
Sua relação com ela é de subserviência relutante: ele a teme, como todos no País das Maravilhas, mas não a desafia diretamente.
Para Jung, ele poderia encarnar o arquétipo do "trickster", o agente do caos que desafia convenções e revela verdades ocultas. Sua mesa de chá eterna, onde o tempo parece parado, reflete uma resistência à linearidade da vida adulta, um tema que Adler exploraria como uma fuga da responsabilidade social, uma relutância em amadurecer.
Freud talvez visse no Chapeleiro um exemplo de regressão psíquica, um retorno a um estado infantil onde as regras do ego são suspensas.
Rudolf Allers, por sua vez, poderia interpretá-lo como uma alma desorientada, incapaz de encontrar a "finalidade última" que Aquino associava à felicidade verdadeira, lutando para permanecer na vida terrena, sem Deus, para sempre.
O Gato de Cheshire (Cheshire Cat, no original) é uma das figuras mais intrigantes e memoráveis de Alice no País das Maravilhas, criado por Lewis Carroll em 1865. Ele aparece pela primeira vez no Capítulo VI ("O Porco e a Pimenta") e se destaca por seu sorriso enigmático, sua habilidade de desaparecer gradualmente até restar apenas o sorriso, e suas conversas ambíguas que confundem e orientam Alice ao mesmo tempo.
O Gato de Cheshire é descrito como um gato grande e sorridente, empoleirado em uma árvore, com a capacidade única de se desmaterializar à vontade. Quando Alice o encontra, ele está na propriedade da duquesa e a saúda com um sorriso largo antes de iniciar um diálogo filosófico e provocador.
Ele pergunta a Alice para onde ela quer ir, apenas para responder que, no País das Maravilhas, todos os caminhos levam a algum lugar (ou a lugar nenhum), já que todos são loucos, incluindo ele próprio. Sua declaração "Somos todos loucos aqui" tornou-se uma das frases mais icônicas da obra.
O Gato reaparece mais tarde, durante o jogo de croqué da Rainha de Copas (Capítulo VIII), flutuando no ar e irritando a Rainha com sua presença intangível. Quando ela ordena "Cortem-lhe a cabeça!", o Gato desafia a lógica da execução ao desaparecer, deixando os carrascos confusos sobre como decapitar algo sem corpo. Essa cena reforça sua natureza esquiva e sua tendência a subverter a autoridade com humor.
Carroll pode ter se inspirado em várias fontes para criar o Gato de Cheshire:
Na narrativa original, o Gato de Cheshire atua como uma espécie de guia paradoxal para Alice. Ele não oferece respostas claras, mas suas provocações a ajudam a navegar pelo País das Maravilhas.
Por exemplo, ele sugere que ela visite o Chapeleiro Maluco ou a Lebre de Março, mas avisa que ambos são loucos, deixando-a decidir sozinha. Sua presença é ambígua: ele é ao mesmo tempo um observador distante e um participante ativo, desafiando as regras rígidas da Rainha sem se envolver diretamente em conflitos.
Diferente de adaptações modernas, o Gato no livro de Carroll não luta contra a Rainha de Copas nem assume um papel de herói. Ele é mais um comentarista irônico, um espírito livre que zomba da autoridade e desaparece quando conveniente. Sua "loucura" é autoconsciente, o que o diferencia dos outros personagens, presos em suas próprias ilusões.
Para Jung, ele seria o arquétipo do "sábio" ou do "guia espiritual", oferecendo a Alice insights crípticos que a ajudam a navegar pelo País das Maravilhas. Seu sorriso persistente, mesmo quando seu corpo desaparece, sugere a permanência do inconsciente coletivo, uma ideia central no pensamento junguiano.
Freud poderia interpretá-lo como uma projeção do superego de Alice, um juiz interno que a provoca e a desafia, mas nunca oferece respostas claras.
Adler, por outro lado, poderia ver no Gato uma manifestação do poder da autoconfiança: ele existe em seus próprios termos, indiferente às regras alheias.
Já para Santo Tomás de Aquino, o Gato talvez representasse a razão especulativa, que guia sem impor, deixando Alice livre para encontrar seu caminho.
A Rainha de Copas é uma tirana de temperamento explosivo, conhecida por gritar “Cortem-lhe a cabeça!” a qualquer provocação. Governando com autoritarismo e rodeada por uma corte de cartas, ela personifica o poder desmedido e a irracionalidade em um reino de regras arbitrárias.
Freud a analisaria como uma figura materna distorcida, uma projeção do id descontrolado que pune sem racionalidade. Para Adler, ela reflete a busca patológica por superioridade, uma tirana que compensa inseguranças internas com crueldade externa.
Jung poderia vê-la como o arquétipo da "mãe terrível", uma força destrutiva que testa os limites do herói.
Rudolf Allers e Santo Tomás de Aquino, por sua vez, poderiam interpretá-la como um símbolo do pecado da ira, uma alma dominada pelas paixões que rejeita a virtude e a ordem divina. Sua corte de cartas de baralho reforça essa ideia de fragilidade mascarada por poder.
O Rei de Copas é uma figura tímida e submissa, contrastando com a feroz Rainha de Copas, sua esposa. Apesar de sua posição de autoridade, ele age com hesitação e fraqueza, submetendo-se às ordens dela e representando uma liderança apagada no caos do País das Maravilhas.
Adler o descreveria como alguém preso em um complexo de inferioridade, incapaz de afirmar sua vontade diante da Rainha.
Para Freud, ele poderia ser o ego enfraquecido, dominado pelo superego tirânico da esposa. Jung, por outro lado, poderia vê-lo como uma sombra da Rainha, um aspecto masculino reprimido que não encontra voz.
Do ponto de vista de Allers e Aquino, o Rei representa a falta de coragem moral, uma alma que, por covardia, falha em buscar o bem maior. Sua presença sutil na narrativa sublinha o contraste entre poder aparente e fragilidade real.
A Lebre de Março é uma criatura agitada e excêntrica que compartilha a mesa de chá com o Chapeleiro Maluco. Sua loucura, inspirada na expressão “louco como uma lebre de março”, adiciona um toque de desordem frenética à cena, desafiando Alice com seu comportamento ilógico.
Para Jung, eles poderiam simbolizar aspectos fragmentados da psique, arquétipos menores que giram em torno do trickster.
Freud talvez os visse como manifestações de impulsos caóticos do id, livres de qualquer controle racional. Adler, por sua vez, poderia interpretá-los como figuras que rejeitam a integração social, vivendo em um estado de alienação.
Allers e Aquino poderiam enxergar neles a perda da razão ordenada, um estado de confusão que afasta a alma da contemplação da verdade. Juntos, esses personagens criam um microcosmo de desordem que desafia Alice a encontrar sentido em meio ao caos.
Os gêmeos Tweedledee e Tweedledum, figuras idênticas e contraditórias, aparecem como um par brincalhão que confunde Alice com suas discussões circulares e comportamento espelhado.
Para Carl Jung, eles podem representar o arquétipo da "sombra" duplicada, refletindo os aspectos opostos e reprimidos da psique que lutam por integração. Sua insistência em narrativas absurdas, como a história do Corvo e da Mesa de Escritório, sugere um confronto com o inconsciente coletivo, onde o caos narrativo desafia a ordem racional.
Sigmund Freud poderia interpretá-los como uma manifestação do conflito entre o id e o ego: dois impulsos infantis que disputam atenção sem jamais alcançar resolução, presos em um ciclo de rivalidade narcisista.
Alfred Adler, por sua vez, poderia ver nos gêmeos uma metáfora do complexo de inferioridade compensado pela competição — cada um tenta se afirmar sobre o outro, mas nenhum prevalece, simbolizando a futilidade da busca por superioridade sem propósito.
Rudolf Allers e Santo Tomás de Aquino poderiam enxergar Tweedledee e Tweedledum como almas desorientadas, incapazes de transcender suas paixões terrenas. Para Aquino, sua dualidade reflete a falta de unidade interior, um estado em que a razão não ordena os desejos, levando a uma existência fragmentada e sem direção.
A Lagarta é uma figura serena e filosófica, fumando um narguilé enquanto faz perguntas profundas como “Quem é você?” a Alice. Envolta em fumaça e prestes a se transformar em borboleta, ela simboliza introspecção e transformação, desafiando Alice a refletir sobre sua existência no País das Maravilhas.
Para Jung, ela poderia encarnar o arquétipo do "sábio", um guia que força o herói a refletir sobre sua identidade em um momento de transição. Sua fumaça e transformação iminente (em borboleta) simbolizam o processo de individuação, onde o eu emergente deve abandonar formas antigas para alcançar plenitude.
Freud talvez a visse como uma projeção do superego, questionando Alice de maneira quase acusatória, desafiando-a a confrontar suas inseguranças reprimidas sobre quem ela é ou deveria ser.
Para Adler, a Lagarta representa um desafio ao sentimento de inferioridade de Alice: suas perguntas a obrigam a justificar sua existência, empurrando-a para uma afirmação de poder pessoal em um mundo que a diminui.
Do ponto de vista de Rudolf Allers e Santo Tomás de Aquino, a Lagarta poderia ser um símbolo ambíguo da contemplação. Para Aquino, sua calma introspectiva sugere a busca pela verdade última, mas sua indiferença e hedonismo (o narguilé e suas atitudes arrogantes) apontam para uma razão obscurecida pelas paixões, um estado que impede a plena realização da alma.
Alice no País das Maravilhas é uma obra que transcende o tempo, oferecendo uma rica tapeçaria de símbolos e significados. Sob as lentes da psicologia e da filosofia, seus personagens revelam as complexidades da mente humana: a busca por identidade, o confronto com o inconsciente, a luta contra o autoritarismo e a tentativa de encontrar ordem no caos.
De Freud a Jung, de Adler a Allers e Aquino, cada pensador oferece uma chave para desvendar os mistérios do País das Maravilhas, transformando a aventura de Alice em um espelho da alma humana.
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