Quem é Gibelrto Freyre? Quais são suas principais teorias? Ele já foi chamado de comunista desequilibrado, de reacionário racista, de conservador retrógrado e até de pornógrafo. Mas nenhuma dessas depreciações apagam o fato de que foi um dos maiores e mais importantes sociólogos do século XX.
O grande pensador pernambucano, de formação ampla e área de interesses variados, escreveu ensaios de sociologia, antropologia e história, sendo sua principal obra o livro Casa Grande e Senzala. Foi também jornalista, ficcionista, poeta e pintor. Leia esse artigo e conheça sua história, obra e principais pensamentos.
Gilberto de Mello Freyre nasceu no dia 15 de março de 1900, filho de Alfredo Freyre e Francisca de Mello Freyre. Foi um dos mais importantes sociólogos do século XX e um dos maiores intelectuais brasileiros, a cujo respeito Monteiro Lobato testemunhou:
“O Brasil do futuro não vai ser o que os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. Freyre é um dos gênios de palheta mais rica e iluminante que estas terras antárticas ainda produziram”.
Seu pai, juiz, advogado e professor de Direito, tratou de dar uma educação completa para o filho. Ainda criança, Freyre aprendeu as primeiras letras no Colégio Batista Americano Gilreath, que o próprio pai ajudou a fundar.
Mostrou dificuldades na aprendizagem da escrita nos primeiros anos escolares e se destacou com seus desenhos.
Logo, superada a dificuldade da escrita, demonstrou grande talento para a literatura e para as ciências humanas. Ainda na escola, foi editor e redator do jornal escolar “O Lábaro”.
Aos dezoito anos vai estudar na Universidade Baylor no Texas, onde se formou bacharel em artes liberais e especializou-se em ciências políticas e sociais. Depois concluiu seu mestrado e doutorado em ciências políticas, jurídicas e sociais na Universidade de Columbia.
Lá conheceu o professor Franz Boas, uma de suas maiores referências intelectuais. E, em 1922, publicou sua tese “A Vida social no Brasil em meados do século XIX”.
Em 1924, retornou à terra natal, onde passou a publicar artigos em jornais sobre a formação social do Brasil. Seus artigos eram publicados em jornais de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 1926, escreveu o Manifesto Regionalista, contrário a Semana de Arte Moderna e a europeização da cultura brasileira. Entre 1927 e 1930, trabalhou como chefe do gabinete do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra.
Em 1933, foi exilado por se opor à Ditadura Vargas. O exílio foi o momento da escrita da principal obra, “Casa Grande & Senzala”.
Em 1940, de volta ao Brasil, o governo Vargas fechou-lhe o jornal e o prendeu. Novamente, foi vítima de sua oposição ao regime.
Em 1941, casou-se com Maria Magdalena Guedes, com quem teve dois filhos. Em 1946, foi eleito deputado da Constituinte, pela União Democrática Nacional.
Sua obra alcançou grande repercussão e reconhecimento nacional e internacional. No entanto, passou boa parte da vida tendo de explicar novamente pontos do seu livro, alvo de muitas difamações e distorções.
A partir de 1950, recebeu vários convites para ministrar conferências em universidades americanas e europeias. Foi chamado também para compor comissões da ONU que tratavam da questão racial.
Criou a Fundação Gilberto Freyre e abriu a Casa-Museu, ambos na sua antiga residência, para preservar seu legado e sua biblioteca de mais de 30 mil volumes.
Recebeu vários prêmios em vida e títulos de doutor Honoris Causa, de diversas universidades do Brasil e do mundo:
Gilberto Freyre faleceu em 1987, em Recife, em decorrência de problemas de saúde diversos.
Casa-Grande & Senzala, que foi escrito durante o exílio em 1933, já foi traduzido para mais de 10 línguas. É o primeiro livro da trilogia que se completa com “Sobrados & Mucambos”, de 1936, e “Ordem & Progresso”, de 1957.
Na década de 30, as Ciências Humanas e Biológicas apresentavam as seguintes tendências: eugenia, racialismo e darwinismo social.
O pensamento que considerava o branco europeu como superior era padrão, bem como a crença de que a mestiçagem enfraquecia a população de modo a contaminar a pureza do povo.
Tudo isso era proposto no mesmo contexto do fortalecimento do discurso arianista de Hitler.
Defendia avidamente que a união das três raças foi o grande triunfo do brasileiro, esse era seu principal pensamento. Não o enfraqueceu com as misturas, mas produziu uma cultura totalmente autêntica, uma sociedade original.
Casa Grande & Senzala, obra prima de Gilberto Freyre, com sua linguagem irreverente, poética, antiacadêmica, veio para mudar o rumo das teorias sociológicas.
“Os escravos vindos das áreas de cultura negra mais adiantada foram um elemento ativo, criador, e quase que se pode acrescentar nobre na colonização do Brasil; degradados apenas pela sua condição de escravos. Longe de terem sido apenas animais de tração e operários de enxada, a serviço da agricultura, desempenharam uma função civilizadora”.
Na verdade, a miscigenação foi uma grande vantagem. Por possibilitar a adaptação ao clima, a plasticidade para se encaixar em situações diversas e a mistura de culinárias, crenças e línguas.
O livro é baseado na vida colonial brasileira. Trata especificamente de relatos dessa vida: da fome dos primeiros colonos, à vida íntima entre senhores e escravos. Aborda questões sociais, antropológicas, geográficas, alimentares e religiosas.
Casa Grande & Senzala é ancorado em fontes de todas as disciplinas. A enorme bibliografia elencada por Freyre analisa estudos de clima, vegetação, composição do solo, sociologia, nutrição e história.
A mudança de visão de Gilberto Freyre quanto à questão racial se deve ao seu professor Franz Boas. Mais adiante se tratará as influências de sua obra. O alemão é criador da Antropologia Culturalista, que distingue o conceito de raça e cultura.
Enquanto povo, nação e cultura, o Brasil se formou a partir da sociedade colonial, que era agrária, escravocrata e híbrida. Os engenhos de cana de açúcar são esse espaço criador.
Somente o engenho foi capaz de solucionar vários problemas da colonização portuguesa:
O português representava a cultura dominante, mas, ao mesmo tempo, não possuía uma consciência de superioridade racial, era plástico, adaptável e disposto à conjunção com outras raças para sobreviver.
O patriarca da família de engenho era um chefe de todos os membros daquela comunidade. Chefe da família, dos escravos e dos trabalhadores que dele dependiam. Ele comandava todas as relações.
Os primeiros navegadores portugueses viajavam sem mulheres e Portugal já era habituado à convivência com outras culturas, como os mouros e judeus. Seu catolicismo não era ortodoxo, logo, eram adaptáveis ao contato com outras culturas.
Já o negro, foi responsável pela maior contribuição para a colonização. Várias tecnologias foram agregadas pelos africanos: campo, gado, ouro, cozinha, língua, metalurgia.
Também eram plásticos e possuíam uma cultura extrovertida, ao contrário da introversão portuguesa, aumentando o contato entre os diferentes povos e facilitando a mestiçagem.
Outro ponto importante é que serviram de civilizadores dos índios. A cultura extrovertida facilitou o contato com os nativos e a aproximação deles à cultura europeia.
Eis as palavras do autor:
“Vieram-lhe da África ‘donas de casa’ para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria pastoril; comerciantes de pano e sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos.”.
O índio teve um grande papel na formação da cultura brasileira. A gestação de uma língua popular em oposição à erudita, hábitos alimentares como a mandioca, na falta do habitual trigo dos europeus, e os cuidados de higiene que incluem banhos diários, algo extremamente incomum na Europa.
“Terão sido os pátios de tais colégios um ponto de encontro e de amalgamento de tradições indígenas com as europeias, de intercâmbio de brinquedos, de formação de palavras, jogos e superstições mestiças.”
A degradação sexual presente na sociedade colonial, é fruto da escravidão e da disparidade cultural. A cultura superior tende a dominar a inferior.
Assim se formou a sociedade colonial: agrária, trabalhando para obter frutos na terra bruta, escravocrata, mestiça e patriarcal.
Gilberto Freyre em nenhuma obra usou o conceito de democracia racial. Por que então seus opositores sempre o acusam de ter criado esse termo?
O sociólogo Florestan Fernandes, opositor à obra de Freyre, foi responsável por formular o termo democracia racial. O termo por ele cunhado marcou para sempre o escrito de Gilberto Freyre.
Vários pontos podem explicar as acusações. Alguns alegam que sua linguagem romântica suavizou demais a escravidão, a ponto de parecer branda e excluir a violência do processo.
Outro ponto, que explica o ódio da esquerda ao sociólogo, é seu apoio ao regime militar em 1964. Suas publicações são praticamente banidas da academia brasileira. Aparece apenas como sociólogo clássico, de ideias ou questionadas ou associadas à democracia racial.
Com alguns recortes do livro, é possível fazer parecer que o trato do autor a escravidão é doce, romântico, mas cujo texto desmente as acusações:
“Mas não foi toda de alegria a vida dos negros, escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de muitos. O banzo — a saudade da África. Houve os que de tão banzeiros ficaram lesos, idiotas. Não morreram: mas ficaram penando. E sem achar gosto na vida normal — entregando-se a excessos, abusando da aguardente, da maconha, masturbando-se. Doenças africanas seguiram-nos até o Brasil, devastando-os nas senzalas.”
Apesar disso, passou boa parte da sua carreira tendo de desmentir esse mito em várias reedições de seu livro, em edições críticas e em entrevistas, como na seguinte:
“Não é que inexista preconceito de raça ou de cor conjugado com o preconceito de classes sociais no Brasil. Existe. Mas ninguém pensaria em ter Igrejas apenas para brancos. Nenhuma pessoa no Brasil pensaria em leis contra os casamentos inter-raciais. Ninguém pensaria em barrar pessoas de cor dos teatros ou áreas residenciais da cidade. Um espírito de fraternidade humana é mais forte entre os brasileiros que o preconceito de raça, cor, classe ou religião. É verdade que a igualdade racial não se tornou absoluta com a abolição da escravidão. (…). Houve preconceito racial entre os brasileiros dos engenhos, houve uma distância social entre o senhor e o escravo, entre os brancos e os negros (…). Mas poucos aristocratas brasileiros eram rígidos sobre a pureza racial, como era a maioria dos aristocratas anglo-americanos do Velho Sul”.
O polêmico e controverso autor já foi acusado de tudo: de louco e comunista inveterado, pela Igreja; e de racista suavizador da escravidão, pelo movimento negro.
Seu apoio ao regime militar lhe rendeu também títulos de reacionário, conservador e retrógrado.
Sua figura é repleta de paradoxos e controvérsias. Para muitos, Gilberto Freyre abriga em si a genialidade de um estudioso incansável.
Foi um grande nacionalista, defensor ferrenho dos costumes e da cultura nacional. Tinha um pensamento único, contrário a toda a corrente do racismo científico.
“Ficou-nos, entretanto, dessa primeira dualidade de línguas, a dos senhores e a dos nativos, uma de luxo, oficial, outra popular, para o gasto — dualidade que durou seguramente século e meio e que prolongou-se depois, com outro caráter, no antagonismo entre a fala dos brancos das casas-grandes e a dos negros das senzalas – um vício em nosso idioma, que só hoje, e através dos romancistas e poetas mais novos, vai sendo corrigido ou atenuado: o vácuo enorme entre a língua escrita e falada”.
Foi grande defensor de toda a cultura nacional e de como a miscigenação das três raças foi a grande vantagem e força brasileira, fecundando uma tradição completamente autêntica.
Alguns autores foram cruciais na formação do pensamento de Gilberto Freyre. Com destaque para o antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942), que cunhou a antropologia culturalista, que diferencia raça de cultura.
Os principais autores foram:
As principais influências de Weber e Boas foram na maneira de encarar a sociedade colonial, sua dinâmica e suas relações.
Os poetas influenciaram o modo como escrevia Freyre. Em Casa Grande & Senzala vários recursos literários foram utilizados.
Como o imagismo, que utiliza metáforas, símbolos e imagens para expressar os argumentos, e o expressionismo, técnica que amplia e recorta cenas com intuito de gerar um exagero.
Outro importante recurso foi o uso de anáforas, onde o autor repete várias vezes a mesma palavra para construir o argumento, como no trecho:
“Rede parada, com o senhor descansando, dormindo, cochilando, Rede andando, com o senhor em viagem ou a passeio debaixo de tapetes ou cortinas. Rede rangendo, com o senhor copulando dentro dela. Da rede não precisava afastar-se o escravocrata para dar suas ordens aos negros; mandar escrever suas cartas pelo caixeiro ou pelo capelão; jogar gamão com algum parente ou compadre. De rede viajavam quase todos — sem ânimo para montar a cavalo: deixando-se tirar de dentro de casa como geleia por uma colher.”
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